12 maio 2012



DOUTOR LULA

Relato de Rafael Patto

Hoje pela manhã tive a honra e o prazer de participar, no Teatro João Caetano, no centro do Rio de Janeiro, da cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa, concedido por cinco universidades: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estiveram presentes personalidades do mundo das artes além de autoridades políticas e acadêmicas. Compareceram a Deputada Benedita da Silva, os atores Hugo Carvana e Paulo Betti, o cineasta Luiz Carlos Barreto (o Barretão), o Secretário e ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, o Senador Lindbergh Farias, o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, a quem saudei com um “bom dia, prefeito”, além do ex-ministro Franklin Martins, entre tantos outros. Ao entrar no teatro, enquanto procurava uma cadeira para me sentar, tive a minha grande surpresa do dia: ao pedir licença a quem já estava sentado para poder alcançar um lugar vago no meio da fileira, uma senhora muito gentilmente me ofereceu a cadeira onde ela havia colocado sua mochila, e que eu julgava estar já ocupado por alguma outra pessoa. Agradeci o gesto e me sentei ao lado daquela senhora, que imediatamente me confessou: “eu não estou nem acreditando que eu estou aqui”. Ao me virar em sua direção para poder conversar com ela, percebi o quanto estava emocionada. Ela secava com uma toalhinha de rosto suas lágrimas que rolavam desenfreadamente. Eu disse a ela: “o Lula merece todas as homenagens desse mundo”. Ao que ela assentiu: “todas! É graças a esse homem que hoje minha filha está na universidade. Ela sonhava em fazer zootecnia, e com a nota que ela obteve no ENEM eu disse a ela, ‘você vai consguir’. Hoje ela estuda aqui em Seropédica, na Federal Rual do Rio de Janeiro”. Por sinal, uma das instituições que homenageavam o ídolo daquela mãe orgulhosa da vitória de sua filha. Como é meu costume nessas ocasiões, procurei saber mais sobre aquela mulher que, só por estar ali manifestando tanto carinho por alguém a quem eu também tenho como ídolo, já havia conquistado minha simpatia. Após finalmente termos nos apresentado pelos nossos nomes, fui sondar de onde ela vinha: “Peruíbe, litoral sul de São Paulo. Passei a noite toda num ônibus, e agora estou aqui. Não estou nem acreditando...” Me contou ainda muito emocionada, a incrédula Gisele. Daí então pude concluir que aquela mochila que ela trazia consigo, e que agora estava colocada no chão entre os seus pés, para que eu pudesse me sentar, provavelmente guardava as provisões básicas de alguém que se aventurara a pegar estrada para poder, de algum modo, estar próximo de quem se admira. Hipótese que me deixou ainda mais tocado por aquela mulher tão emotiva que exalava, de uma forma absolutamente discreta, a gratidão mais sincera que eu já tinha visto na minha vida. Quando Camila Pitanga, a mestre de cerimônia, falou ao microfone, as expectativas se assomaram. Muito descontraída (e linda, permitam-me), convidou aqueles que comporiam a mesa para que tomassem seus lugares: o presidente da UNE, os ministros de Estado da Educação, Aloizio Mercadante, e da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, o governador e o vice-governador do Rio de Janeiro e o prefeito da Capital, além dos cinco reitores. Ao ser anunciada a entrada de Lula na companhia da presidenta Dilma, a platéia não se conteve. Embalado por aquela euforia, soltei meu grito de “olê-olê-olê-olá Lula, Lula!”. Nesse clima de descontração, Camila Pitanga pediu licença para quebrar o protocolo: “gente, eu não vou resistir. ‘Veta, Dilma!’”. Gesto que, de tão espontâneo, arrancou risadas da presidenta e ganhou a adesão unânime da platéia. Todo aquele entusiasmo só foi contrastado pela surpresa que tive ao ver que, hoje, Lula exibe uma silhueta mais esguia do que aquela a que meus olhos estavam acostumados. Efeito natural do tratamento a que teve de se submeter para vencer mais um dos incontáveis desafios que teve de transpor ao longo de toda a sua biografia. O efeito ruim dessa surpresa se desfaria ao constatar a enorme disposição de Lula em sorrir e em evidenciar o seu bom-humor de sempre. Mesmo admitindo alguma fraqueza, Lula fez questão de mostrar sua satisfação em estar ali, sendo homenageado por cinco centros de excelência acadêmica do país, e sendo acarinhado por uma platéia composta por inúmeras giseles. Ao ser convidado para ser investido nos trages talares, conforme protocolo cerimonial, ouviu-se uma emocionante interpretação da Bachiana nº 5 de Villa-Lobos. Já devidamente composto, Lula voltou para sua posição ao centro da mesa, e todos fomos convidados a nos colocarmos de pé para a execução do Hino Nacional. Estava aberta a cerimônia. A partir dali, os cinco reitores se encarregaram de, por meio de seus discursos, expressarem a justiça daquela homenagem que se fazia ao maior presidente da história desse país. O reitor da UniRio chegou a dizer que “Lula, diferentemente de outros presidentes letrados do passado, foi quem se comprometeu com a qualidade do ensino no Brasil”. O reitor da UERJ, que se referiu a Lula como “Doutor da causa da Humanidade”, em um discurso maravilhoso, recordou a história da sua universidade, que foi a primeira do país a oferecer cursos noturnos, que criaram maiores oportunidades para os trabalhadores poderem estudar, e também a primeira instituição de ensino superior a praticar a reserva de cotas no Brasil. O reitor da UFRJ, por sua vez, disse que se tivesse de oferecer ao Lula um título exclusivamente criado para o presidente, este serio o de “Campeão das utopias realizadas”, e ressaltou a realização utópica da própria trajetória de vida de Lula, um sertanejo de alfabetização tardia, que tendo se destacado na liderança sindical chegou à presidência de um país de 200 milhões de habitantes e se tornou reconhecido internacionalmente pela transformação social que operou neste país. Todos os cinco reitores fizeram questão de mencionar o trabalho de Fernando Haddad, que estava na platéia, como fator fundamental para os progressos alcançados no campo da educação no nosso país. O reitor da UFF reivindicou maior participação da educação no Orçamento nacional e enfatizou que as metas do governo Dilma, ainda mais ambiciosas do que as de Lula, serão sim alcançadas, “claro que em dois mandatos”, como ele fez questão de salientar. O reitor da UERJ ainda se confessaria testemunha ocular de muitos episódios da atividade política de Lula, e se lembrou de uma ocasião em que presenciou Lula e Hélio Pellegrino travarem um debate intelectual na casa de Frei Betto. Pelas palavras do reitor, “nem nos momentos mais elevados da minha vida acadêmica eu tive a oportunidade de presenciar um debate tão fecundo como aquele.” Ao final de cada discurso, Lula recebia os diplomas e posava com cada um deles para fotos. Já devidamente agraciado, foi a vez dele falar, matando a nossa saudade de sua voz. Iniciou se justificando que faria seu discurso sentado, diferentemente do seu costume. E alertou também para o risco de, no meio da leitura, vir a precisar de um “substituto”, como ele mesmo disse em tom de brincadeira, para terminar por ele o pronunciamento, caso sua garganta viesse a pedir descanso. Não foi preciso. Incansável como sempre, Lula foi até o fim. Com sua voz sensivelmente rouca, leu quase sem nenhum improviso o texto que havia preparado para o evento. Ressaltou os progressos do país a partir de seu governo e reafirmou seu compromisso com a educação do país. Enalteceu o governo de Dilma Rousseff e se disse confiante nas metas que o Brasil tem para o futuro. Terminado o discurso do homenageado, Camila Pitanga encerrou o evento. “Tico-tico no fubá” foi tocada por dois clarinetistas que se apresentaram no palco e a platéia de pé fazia a sua algazarra: cada um manifestava da forma como dava o seu carinho. Gritos dos mais variados: “Lula, eu te amo!”, “Dilma linda!”, “Lula, guerreiro do povo brasileiro!”, e outras muitas declarações de amor que devem ter sido feitas silenciosamente, no íntimo daqueles que não gritaram porque só conseguiam externar sua emoção com lágrimas, como a Dona Gisele. Gratificados por termos estado ali, nos demos um abraço de cumplicidade. Acho que é uma reação natural que ocorre a quem está muito emocionado e quer compartilhar com alguém tanto sentimento. Eu disse para ela: “ainda bem que viemos”, ao que ela só me respondeu com um suspiro e o peculiar gesto de erguer a cabeça para cima no mesmo momento em que se fecham os olhos. Ao abri-los novamente, abriu-se junto um sorriso de indizível contentamento. Foi de fato edificante. Antes de nos despedirmos, arrisquei: “você tem facebook?”. Contrariando minhas expectativas, ela me respondeu: “tenho sim. Gisele Martensen”. Fomos cada um para um lado, e eu lhe prometi que a procuraria para adicioná-la como amiga. Estou só aguardando que ela chegue novamente na sua Peruíbe, depois de visitar a filha universitária em Seropédica, para aceitar meu convite. Gisele Martensen, minha mais nova amiga de infância com quem compartilhei um momento muito gostoso da minha vida, e que acabei de contar aqui para quem teve paciência e disposição de ler tudo isso

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