16 agosto 2007

"Cansei": a Profanação da Catedral de SP


Reverendíssimo Senhor Arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer,

Quem recebe o convite para o ato político do chamado movimento "Cansei", oficialmente denominado "Cívico pelo Direito dos Brasileiros", informa-se de que terá como palco, no dia 17, às 13 horas, a Catedral da Sé. A central do MCDB e a secretaria da Catedral confirmam a notícia.

Posso vos dizer que cerro fileira entre os "pecadores", pois nem sempre freqüento as missas dominicais e, raramente, tomo parte na Eucaristia. Ainda assim, sinto-me católico. Fui batizado no Brás, numa paróquia de "nostra gente" que tinha sido inaugurada semanas antes. Minha mãe era uma italiana politizada, de esquerda, mas também crentíssima. Segundo ela, a passagem para a sociedade socialista passava por uma adesão espiritual à doutrina solidária do Cristo.

Ali, na Polignano a Mare, também recebemos outros sacramentos. Passados tantos anos, se há bom lugar em Roma para se meditar é na Basílica, aos pés da estátua de Santa Verônica, ela mesma uma espécie de emocionada fotógrafa do calvário.

Hoje, portanto, estarrece-me descobrir que a Arquidiocese de São Paulo franqueou nossa Catedral para que um movimento politizado, oportunista e de natureza golpista realizasse um "ato ecumênico".

Só encontro um nome para designar vossa atitude: "profanação".

Todos sabem que o referido movimento tem caráter político partidário. Está fundado numa indignação seletiva e egoísta. Esses mesmos barões jamais estenderam as mãos, cheias de anéis de ouro, ao povo de rua, aos favelizados, aos mal-nutridos e aos desvalidos de nossa arquidiocese. À parte seus chás beneficentes, tertúlias de vaidade e ostentação, jamais se engajaram nas lutas de nossa comunidade pela democracia e pela inclusão social.

Enquanto Dom Paulo Evaristo Arns enfrentava a mão de chumbo da ditadura militar, esses mesmos fariseus embusteiros enriqueciam às custas do "milagre econômico". Alguns até mesmo se divertiam com as sessões de tortura promovida pela Operação Bandeirante. Enquanto Herzog era morto, os mesmos colecionadores de poodles cor-de-rosa se confraternizavam com champagne importada nas sessões noturnas do J. Clube.

Vossa conduta em ofertar espaço sagrado à celebração da iniqüidade reconstrói um grave pecado da Igreja de São Paulo. Em 19 de Março de 1.964, muitos dos clérigos da terra bandeirante participaram da Marcha da Família com Deus pela Liberdade . Seguiram o padre Patrick Peyton, norte-americano, uma versão sessentina de Caifaz, num dos atos que culminou, dias depois, no grave atentado à democracia brasileira.

Desse grave deslize, redimiu-se a Igreja pela ação moderadora de Dom Paulo e pelas ações pastorais de prelados como Dom Celso Queiroz, Dom Angelico Bernardino e do santo Dom Luciano Mendes de Almeida, que conheci em Roma, na década de 70.

Hoje, entretanto, mais uma vez o pêndulo da história desvia a instituição para o campo da prevaricação política. Magoados, assistimos a vossa participação num movimento oportunista, de revanche eleitoral fora de hora, que utiliza como pretexto a dor das famílias que perderam entes queridos no acidente com o avião da TAM, em 17 de Julho. A moral dos que se apropriam desse sofrimento tem relação com os sepulcros caiados, cujo sentido os homens de fé tão bem conhecem.

Pode-se argumentar que o ato ecumênico será DENTRO da Catedral, mas que a manifestação política será FORA do templo. Francamente, com todo respeito, trata-se de argumento velhaco. Na verdade, é o mesmo ato, o mesmo ritual, a mesma celebração, com sutil transferência para palco contíguo.

Cabe vos lembrar o que disse o Papa Bento XVI aos Núncios Apóstolicos nos países da América Latina, em fevereiro passado:

De modo particular, sinto o dever de afirmar que não compete aos eclesiásticos gerir agregações sociais ou políticas, mas sim a leigos maduros e professionalmente preparados.

Se não sou desrespeitoso, arrisco vos lembrar de outra fala do Sumo Pontífice, reproduzida em 2005 por jornais da capital paulista:

Deve-se evitar a unilateralidade provocada pela tendência a uma práxis que privilegia os caminhos aparentemente rápidos, políticos. Esquece-se, dessa forma, da estrutura profunda que deve se encontrar à base de qualquer empenho pastoral.

Ainda que se possa divergir de alguns pensamentos do Papa Bento XVI, esperamos, no mínimo, que haja, de vossa parte, coerência. Se tão fustigada foi a Teologia da Libertação, posto que se criticava o engajamento do clero em assuntos políticos-sociais, por que haveria, agora, a Igreja de emprestar seu aval a um movimento que prega a ruptura institucional?

Eu e muitos outros católicos de coração sentimo-nos, pois, ofendidos, traídos e agredidos. Emprestar, por menos que seja, energia ao oportunismo dos se aproveitam politicamente das vicissitudes alheias constitui-se, caros prelados, em gravíssimo delito. Isso pesará em vossas histórias. Que Deus de vós tenha compaixão.

* Uma cópia desta carta está sendo enviada ao Sumo Pontífice.

Mauro Carrara - Jornalista

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