21 novembro 2005

‘Juízes políticos’: na Câmara de Deputados, Brasil, 23/11/2005,
e num Tribunal do Reich[1], 16/12/1933


Em “A resistência de Dirceu”, Mauro Santayana [JB, 21/11/2005] escreve:



“É preciso reconhecer a bravura com a qual se vem defendendo o ex-ministro. [O caso lembra] o caso de George Dimitrov, o líder comunista búlgaro, que se defendeu, diante de um tribunal nazista, da acusação de haver incendiado o Reichstag, em 1933, e conseguiu, com sua obstinação e coragem, provar a inocência, salvando-se de uma condenação já decidida.”



O Deputado José Dirceu não é comunista, e a Câmara de Deputados do Brasil, em 2005, não é um tribunal nazista. Contudo – e por assustador que pareça a todas as almas brasileiras democráticas – Mauro Santayana acerta na lembrança.

Desgraçadamente para o Brasil, há semelhanças, hoje, sim, tanto entre os dois tribunais quanto entre os dois acusados:

· nos dois casos, não havia provas; e dizia-se que era “um julgamento político”;

· nos dois casos, o acusado estava ‘condenado antes de ser julgado’; e

· nos dois casos, o acusado estava sendo julgado por adversários políticos.



Contudo – e esse talvez seja o indício mais apavorante – o tribunal nazista foi suficientemente justo para acolher os argumentos de defesa de um acusado sem provas; e o acusado sem provas foi absolvido, sim, até naquele tribunal nazista.

Desgraçadamente para o Brasil, não se pode ter certeza de que o acusado sem provas seja absolvido, mesmo hoje, às vésperas do julgamento, na Câmara de Deputados, em Brasília, em 2005!

O chamado “Processo de Lipsia”, que Santayana lembra hoje, é episódio histórico conhecido e exemplar, que pode ser rapidamente resumido.

No dia 27/2/1933, dirigentes hitleristas puseram fogo na sede do parlamento alemão, o Reichstag, e imediatamente, pelo rádio e pelos jornais, atribuíram a culpa aos comunistas. Com isso, criou-se o clima de que os hitleristas precisavam para mover uma sangrenta campanha de perseguição aos comunistas, partido que, naquele momento, fazia a mais tenaz oposição ao partido hitlerista.

O processo foi imediatamente instaurado e seguiu todos os trâmites da legalidade formal. Oito meses depois, dia 16/12/1933, George Dimitrov apresentou sua defesa, ante aquele tribunal nazista. Dada a absoluta falta de provas, o Procurador-Geral – mais alta autoridade nazista, naquele contexto – e que, apesar de mais de dez meses de investigações, não encontrara uma única prova contra aquele acusado, pediu a extinção do processo.

Em sua defesa, aquele acusado em julgamento político, absolutamente sem provas, não disse nada de muito diferente do que diz hoje o Deputado José Dirceu, deputado federal brasileiro.

Ambos dizem – e têm de dizer –, em todos os casos, sempre, o que dizem todos os acusados ‘políticos’ em todos os tribunais de exceção, sejam nazistas, fascistas, PSDBistas ou PFListas; em todos os casos e sempre:



“Defendo aqui a minha própria vida, sim. Mas também defendo, aqui, o direito que todos os homens e mulheres têm, sempre, de não serem condenados sem prova. Defendo-me como homem acusado injustamente. Defendo-me como cidadão. Defendo-me como Deputado Federal brasileiro. Defendo-me como petista. Defendo o significado e o conteúdo de toda a minha vida e de 25 anos de história do meu partido.”



Como o Tribunal do Reich nazista, em 1933, que acusava George Dimitrov, também a Câmara de Deputados do Brasil é “uma intituição que tem de ser tratada com respeito", não apenas porque reúne representantes do povo, mas porque tem poder de Estado e "pode condenar um homem à morte”, nas palavras do quase linchado de 1933.

“Cada palavra que pronuncio aqui, em minha defesa, ante esse tribunal do Reich, é sangue do meu sangue e carne da minha carne” – disse George Dimitrov, ante os juízes nazistas, em 1933.

Não é muito diferente disso, o que o Deputado José Dirceu está obrigado a dizer em sua própria defesa e em defesa, ainda, da democracia brasileira, na Câmara de Deputados, no Brasil, em 2005:



“Sem apresentar uma única evidência concreta, o Deputado Serraglio me acusa de chefiar um esquema para comprar deputados, mas o relator da CPMI da Compra de Votos, Ibrahim Abi-Ackel, concluiu que não há provas de que parlamentares receberam dinheiro para votar a favor do governo.

O relator da CMPI dos Correios, Deputado Serraglio, tirou conclusões precipitadas, não conseguiu sustentar as acusações e agora quer encobrir o fracasso das investigações levantando novas suposições infundadas.”



Os Deputados Federais brasileiros da legislatura 2002-2006 farão história, no julgamento do Deputado José Dirceu.

Se absolverem o Deputado José Dirceu, os Deputados Federais brasileiros da legislatura 2002-2006 entrarão para a história do Brasil como 513 brasileiros que souberam, nesse momento difícil que o Brasil vive, impôr a racionalidade, a lei e a justiça ao enlouquecimento geral da nação, insuflada por uma mídia alugada ou por uma mídia, também ela, partidarizada.

Contudo, se os Deputados Federais brasileiros da legislatura 2002-2006 condenarem o Deputado José Dirceu – e absolutamente sem provas! – os Deputados Federais brasileiros da legislatura 2002-2006 entrarão para a história do Brasil como um tribunal de exceção, e como tribunal de exceção ainda mais selvagem, bárbaro e anticivilizacional do que um tribunal nazista, em plena Alemanha de Hitler!

Nos dois casos, os ‘juízes políticos’ de hoje serão julgados, nas urnas, pelos eleitores, em 2006, ano que vem.

Contra o linchamento do Deputado José Dirceu,
na legislatura 2002-2006 da Câmara de Deputados, no Brasil!

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