Discurso do Presidente Lula
20 de Março de 2008
Lula em Araraquara
"O Lula presidente e o Lula sindicalista"
Vou tomar um pouquinho de água. A diferença do Lula presidente, aqui em Araraquara, e o Lula metalúrgico, na porta de fábrica, é que lá, quando eu ia fazer assembléia às 5h da manhã, era obrigado a tomar uma coisa mais quente do que água para poder falar, e como presidente eu estou com uma aguinha aqui.
Meus queridos companheiros,
Ministros que me acompanham nesta viagem a Araraquara,
Meu querido prefeito Edinho,
Companheiros deputados federais Milton Monti, Ricardo Berzoini, José Paulo Tóffano,
Meus companheiros e companheiras parentes DA nossa saudosa Gilda,
Meus companheiros e companheiras de Araraquara,
Companheiros da imprensa,
Companheiros sindicalistas da região, estou vendo alguns aqui,
Meus amigos e minhas amigas.
Primeiro, antes de falar das obras que tantas pessoas já falaram, eu quero que vocês compreendam um pouco o que está acontecendo no Brasil neste momento. Tem muita gente que diz que as coisas estão dando cento no Brasil porque o Lula tem sorte. Obviamente, que eu prefiro ser o Lula com sorte do que o Lula sem sorte, porque não há na vida nada que aconteça, para nenhum de nós, se a gente não tiver um pouco de sorte. Mas o que está acontecendo no Brasil é uma coisa que nós preparamos e muitos dos ensinamentos que eu aprendi na minha vida cotidiana eu coloco em prática na arte de governar este País.
A história da casa
Eu me casei pela primeira vez em 1969 e assumi o compromisso, com a minha mulher, de que eu só ia pagar um ano de aluguel e depois eu ia comprar uma Casa. Para poder comprar essa Casa, no primeiro ano de casados – eu e a mulher trabalhando – nós nunca fomos a um restaurante, nós nunca fomos ao cinema, porque a cada vez que eu ia pagar o aluguel, eu achava aquele dinheiro amaldiçoado. Era um dinheiro que eu dava e eu sabia que não estava construindo nada para mim. Fizemos um ano de sacrifício, não tinha restaurante, não tinha cinema, não tinha teatro, não tinha festa, não tinha roupa nova, não tinha nada. Um ano depois, eu comprei a minha primeira casa. Quem conhece São Paulo, era no Parque Bristol, era uma ribanceira tão Grande que, quando chovia, a gente quase não conseguia ir trabalhar, porque não tinha guia, não tinha sarjeta, o barro virava uma cola e eu tinha que colocar uma galocha, andar a pé até o asfalto, tirar a galocha, embrulhar em um jornal e levar para a fábrica. Quando chegava à fábrica, lavava, deixava secar e à tarde, quando eu saía da fábrica, descia do ônibus, na padaria, colocava a galocha, chegava em casa, tirava a galocha. Mais um pouco e eu pegaria o apelido de Lula Galocha.
Dois anos depois, minha mulher morreu, eu fiquei quatro anos viúvo, me casei outra vez. Tinha vendido a casa porque eu tinha me mudado para São Bernardo. Quando eu me casei com a Marisa, eu assumi um compromisso: em um ano a gente vai comprar outra casa. Não deu para comprar em um ano, eu comprei a casa em um ano e seis meses. A Marisa trabalhava, eu trabalhava, outra vez não tinha restaurante, não tinha cinema, não tinha roupa nova. Qualquer dinheiro que a gente ganhava era guardado para a gente comprar a casa. Um ano e meio depois, eu comprei uma casinha do BNH, com 33m2. Imaginem o tamanho da casa: quando um filho ia dormir, o outro tinha que se levantar; quando colocava o fogão, tinha que tirar a geladeira; se esticasse o pé no quarto, o pé saía pela janela. Nunca reclamei, porque não sou feito para reclamar. Eu aprendi que, em vez de reclamar, nós temos que fazer as transformações que acreditamos que seja possível fazer, e fazê-las.
Brasil atual
Eu contei esses dois casos para chegar ao Brasil. Aqui tem extraordinários companheiros e companheiras que vieram comigo, intelectuais da mais alta competência deste País. Essas pessoas sabem, como muitos de vocês aqui em Araraquara sabem que, quando eu tomei posse, muita gente dizia: "Coitado do Lula. O Brasil está quebrado". Primeiro, o Brasil não tinha credibilidade externa, a gente não tinha dinheiro para pagar as nossas importações, o dinheiro que a gente tinha de reserva eram 30 bilhões de dólares, emprestados pelo FMI, e a gente estava com os juros na estratosfera. A inflação já tinha ultrapassado os dois dígitos, e a situação era que "o Brasil vai quebrar".
A primeira coisa que nós fizemos, no ano de 2003, foi o maior aperto que este País já conheceu. Eu perdi até amigos que achavam que eu podia fazer a transformação no primeiro ano ou no primeiro mês. Perdi muitos amigos que achavam que eu não IA fazer nada, porque os juros continuavam altos, porque o Brasil não crescia, porque tinha desemprego. E nós fizemos o ano de maior sacrifício neste País. Aumentamos, inclusive, o superávit primário: era de 3,75% e nós levamos para 4,25%. Por quê? Porque eu precisava fazer um sinal para os credores brasileiros de que a gente IA garantir o pagamento daquilo que era a dívida contraída por nós mesmos.
Passamos 2003, 2004 deu uma melhorada, a inflação começou a voltar e nós tivemos que aumentar juros outra vez. Passamos 2005 muito apertados. Todo mundo acompanhou pela televisão o que os partidos de oposição tentaram fazer conosco. Todo mundo, aqui neste País, acompanhou o que uma parte da imprensa fez conosco em 2005 e em 2006. E em nenhum momento vocês me viram nervoso porque eu tinha objetivos, eu tinha propósitos.
Acesso a bancos
O Élio e os sindicalistas aqui presentes sabem que eu fui um sindicalista razoavelmente importante neste País. Fiz as lutas mais memoráveis do final dos anos 70 e do começo dos anos 80, e nunca a gente conseguia aumento real de salário. A inflação era de 83% ao ano, era de 50%, era de 70%, era de 90%. Pois bem, quando a gente pegava a metade da inflação, já era uma vitória. Eu fiz greve de 41 dias e voltamos a trabalhar sem receber um centavo de aumento. O que está acontecendo agora, companheiros sindicalistas? Noventa e seis por cento dos acordos feitos pelos sindicatos são acordos feitos acima da inflação, com aumento real de salário.
Aqui no Brasil pobre não tinha acesso a banco. Aliás, os bancos tinham desaprendido a atender pobre. Até o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal tinham desaprendido a atender pobre. Era muito melhor atender um cidadão de chapelão, com charuto na boca, do que atender um cidadão com uma sandália havaiana no pé. O que nós fizemos? Nós resolvemos fazer crédito para o povo pobre deste País. Criamos o crédito consignado, já que os bancos diziam que não emprestavam dinheiro para pobre porque o pobre podia não pagar. Nós demos a folha de pagamento como garantia. Os aposentados brasileiros nunca tinham condições de fazer um empréstimo. Criamos o empréstimo consignado para o aposentado. Qualquer aposentado, hoje, pode ir a um banco, de preferência escolher o que tem os juros mais baratos, contrair o empréstimo e só pagar 30% do seu salário. Não pode pagar mais. E o que começou a acontecer no Brasil? As pessoas começaram a comer mais, a gastar um pouco mais, a comprar coisas essenciais.
Bolsa-família e "Os do andar de baixo"
Criamos o programa Bolsa Família, que muita gente dizia: "isso é assistencialismo". As pessoas não sabem o que significam 50 reais na mão de uma mãe pobre. Com 50 reais que nós damos de gorjeta em um bar, quando tomamos cerveja, uma mãe consegue colocar comida em Casa para os seus filhos, por 10 ou 15 dias. E hoje atendemos 11 milhões de famílias, são 44 milhões de brasileiros que podem comer três refeições por dia. Eu vi o depoimento de uma mulher que eu coloquei na televisão, ela dizia: "antes do Bolsa Família, eu tinha duas netas que moravam comigo, eu comprava um lápis e cortava o lápis ao meio para que cada criança tivesse metade". Hoje ela pode comprar uma caixa de lápis para cada neta e não precisa repartir. Esses dias, a imprensa foi atrás de uma mulher do Bolsa Família porque ela comprou uma geladeira e aí já acharam que ela era burguesa, não precisava mais do Bolsa Família. Eu quero que ela compre geladeira, eu quero que ela compre televisão, eu quero que ela compre roupa, eu quero que ela compre sapatos. É preciso acabar, neste País, com o preconceito contra os pobres. É preciso acabar, neste País, com a idéia de que os do andar de baixo não podem nada e que os do andar de cima podem tudo. É preciso que as pessoas percebam que nós precisamos – se quisermos ter um país vivendo em Paz, com muita liberdade e democracia – estender a mão para aqueles que não tiveram chance no século 21.
Ontem eu fui a uma formatura da Universidade Zumbi dos Palmares. É a primeira vez, em 500 anos de história deste País, que nós conseguimos formar, de uma única vez, e entregar o diploma para 120 meninas e meninos negros deste País, que são segregados há séculos e séculos. Este ano, nós vamos ter a primeira turma formada pelo ProUni. São 60 mil jovens que tiraram o diploma pelo ProUni e 40% desses são negros e negras. É preciso acabar com essa história de que nordestino e Negro têm que ser pedreiros, ajudantes de pedreiro ou cortadores de cana. Nós não temos vergonha de ser pedreiros ou cortadores de cana, mas queremos ser engenheiros, queremos ser médicos,
Queremos ser (inaudível), queremos ser tudo aquilo a que temos direito neste País.
Momento mágico
Meus companheiros e companheiras, eu fui sexta-feira ao Rio de Janeiro lançar o PAC no Complexo do Alemão, que vocês aqui em Araraquara só vêem, pela televisão, pela criminalidade. Fui à Rocinha, que também a gente só vê pela criminalidade, e fui em Manguinhos, que é chamado de Faixa de Gaza, porque tem batalha todos OS dias. Tem a linha do trem e um muro que divide. O muro é a Faixa de Gaza, é uma quadrilha atirando na outra quadrilha. Nós fomos lançar o PAC lá, levar água, levar esgoto, fazer ruas, levar escola, levar hospital, levar teleférico para as pessoas descerem o morro. Hoje leva 2 horas, vai demorar 19 minutos quando estiver pronto o teleférico. Tem muita gente que fala: "o Lula está gastando muito dinheiro com os pobres, o Lula precisa fazer mais investimentos". Porque neste País, também se aprendeu que tudo que a gente dá para o Rico é investimento e tudo que a gente dá para o pobre é gasto, quando eu acho que é o contrário. Eu acho que a gente colocar dinheiro na mão do pobre é investimento neste País. Hoje o Brasil está vivendo um momento, eu diria, quase mágico. Eu me lembro que quando eu tomei posse a indústria automobilística me procurou dizendo: "nós estamos quebrados, temos muita empresa querendo ir embora". E ontem eu recebi uma Carta: eles saíram de 2 milhões e 200 mil carros, e estão prometendo produzir 4 milhões de carros em 2009. Qual foi o milagre? O milagre foi uma coisa que a gente vinha dizendo para eles há 20 anos: com 24 meses de prestação, só pode comprar um carro o setor DA classe média. Se vocês quiserem que o pobre compre um carro, aumentem o número de prestações, porque o pobre não olha o custo final, ele olha se a prestação cabe no holerite dele, se cabe no bolso dele. Hoje as pessoas estão esperando três meses para comprar um carro; caminhão, nove meses, se for caminhão pesado; máquinas agrícolas, não têm mais no mercado. Não tem pedreiro, não tem engenheiro, não tem azulejista. Por que não tem? Porque durante 26 anos este País estava preparado para não crescer. Havia uma lógica entre os economistas do governo de que o Brasil não poderia crescer mais do que 3% ao ano. Nós queremos provar que o Brasil pode crescer 3%, 4%, 5%, 6% e quanto a economia suportar. Qual é o cuidado que nós temos que ter? O consumo não pode crescer acima da capacidade produtiva do País. Até pode, porque a gente pode importar um pouco. Mas é preciso que a gente tenha cuidado porque, se cresce muito o consumo e a indústria não investe em novas fábricas, em nova produção, a gente tem de Volta uma doença desgraçada – que nós não gostamos dela – que é a inflação, que muitas vezes favorece o Rico e quem paga o preço é o pobre que vive de salário neste País.
Melhor momento
Pois bem, hoje eu posso dizer para vocês, sem medo de errar: vivemos o melhor momento do País, dos últimos 30 anos, e com possibilidade de melhorar ainda mais. Só para saneamento básico são 40 bilhões de reais; para habitação são 106 bilhões de reais. Mais ainda, só da Funasa são 4 bilhões de reais para atender cidades de até 50 mil habitantes, de preferência aquelas que têm mais mortalidade infantil, aquelas que têm doença de Chagas. Criamos o programa de Financiamento de Habitação Social: foram 2 bilhões no ano passado e 2 bilhões neste ano. A economia brasileira vai continuar crescendo, o salário vai continuar crescendo, o consumo vai continuar crescendo, as indústrias vão continuar investindo, e eu tenho a convicção de que daqui a 10 ou 15 anos a gente vai poder ter, neste País, uma geração que viveu 10 ou 15 anos com a economia brasileira crescendo, vendo a nossa juventude arrumar emprego.
Trilhos e flores
É por isso, meu companheiro Edinho, que com muito orgulho estou aqui, porque em 2006 eu vim aqui num comício, e no comício eu disse que ia tirar essa ferrovia. Essa ferrovia, todo mundo sabe, a parte mais rica da sociedade morava do trilho para o centro, e a parte mais pobre era do trilho para a periferia. Então, nós vamos acabar com essa divisão social. Esse trilho tem que ser símbolo do desenvolvimento de Araraquara e não símbolo da divisão de classes, aqui na cidade de Araraquara. Vamos tirar. Eu prometi. No ano passado veio o meu ministro do Planejamento, no dia da publicação do edital. Hoje eu vim com o meu ministro dos Transportes para dizer: essas obras vão começar agora e em 2010, se Deus quiser, eu estarei aqui para inaugurar o novo terminal. E onde hoje tem trilho, vamos plantar flores para a gente alegrar ainda mais o povo da Morada do Sol, o povo desta cidade extraordinária.
Educação e agradecimentos
Por isso, meus queridos companheiros e companheiras, eu estou feliz. Primeiro, pela escola homenageando a Gilda. Eu tive pouco contato com a Gilda, mas tenho uma profunda admiração e sou muito amigo do seu companheiro, o nosso, não menor, Antônio Cândido. A segunda coisa foi vir aqui, Edinho, junto com você... O Edinho é uma dessas coisas boas que acontecem na vida de uma cidade. O Edinho é um companheiro, conheço poucos como ele, desprovido de interesses, eu nunca vi o Edinho rancoroso, nunca vi o Edinho nervoso. E somente quem se levanta de bem com a vida é que pode ser assim. A gente se levantar todo dia acreditando que vai ser melhor, acreditando que vai conseguir...
Então, eu queria me despedir dizendo para vocês: nós, brasileiros e brasileiras, pobres e ricos, pretos e brancos, a gente pode construir esta nação, uma grande nação. O Brasil jogou for a muitas oportunidades, eu não vou jogar for a as oportunidades. Quando nós estamos investindo em educação é porque eu acho que não tem outra saída. Ou a gente forma a nossa juventude, qualifica a nossa juventude e começa a exportar não só suco de laranja, não só minério de Ferro, não só soja, mas exportar inteligência, conhecimento, porque é isso que vai colocar valor agregado e Dar dimensão de nação desenvolvida ao Brasil.
Por isso, muito obrigado, de coração, Edinho. Muito obrigado pelo prazer de estar aqui hoje, nesta querida cidade de Araraquara, voltando aqui, e prometendo voltar para inaugurar o contorno ferroviário.
Um beijo e um abraço"
Lula em Araraquara
"O Lula presidente e o Lula sindicalista"
Vou tomar um pouquinho de água. A diferença do Lula presidente, aqui em Araraquara, e o Lula metalúrgico, na porta de fábrica, é que lá, quando eu ia fazer assembléia às 5h da manhã, era obrigado a tomar uma coisa mais quente do que água para poder falar, e como presidente eu estou com uma aguinha aqui.
Meus queridos companheiros,
Ministros que me acompanham nesta viagem a Araraquara,
Meu querido prefeito Edinho,
Companheiros deputados federais Milton Monti, Ricardo Berzoini, José Paulo Tóffano,
Meus companheiros e companheiras parentes DA nossa saudosa Gilda,
Meus companheiros e companheiras de Araraquara,
Companheiros da imprensa,
Companheiros sindicalistas da região, estou vendo alguns aqui,
Meus amigos e minhas amigas.
Primeiro, antes de falar das obras que tantas pessoas já falaram, eu quero que vocês compreendam um pouco o que está acontecendo no Brasil neste momento. Tem muita gente que diz que as coisas estão dando cento no Brasil porque o Lula tem sorte. Obviamente, que eu prefiro ser o Lula com sorte do que o Lula sem sorte, porque não há na vida nada que aconteça, para nenhum de nós, se a gente não tiver um pouco de sorte. Mas o que está acontecendo no Brasil é uma coisa que nós preparamos e muitos dos ensinamentos que eu aprendi na minha vida cotidiana eu coloco em prática na arte de governar este País.
A história da casa
Eu me casei pela primeira vez em 1969 e assumi o compromisso, com a minha mulher, de que eu só ia pagar um ano de aluguel e depois eu ia comprar uma Casa. Para poder comprar essa Casa, no primeiro ano de casados – eu e a mulher trabalhando – nós nunca fomos a um restaurante, nós nunca fomos ao cinema, porque a cada vez que eu ia pagar o aluguel, eu achava aquele dinheiro amaldiçoado. Era um dinheiro que eu dava e eu sabia que não estava construindo nada para mim. Fizemos um ano de sacrifício, não tinha restaurante, não tinha cinema, não tinha teatro, não tinha festa, não tinha roupa nova, não tinha nada. Um ano depois, eu comprei a minha primeira casa. Quem conhece São Paulo, era no Parque Bristol, era uma ribanceira tão Grande que, quando chovia, a gente quase não conseguia ir trabalhar, porque não tinha guia, não tinha sarjeta, o barro virava uma cola e eu tinha que colocar uma galocha, andar a pé até o asfalto, tirar a galocha, embrulhar em um jornal e levar para a fábrica. Quando chegava à fábrica, lavava, deixava secar e à tarde, quando eu saía da fábrica, descia do ônibus, na padaria, colocava a galocha, chegava em casa, tirava a galocha. Mais um pouco e eu pegaria o apelido de Lula Galocha.
Dois anos depois, minha mulher morreu, eu fiquei quatro anos viúvo, me casei outra vez. Tinha vendido a casa porque eu tinha me mudado para São Bernardo. Quando eu me casei com a Marisa, eu assumi um compromisso: em um ano a gente vai comprar outra casa. Não deu para comprar em um ano, eu comprei a casa em um ano e seis meses. A Marisa trabalhava, eu trabalhava, outra vez não tinha restaurante, não tinha cinema, não tinha roupa nova. Qualquer dinheiro que a gente ganhava era guardado para a gente comprar a casa. Um ano e meio depois, eu comprei uma casinha do BNH, com 33m2. Imaginem o tamanho da casa: quando um filho ia dormir, o outro tinha que se levantar; quando colocava o fogão, tinha que tirar a geladeira; se esticasse o pé no quarto, o pé saía pela janela. Nunca reclamei, porque não sou feito para reclamar. Eu aprendi que, em vez de reclamar, nós temos que fazer as transformações que acreditamos que seja possível fazer, e fazê-las.
Brasil atual
Eu contei esses dois casos para chegar ao Brasil. Aqui tem extraordinários companheiros e companheiras que vieram comigo, intelectuais da mais alta competência deste País. Essas pessoas sabem, como muitos de vocês aqui em Araraquara sabem que, quando eu tomei posse, muita gente dizia: "Coitado do Lula. O Brasil está quebrado". Primeiro, o Brasil não tinha credibilidade externa, a gente não tinha dinheiro para pagar as nossas importações, o dinheiro que a gente tinha de reserva eram 30 bilhões de dólares, emprestados pelo FMI, e a gente estava com os juros na estratosfera. A inflação já tinha ultrapassado os dois dígitos, e a situação era que "o Brasil vai quebrar".
A primeira coisa que nós fizemos, no ano de 2003, foi o maior aperto que este País já conheceu. Eu perdi até amigos que achavam que eu podia fazer a transformação no primeiro ano ou no primeiro mês. Perdi muitos amigos que achavam que eu não IA fazer nada, porque os juros continuavam altos, porque o Brasil não crescia, porque tinha desemprego. E nós fizemos o ano de maior sacrifício neste País. Aumentamos, inclusive, o superávit primário: era de 3,75% e nós levamos para 4,25%. Por quê? Porque eu precisava fazer um sinal para os credores brasileiros de que a gente IA garantir o pagamento daquilo que era a dívida contraída por nós mesmos.
Passamos 2003, 2004 deu uma melhorada, a inflação começou a voltar e nós tivemos que aumentar juros outra vez. Passamos 2005 muito apertados. Todo mundo acompanhou pela televisão o que os partidos de oposição tentaram fazer conosco. Todo mundo, aqui neste País, acompanhou o que uma parte da imprensa fez conosco em 2005 e em 2006. E em nenhum momento vocês me viram nervoso porque eu tinha objetivos, eu tinha propósitos.
Acesso a bancos
O Élio e os sindicalistas aqui presentes sabem que eu fui um sindicalista razoavelmente importante neste País. Fiz as lutas mais memoráveis do final dos anos 70 e do começo dos anos 80, e nunca a gente conseguia aumento real de salário. A inflação era de 83% ao ano, era de 50%, era de 70%, era de 90%. Pois bem, quando a gente pegava a metade da inflação, já era uma vitória. Eu fiz greve de 41 dias e voltamos a trabalhar sem receber um centavo de aumento. O que está acontecendo agora, companheiros sindicalistas? Noventa e seis por cento dos acordos feitos pelos sindicatos são acordos feitos acima da inflação, com aumento real de salário.
Aqui no Brasil pobre não tinha acesso a banco. Aliás, os bancos tinham desaprendido a atender pobre. Até o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal tinham desaprendido a atender pobre. Era muito melhor atender um cidadão de chapelão, com charuto na boca, do que atender um cidadão com uma sandália havaiana no pé. O que nós fizemos? Nós resolvemos fazer crédito para o povo pobre deste País. Criamos o crédito consignado, já que os bancos diziam que não emprestavam dinheiro para pobre porque o pobre podia não pagar. Nós demos a folha de pagamento como garantia. Os aposentados brasileiros nunca tinham condições de fazer um empréstimo. Criamos o empréstimo consignado para o aposentado. Qualquer aposentado, hoje, pode ir a um banco, de preferência escolher o que tem os juros mais baratos, contrair o empréstimo e só pagar 30% do seu salário. Não pode pagar mais. E o que começou a acontecer no Brasil? As pessoas começaram a comer mais, a gastar um pouco mais, a comprar coisas essenciais.
Bolsa-família e "Os do andar de baixo"
Criamos o programa Bolsa Família, que muita gente dizia: "isso é assistencialismo". As pessoas não sabem o que significam 50 reais na mão de uma mãe pobre. Com 50 reais que nós damos de gorjeta em um bar, quando tomamos cerveja, uma mãe consegue colocar comida em Casa para os seus filhos, por 10 ou 15 dias. E hoje atendemos 11 milhões de famílias, são 44 milhões de brasileiros que podem comer três refeições por dia. Eu vi o depoimento de uma mulher que eu coloquei na televisão, ela dizia: "antes do Bolsa Família, eu tinha duas netas que moravam comigo, eu comprava um lápis e cortava o lápis ao meio para que cada criança tivesse metade". Hoje ela pode comprar uma caixa de lápis para cada neta e não precisa repartir. Esses dias, a imprensa foi atrás de uma mulher do Bolsa Família porque ela comprou uma geladeira e aí já acharam que ela era burguesa, não precisava mais do Bolsa Família. Eu quero que ela compre geladeira, eu quero que ela compre televisão, eu quero que ela compre roupa, eu quero que ela compre sapatos. É preciso acabar, neste País, com o preconceito contra os pobres. É preciso acabar, neste País, com a idéia de que os do andar de baixo não podem nada e que os do andar de cima podem tudo. É preciso que as pessoas percebam que nós precisamos – se quisermos ter um país vivendo em Paz, com muita liberdade e democracia – estender a mão para aqueles que não tiveram chance no século 21.
Ontem eu fui a uma formatura da Universidade Zumbi dos Palmares. É a primeira vez, em 500 anos de história deste País, que nós conseguimos formar, de uma única vez, e entregar o diploma para 120 meninas e meninos negros deste País, que são segregados há séculos e séculos. Este ano, nós vamos ter a primeira turma formada pelo ProUni. São 60 mil jovens que tiraram o diploma pelo ProUni e 40% desses são negros e negras. É preciso acabar com essa história de que nordestino e Negro têm que ser pedreiros, ajudantes de pedreiro ou cortadores de cana. Nós não temos vergonha de ser pedreiros ou cortadores de cana, mas queremos ser engenheiros, queremos ser médicos,
Queremos ser (inaudível), queremos ser tudo aquilo a que temos direito neste País.
Momento mágico
Meus companheiros e companheiras, eu fui sexta-feira ao Rio de Janeiro lançar o PAC no Complexo do Alemão, que vocês aqui em Araraquara só vêem, pela televisão, pela criminalidade. Fui à Rocinha, que também a gente só vê pela criminalidade, e fui em Manguinhos, que é chamado de Faixa de Gaza, porque tem batalha todos OS dias. Tem a linha do trem e um muro que divide. O muro é a Faixa de Gaza, é uma quadrilha atirando na outra quadrilha. Nós fomos lançar o PAC lá, levar água, levar esgoto, fazer ruas, levar escola, levar hospital, levar teleférico para as pessoas descerem o morro. Hoje leva 2 horas, vai demorar 19 minutos quando estiver pronto o teleférico. Tem muita gente que fala: "o Lula está gastando muito dinheiro com os pobres, o Lula precisa fazer mais investimentos". Porque neste País, também se aprendeu que tudo que a gente dá para o Rico é investimento e tudo que a gente dá para o pobre é gasto, quando eu acho que é o contrário. Eu acho que a gente colocar dinheiro na mão do pobre é investimento neste País. Hoje o Brasil está vivendo um momento, eu diria, quase mágico. Eu me lembro que quando eu tomei posse a indústria automobilística me procurou dizendo: "nós estamos quebrados, temos muita empresa querendo ir embora". E ontem eu recebi uma Carta: eles saíram de 2 milhões e 200 mil carros, e estão prometendo produzir 4 milhões de carros em 2009. Qual foi o milagre? O milagre foi uma coisa que a gente vinha dizendo para eles há 20 anos: com 24 meses de prestação, só pode comprar um carro o setor DA classe média. Se vocês quiserem que o pobre compre um carro, aumentem o número de prestações, porque o pobre não olha o custo final, ele olha se a prestação cabe no holerite dele, se cabe no bolso dele. Hoje as pessoas estão esperando três meses para comprar um carro; caminhão, nove meses, se for caminhão pesado; máquinas agrícolas, não têm mais no mercado. Não tem pedreiro, não tem engenheiro, não tem azulejista. Por que não tem? Porque durante 26 anos este País estava preparado para não crescer. Havia uma lógica entre os economistas do governo de que o Brasil não poderia crescer mais do que 3% ao ano. Nós queremos provar que o Brasil pode crescer 3%, 4%, 5%, 6% e quanto a economia suportar. Qual é o cuidado que nós temos que ter? O consumo não pode crescer acima da capacidade produtiva do País. Até pode, porque a gente pode importar um pouco. Mas é preciso que a gente tenha cuidado porque, se cresce muito o consumo e a indústria não investe em novas fábricas, em nova produção, a gente tem de Volta uma doença desgraçada – que nós não gostamos dela – que é a inflação, que muitas vezes favorece o Rico e quem paga o preço é o pobre que vive de salário neste País.
Melhor momento
Pois bem, hoje eu posso dizer para vocês, sem medo de errar: vivemos o melhor momento do País, dos últimos 30 anos, e com possibilidade de melhorar ainda mais. Só para saneamento básico são 40 bilhões de reais; para habitação são 106 bilhões de reais. Mais ainda, só da Funasa são 4 bilhões de reais para atender cidades de até 50 mil habitantes, de preferência aquelas que têm mais mortalidade infantil, aquelas que têm doença de Chagas. Criamos o programa de Financiamento de Habitação Social: foram 2 bilhões no ano passado e 2 bilhões neste ano. A economia brasileira vai continuar crescendo, o salário vai continuar crescendo, o consumo vai continuar crescendo, as indústrias vão continuar investindo, e eu tenho a convicção de que daqui a 10 ou 15 anos a gente vai poder ter, neste País, uma geração que viveu 10 ou 15 anos com a economia brasileira crescendo, vendo a nossa juventude arrumar emprego.
Trilhos e flores
É por isso, meu companheiro Edinho, que com muito orgulho estou aqui, porque em 2006 eu vim aqui num comício, e no comício eu disse que ia tirar essa ferrovia. Essa ferrovia, todo mundo sabe, a parte mais rica da sociedade morava do trilho para o centro, e a parte mais pobre era do trilho para a periferia. Então, nós vamos acabar com essa divisão social. Esse trilho tem que ser símbolo do desenvolvimento de Araraquara e não símbolo da divisão de classes, aqui na cidade de Araraquara. Vamos tirar. Eu prometi. No ano passado veio o meu ministro do Planejamento, no dia da publicação do edital. Hoje eu vim com o meu ministro dos Transportes para dizer: essas obras vão começar agora e em 2010, se Deus quiser, eu estarei aqui para inaugurar o novo terminal. E onde hoje tem trilho, vamos plantar flores para a gente alegrar ainda mais o povo da Morada do Sol, o povo desta cidade extraordinária.
Educação e agradecimentos
Por isso, meus queridos companheiros e companheiras, eu estou feliz. Primeiro, pela escola homenageando a Gilda. Eu tive pouco contato com a Gilda, mas tenho uma profunda admiração e sou muito amigo do seu companheiro, o nosso, não menor, Antônio Cândido. A segunda coisa foi vir aqui, Edinho, junto com você... O Edinho é uma dessas coisas boas que acontecem na vida de uma cidade. O Edinho é um companheiro, conheço poucos como ele, desprovido de interesses, eu nunca vi o Edinho rancoroso, nunca vi o Edinho nervoso. E somente quem se levanta de bem com a vida é que pode ser assim. A gente se levantar todo dia acreditando que vai ser melhor, acreditando que vai conseguir...
Então, eu queria me despedir dizendo para vocês: nós, brasileiros e brasileiras, pobres e ricos, pretos e brancos, a gente pode construir esta nação, uma grande nação. O Brasil jogou for a muitas oportunidades, eu não vou jogar for a as oportunidades. Quando nós estamos investindo em educação é porque eu acho que não tem outra saída. Ou a gente forma a nossa juventude, qualifica a nossa juventude e começa a exportar não só suco de laranja, não só minério de Ferro, não só soja, mas exportar inteligência, conhecimento, porque é isso que vai colocar valor agregado e Dar dimensão de nação desenvolvida ao Brasil.
Por isso, muito obrigado, de coração, Edinho. Muito obrigado pelo prazer de estar aqui hoje, nesta querida cidade de Araraquara, voltando aqui, e prometendo voltar para inaugurar o contorno ferroviário.
Um beijo e um abraço"