06 setembro 2006


Em "Rua dos Esquecidos”, alagoanas votam pensando em casa e emprego


Poço das Trincheiras (Alagoas) - Entrevista à Radiobrás de moradores do norte do sertão alagoano. E/D: Edivânia Silveira, Maria Nilbel, Maria Silvânia, e Terezinha Conceição.
Poço das Trincheiras (Alagoas) - São quatro horas da tarde do dia 3 de setembro de 2006. Estamos em Poço das Trincheiras (AL), a 220 km de Maceió. Passamos litoral, Zona da Mata, Agreste. Chegamos ao Sertão. Tudo está verde na caatinga e nas roças. Foi boa a chuva este ano, como a dos dois anos anteriores.

Poço das Trincheiras, segundo estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) feito em 2002, está entre os 21 municípios brasileiros com a pior combinação entre os indicadores de renda, longevidade e educação de todo o país – são os fatores que formam o chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Na rua central, uma das coligações que concorre às eleições daqui a exatas quatro semanas prepara o palanque para o comício ao meio-dia. A menos de 200 metros dali fica a rua onde moram Edivânia, Maria Nilbel, Maria Silvânia e Terezinha (foto, da esquerda para a direita).

"Esta é a Rua dos Esquecidos", dizem elas, quando pergunto para qual endereço posso mandar uma cópia da reportagem. Edivânia Silveira da Silva tem 34 anos. Fala alto, reclama de seu direito de ter uma casa.

É a mais abonada da turma. Trabalha como assistente administrativa na prefeitura da cidade e ganha R$ 250. Também tem a mãe aposentada em casa. Edivânia sustenta os três filhos – teve mais dois, que morreram.

Estudou até a quinta série. Duas de suas crianças estão na escola. O marido, "graças a Deus", foi-se embora com outra e nunca mais voltou.

Maria Nilbel da Conceição tem 47 anos. O trabalho que tem "é de roça", ajudando no plantio de milho, feijão, mandioca e abóbora. Dos 14 filhos que teve, oito sobreviveram – quatro deles estão na escola.

Ela mesma estudou por quatro anos, não sabe até que série: "Já esqueci tudo, de trabalhar na roça". Marido, também não há. E renda na casa só mesmo os R$ 65 que ganha do programa Bolsa Família.

Maria Silvânia Silva Lima, 20 anos, é a caçula, a garota do Ipanema – assim se chama também a rua, assim se chama o rio que corre bem ali, no fim da rua, a poucos metros de onde elas moram.

"Dali é que a gente tira uma mistura pra comida: piaba, traíra. E é ali também que o pobre faz suas necessidades. Na beira ou então lá dentro mesmo."

Ela teve quatro filhos – dois sobreviveram até agora e o mais novo mama no peito enquanto ela dá entrevista. Acabou de se separar do marido, como que iniciando carreira semelhante à das companheiras da rua.

O dinheiro que tem em casa também é do Bolsa Família (R$ 65). Ela paga R$ 25 de aluguel e lhe sobram R$ 40 para comprar alguma comida para as crianças. Silvânia estudou até a quarta série – parou quando teve o primeiro filho.

Terezinha Maria da Conceição, 30 anos, é a única com marido em casa. É o segundo casamento. "Ele é bem velhinho, tem 74 anos", destaca. É, também, um dos poucos homens que garantem a renda de uma residência por ali porque tem aposentadoria de um salário mínimo mensal.

Dos doze filhos de Terezinha, sete sobreviveram e cinco estão na escola. Ela cursou apenas a primeira série. São quatro horas da tarde na rua das “Esquecidas”. Na casa de Edivânia, ainda não houve almoço. No café da manhã, ela teve pão e café. Maria Nilbel comeu, de manhã, um pão que ganhou de Edivânia.

No almoço, teve feijão com fubá (farinha de milho). Maria Silvânia é outra que não almoçou porque acabou o gás. A expectativa, no momento da entrevista, era sair dali para fazer pirão de piaba do Ipanema.

De manhã, ela comeu café com “abroba” junto com Terezinha, que também almoçou “abroba”, desta vez com feijão – "ainda assim, duro, que, se tacasse na parede, furava". O que vão comer de noite, todas respondem a uma só voz: "Só Jesus Cristo vai saber".

Todas afirmam que vão votar no candidato que lhes prometer trazer casas e empregos. Quando uma delas diz que às vezes desanima e tem vontade de nunca mais votar, porque nada muda, as outras a repreendem, fazem uma apologia da democracia.

Elas criticam quem vende o voto, dizem que isso não acontece por ali, mas que, de vez em quando, ouvem falar a respeito. E ninguém derramou uma lágrima sequer enquanto dava essa entrevista. Todas, o tempo todo, davam risada da própria desgraça.

"A gente já sofre demais, tem mesmo é que rir da situação. E, além de tudo, a gente fica emocionada. Nunca, em 34 anos que moro aqui, vi um jornalista chegar aqui pra saber como a gente vive."

Fonte: Agência Brasil

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