Cartas dos Arrais
O Supremo Tribunal Federal aceitar a denúncia contra o ex-deputado José Dirceu não quer dizer que ele seja culpado. Aceitar uma denúncia é dar início a um julgamento, com todos os seus ritos jurídicos. Ou seja, ouvir testemunhas, verificar provas, analisar argüições, entre outros.
Todo réu merece um advogado e um julgamento justo. Independentemente do crime cometido, é um direito constitucional de um cidadão ou cidadã ser inocente até que se prove o contrário. E, juridicamente, Dirceu ainda é inocente.
Não se iluda com as manchetes de jornal, que fazem estardalhaço como se José Dirceu e outros já estivessem condenados. O interesse de quem as faz está longe, muito longe, de ter os mesmos interesses da coletividade e da transparência. Manchetes de grandes jornais obedecem a dois fatores: primeiro, aos interesses da lógica do grupo empresarial ou político que esses veículos representem; segundo, ao perfil dos leitores do meio de comunicação.
Os leitores de Veja, por exemplo, enxergam o mundo de determinada forma. Os do Estadão ou os da Folha de São Paulo, de outra. Cada grupo de leitores quer ver contemplados seus anseios. Poucos são os meios de comunicação que apresentam o contraditório. Ou seja, uma visão diferente, que não faça parte da média comum dos leitores da publicação. Isto vale para a televisão e para o rádio.
Apresentar esse contraditório, o que muitas vezes contraria a média dos leitores, é adquirir pluralidade e, por extensão, credibilidade. Ou seja, o interesse do meio de comunicação não deve ter um tipo de pensamento único. Mas os vários matizes de determinado assunto.
Por enquanto, José Dirceu, juridicamente, não cometeu nenhum crime, por mais que isso doa aos ouvidos não preparados para o debate inteligente. Quem vai dizer o contrário será o STF, após o julgamento que teve início com a aceitação da denúncia.
Longe do aspecto jurídico, o que conhecemos do político José Dirceu, passível de debate, são fatos que se repetem na vida dos homens públicos e, por que não, na vida de cada um de nós, caso não estejamos atentos a essas armadilhas da personalidade.
A saber: certa arrogância no exercício de algum tipo de poder; sensação de intocabilidade quando revestido de algum tipo de reconhecimento; orgulho exacerbado em relação à história pessoal; egoísmo em relação às intenções e interesses do grupo ao qual se pertence.
Essas características não são crimes. Elas estão localizadas dentro de cada ser. Seja deputado ou comerciante; ministro ou dona de casa; senador ou pai de família.
O homem público não se diferencia de cada um de nós. Sob holofotes, as fraquezas humanas são elevadas à quinta potência. Somos todos inocentes e temos dentro de cada um de nós um "Zé Dirceu" adormecido. Só nos resta educar esses anseios. Com certeza, seremos melhores se nos autoconhecermos. Nos transformarmos interiormente.
Mas enquanto isso, atirem a primeira pedra. Ou quantas quiserem.
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