02 fevereiro 2007

“Veja” é que interfere nos assuntos internos do Brasil, não Chávez


Esse templo da democracia, a “Veja”, disse em sua última edição que o presidente Hugo Chávez “deveria ser proibido de entrar no Brasil”. Isto porque o presidente da Venezuela, ao receber a medalha Tiradentes, no Rio de Janeiro, denunciou algumas aleivosias assacadas contra sua pessoa e seu país pelo jornal “O Globo”. Segundo “Veja”, tratar-se-ia de “interferência nos assuntos internos” do Brasil. Resumindo: Chávez, segundo “Veja”, não deve ter direito à liberdade de opinião. Somente a “Veja” é que deve tê-lo, inclusive para tirar a liberdade de opinião dos outros, que é exatamente a sua atividade-fim.

Chávez estava se referindo a uma difamação contra si e seu país. O que há nisso de “interferência nos assuntos internos” do nosso país? Se há interferência em nossos assuntos internos é, precisamente, por parte de quem vive repetindo todas as difamações do Departamento de Estado e da CIA contra Chávez, comportando-se como um agente daquela bela democracia que tem em Bush o seu retrato acabado. Existe mais escandalosa interferência em nossos assuntos internos do que, completamente contra os nossos interesses nacionais, atacar o presidente de um país amigo, em prol dos interesses de uma potência estrangeira?

“Veja” sempre pregou que quem devia cuidar de nossos assuntos internos eram os americanos. É esse o zelo que tem por esses assuntos. Mesmo agora, como não tem poder para impedir Chávez de expressar a sua opinião, quer que o governo brasileiro aja como seu leão de chácara, ou seja, como capanga de Bush e cia., “proibindo” Chávez de entrar no país. Nada é mais ridículo do que um fascista sem poder apelando para o poder dos outros, sobretudo para o poder de um governo que tudo fez para derrubar.

Apenas por curiosidade, leitor, vejamos no que resulta a perspicaz jurisprudência defendida pela “Veja”: se o presidente de outro país, em visita ao nosso, for atacado por algum marginal e se defender, segundo a lógica da revista dos Civita, será “interferência nos assuntos internos”. Logo, para não “interferir em nossos assuntos internos”, ele terá que deixar o marginal roubar a sua carteira, ou coisa pior. Naturalmente, “Veja” não deve achar que essa comparação é pertinente, pois sempre defendeu um privilégio especial para os marginais da mídia, sobretudo quando se trata de atacar gente honrada. Mas, que se dane o que ela acha. Nós aqui somos defensores da isonomia. Inclusive no tratamento aos marginais.

Mas, por falar em interferência em nossos assuntos: em 1949, chegava ao Brasil um certo Victor Civita, um ítalo-americano nascido em Nova Iorque. Como frisou Genival Rabelo, pioneiro da nossa publicidade, apesar de ser morador de Nova Iorque, o passaporte de cidadão americano de Civita havia sido visado em Washington.

Civita, até então um pé-rapado, trazia na mala os rendosos contratos com a Disney, da qual passou a editar as revistas. Foi assim que ele – e seus herdeiros atuais também nasceram em Nova Iorque e eram cidadãos americanos quando aqui chegaram – construiu seu monopólio. Com contratos que trouxe na mala, na viagem entre os EUA e o Brasil. Como conseguiu esses contratos? O velho Walt Disney, na época envolvido pelo incipiente macartismo, acreditando que estava lutando pelo “mundo livre” e outras babaquices, não costumava entregar a edição de suas revistas a qualquer um, muito menos a um pé-rapado que, além do mais, era judeu, numa época em que os judeus, para dizer o mínimo, não eram exatamente os favoritos da burguesia americana.

Na época, era um problema decisivo dos EUA conseguir influência – e domínio – na imprensa brasileira e argentina. Já haviam conseguido avançar bastante na área de jornais, mas não na área das revistas. Quando Victor Civita aportou por aqui, seu irmão mais velho, César, já estava na Argentina enchendo a paciência de Perón. A primeira revista publicada por este Civita foi “El Pato Donald”. Adivinhe o leitor a primeira revista editada pelo Civita daqui? Pois é, “O Pato Donald”.

Evidentemente, o objetivo não era fornecer aos brasileiros o prazer das aventuras do Mickey ou do Pato Donald. Isso era apenas a forma de viabilizar um monopólio sobre a produção de revistas no Brasil, sobretudo criar uma revista política. Foi desse imbróglio que saiu a “Veja”, sustentada com prejuízo durante anos a fio, sempre com a linha mais fanaticamente pró-americana, em vários momentos mais pró-ianque dos que as revistas ianques dos EUA, sempre atacando e difamando tudo o que seja brasileiro e independente. A rigor, um mero boletim do Departamento de Estado, coisa que não se pode dizer que seja totalmente exato quando se trata da “Newsweek” e da “Time”.

Então, leitor, já temos aqui um bocado sobre “interferência nos assuntos internos” do Brasil. E, também, sobre quem deveria ser proibido de entrar no Brasil, se decidíssemos proibir algum estrangeiro de fazê-lo, quanto mais não seja em nome da moral, dos bons costumes e da higiene pública.


CARLOS LOPES - Hora do Povo

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