26 abril 2008

No meio do caminho há uma divergência


Está em tempo de a oposição retificar procedimentos. É crescente a divergência entre a percepção da maioria da opinião pública sobre o governo e as manifestações da oposição institucionalizada. O que o governo ganha em prestígio talvez não compense as perdas em participação democrática. A insistência oposicionista em se conduzir ao modo de grupo anarquista, contrário a tudo que seja governamental e, se possível, impedir que o governo governe, transforma o parlamento em obstáculo antes que coadjuvante do desempenho do país.


Bastam para atrapalhar o governo os custos de transação que está obrigado a incorrer para conseguir o apoio de sua própria base. Cada projeto requer, preliminarmente, atender às necessidades paroquiais de ponderável número de parlamentares. O que deixa de ser anotado, porém, é que essa dificuldade resulta da amputação sofrida pelo Legislativo. Cobrar a inserção de favores nas propostas do governo é a fórmula que resta aos parlamentares para mostrar serviço às suas fontes eleitorais. Fosse o processo legislativo brasileiro menos controlado pelo Executivo e um sem-número dos itens dos custos de transação passariam a investimento do Legislativo. O governo, qualquer governo, não consegue o melhor de todos os mundos: substituir-se, de graça, ao parlamento.


Mas este é um dos problemas que os governos criam para si mesmos. Outra coisa são os entraves construídos pela oposição. Há uma estratégia para quando o governo em exercício não está fazendo nada, obrigatoriamente distinta de quando se deseja que o governo faça mais. Há seis anos a oposição insiste na tese de que o governo só promove ilegalidades e corrupção e as surras eleitorais que vem sofrendo têm sido insuficientes para convencê-la de que seu diagnóstico é falho. Sucedem-se as denúncias que desaparecem por irrelevantes ou, na maioria, são dadas por improcedentes. As poucas que prosperam não alcançam a envergadura pretendida pelos denunciantes. Como desagravo, os oposicionistas substituem a denúncia por outra, se possível maior. Estratégia midiática para aumentar circulação ou audiência, não convém a parlamentares converterem-se em oposição sensacionalista. Nem sempre dá, e não está dando, retorno. Escândalos não podem ser a única mercadoria fabricada diariamente pelo Parlamento.


O progresso do país seria mais corretamente avaliado, e possivelmente estimulado, se o noticiário sobre o que vai pelo Brasil e pelo mundo fosse menos adversativo. É praticamente impossível ler uma notícia alvissareira sem os inevitáveis "mas", com os quais se desqualifica o sucesso. O noticiário adversativo é o alimento cotidiano do complexo de vira-lata do povo brasileiro. No extremo oposto do fascistóide "ame-o ou deixe-o" agora fica bem na foto a prática do niilismo ideológico: o paraíso está no desterro. É difícil exercer uma oposição construtiva quando a oposição oficial se esforça por comprometer políticas positivas.


O Brasil está ingressando em jogo internacional de maior complexidade e não pode se entregar ao luxo de ter uma política interna doidivanas ou caprichosa. Países de relevância reduzida costumam ser, às vezes, pouco responsáveis nas suas definições internas e externas. Não provocam, com isso, nenhum problema internacional, nem mesmo pagam pelas saliências. A comunidade internacional cedo ou tarde termina por ajudá-los a sair do atoleiro em que se meteram, exceto quando se envolvem em guerras genocidas. Nestes casos, a comunidade internacional é cruel e deixa que se matem aos milhares. O Brasil já foi um país de escassa relevância. Não é mais. Listado como um dos BRICs, isto é, aqueles previstos como grandes nações do século XXI, o país começa a pagar o preço de relativa notoriedade. Seus movimentos internos e externos têm repercussão e respostas cuidadosamente calculadas. Ao contrário do noticiário adversativo e do diagnóstico oposicionista, o país já é levado a sério.


Os leitores terão sido informados de que, na escala dos BRICs, por exemplo, marcharíamos na rabeira. O quadro oferece dados para melhor apreciação do problema. Desde logo se perceberá que o recente e extraordinário crescimento das economias chinesa e indiana partiu de baixíssimo patamar de acumulação material e que, em vários aspectos, ainda se encontram atrasadas. Nem por isso, é claro, o desempenho indiano ou chinês é negligenciável, mas convêm ter presente os parâmetros do jogo em que o Brasil está entrando. O cacife nacional é bom e, politicamente, não há o que invejar nos demais BRICs. Exceto por alguns setores de ponta particularmente bem desenvolvidos naqueles países, nada há a invejar economicamente também. O mercado interno chinês é descomunal, do mesmo modo que o indiano, mas esse é um valor comparativo chinês e indiano que vale para qualquer outro país, não apenas para o Brasil. Exclusivo desses países, em relação ao Brasil, é o arsenal atômico que possuem. E aí entra a desmedida relevância da Coréia do Norte, por exemplo, ou do Paquistão, países inconspícuos por qualquer outro critério que se adote.


No médio e longo prazo, interessam ao país políticas que acompanhem o desempenho da Federação Russa, da Índia e da China, e não vale comparar as contas nacionais brasileiras com as do Uruguai, por exemplo. E se trata apenas, neste juízo, de comparação de escala. Pela mesma razão, a resposta do governo não deve ficar restrita a desafiar a oposição sensacionalista, pois ela não oferece crítica estratégica. A oposição sensacionalista e o noticiário adversativo perderam o bonde e não é previsível quando voltarão aos trilhos. Mas cumpre ao governo diminuir o agressivo tom do sucesso e passar a expor como pretende aprimorar sua posição no confronto com os demais "BRICs". A parada aqui dentro tem sido fácil, dada a desorientação dos adversários. Não vale. Vá o governo desafiar alguém do seu tamanho.

Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político, membro da Academia Brasileira de Ciências, é um dos mais renomados e respeitados acadêmicos do País.

Fonte: Valor Econômico - 18/04/08

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