04 setembro 2006

Aécio Neves infla contas da saúde em R$ 668 milhões


O governo Aécio Neves (PSDB), de Minas Gerais, incluiu em sua prestação de contas da saúde em 2004 R$ 668 milhões de despesas sem vinculação direta com ações e serviços públicos do setor, para cumprir o mínimo constitucional de aplicações em saúde. Sem esse valor --42,7% dos gastos em saúde do governo mineiro no ano--, o percentual aplicado cairia para 6,96%, bem abaixo dos 12% determinados pela Constituição Federal. Com o valor, o percentual sobe para 12,16%.

Relatório técnico do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de Minas Gerais sobre a prestação de contas de 2004 de Aécio, ao qual a Folha teve acesso, mostra que o governo mineiro contabilizou como ações públicas de saúde benefícios previdenciários, assistência médica para clientela fechada (servidores e militares) e despesas de órgãos que não integram o SUS (Sistema Único de Saúde).

No último dia 13, a Folha divulgou que o governo Aécio maquiou suas prestações de contas de 2003 e 2004, para incrementar o volume financeiro de aplicações em saúde e alcançar os percentuais determinados pela Constituição.

O relatório obtido pela reportagem radiografa essa situação. Do total de R$ 1,56 bilhão incluído pelo governo nos gastos em saúde em 2004, R$ 317,8 milhões foram para previdência social e assistência médica de servidores, R$ 317 milhões para saneamento básico, R$ 32,4 milhões para órgãos que não integram o SUS e R$ 1,1 milhão para publicação de atos no "Diário Oficial".

Cem itens

Detalhando os gastos, o relatório aponta mais de cem itens que "a priori não estariam diretamente relacionados a ações e serviços públicos de saúde", como artigos para confecção, vestuário, cama, mesa, banho e cozinha (R$ 894,9 mil), recepções, hospedagens, homenagens e festividades (R$ 28,6 mil), assinatura de jornais e revistas (R$ 46,2 mil), forragens e alimentos para animais (R$ 3,4 mil) e até multas de trânsito (R$ 957).

A discussão remete à emenda constitucional 29, promulgada em setembro de 2000 e que estabelece limites mínimos de investimentos em saúde pelos Estados. Como não foi regulamentada, não há definição sobre as despesas que devem ser computadas como tais.

A partir da promulgação da emenda, os Estados foram autorizados a aumentar gradualmente o percentual do limite mínimo, até alcançar 12% em 2004. De 2000 a 2004, os percentuais fixados em Minas Gerais não foram alcançados em 2000 (aplicou 4,8% para mínimo de 7%) e 2002 (6,1% para 9,5%), anos do governo Itamar Franco (1999-2002).

Mas de 2000 a 2002 eram consideradas para efeito de cumprimento da emenda 29 apenas despesas executadas por órgãos que compõem o SUS e gastos em construção e reformas de unidades de saúde.

Metodologia

O governo Aécio adota nova metodologia e agrega ao cálculo das aplicações em saúde despesas executadas em funções distintas, como agricultura e saneamento. "Releva notar que em função da metodologia utilizada pelo governo estadual (...) registrou-se um salto significativo de recursos financeiros para o setor saúde", afirma o relatório do tribunal de Minas.

Em sabatina da Folha no último dia 17, Aécio disse que, enquanto a emenda 29 não for regulamentada, os Tribunais de Contas é que regulam a questão. De fato, a instrução 11/ 2003 do TCE-MG considera, por exemplo, gastos em saneamento e proteção do ambiente como despesas em saúde.

Apesar de as contas de Aécio terem sido aprovadas sem ressalvas pelos conselheiros do TCE-MG --dos quais quatro em seis são ex-deputados estaduais--, o relatório no qual se basearam, assinado por 20 técnicos, vai em direção diferente e não se atém à instrução 11.

O relatório afirma que "não há que se pretender computá-lo [saneamento]" para cumprir a emenda 29.

"Os recursos alocados para as ações de saneamento são aplicados sob a lógica das taxas e de investimentos de retorno ao longo de sua prestação de serviços", diz o texto.

Programa mineiro de saúde usou só 7% dos recursos previstos

O relatório técnico do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de Minas Gerais sobre a prestação de contas de 2004 de Aécio Neves (PSDB) revela que o principal programa do governo mineiro na área de saúde teve execução de somente 7,04% dos recursos totais previstos naquele ano.

O programa Viva Vida, de combate à mortalidade infantil e materna no Estado, teve gastos de R$ 352,2 mil em 2004, para uma previsão de R$ 5 milhões. Da meta de distribuir cem kits (atenção básica, maternidade e neonatal), "a execução registrou o quantitativo de dois kits", diz o relatório.

Sobre a distribuição de kits do Viva Vida em 2004, o governo mineiro afirmou que o relatório está errado.

Informou que foram distribuídos dois tipos de kits "atenção básica" (com aparelhos como estetoscópio e balança), e não dois kits. Segundo o governo, 812 municípios mineiros (95% do total) receberam kits em 2004.

O valor gasto no Viva Vida em 2004 é, por exemplo, cinco vezes menor do que o R$ 1,84 milhão aplicado pelo governo mineiro na campanha do "déficit zero", feita pela agência SMPB, do empresário Marcos Valério, para divulgar o equilíbrio orçamentário alcançado na gestão Aécio.

A campanha de prestação de contas na saúde, feita pela DNA Propaganda, que também era de Marcos Valério, custou R$ 1,595 milhão.

Outro projeto prioritário do governo Aécio na saúde, o Saúde em Casa, de promoção, prevenção e assistência à saúde da família, teve execução de 0,62% (R$ 244,2 mil) em relação aos valores inicialmente orçados (R$ 39 milhões).

O relatório do TCE-MG classifica como "irrisórias" as realizações do programa no ano de 2004.

Assinado por 20 técnicos do TCE-MG, o relatório sobre as contas do governo mineiro em 2004 questiona se a inclusão de despesas com saneamento no montante das aplicações em saúde não estaria drenando recursos desse último setor.

"Há de se avaliar se a parcela alocada para investimentos em saneamento, a título de despesas com saúde, representa retirada de significativos recursos da atenção e assistência à saúde", aponta o documento.

Fonte: Folha de São Paulo

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