09 janeiro 2009

[Vila Vudu ] "Dona Eliane, Shalom!"

[Vila Vudu ] "Dona Eliane, Shalom!"

Dona Eliane, Shalom!

Já há mais de dez dias, desde o início da chacina na Palestina, ninguém, por aqui, lê os jornais brasileiros nem assistimos à televisão brasileira. O Gato Filósofo diz que namorou Maysa, que foram íntimos, e que o seriado da Globo é "patético".

"Como se fosse possível clonar Maysa..." suspira ele, bigodes postos no passado. "A Globo é ridícula. Essa minissérie é TOTALMENTE imbecil. Maysa não teve cotidiano."

"Não?!" – Eu levei um susto. – "Não teve cotidiano? Pôxa! Que coisa, hein?!" O gato me olhou com desprezo semelhante ao que ele dedica aos jornais brasileiros: desconstitui-me só com aquele olhar. E continuou, como se eu não existisse: "O único modo decente de fazer seriados "Maysa" seria inventar Maysa, hoje. Que contratassem Irene Papas e demitissem tooooooooooooooooodos os filhos. Filho é TOTALMENTE inútil, em matéria de biografar mãe. Não sendo Irene Papas, o resto é ridículo. Maquiagem ridícula. Horrenda." Pois anda assim, o Gato Filósofo.

Além do mais, desde o início do massacre da Palestina, só lemos jornais estrangeiros. Assim, pelo distanciamento, nos dessensibilizamos da estupidez diária que os jornais brasileiros impingem aos consumidores brasileiros. Melhor dizendo: assim nos ressensibilizamos, nos tornamos outra vez sensíveis, no sentido de voltamos a ser capazes de VER a estupidez diária que os jornais brasileiros impingem aos consumidores brasileiros.

Hoje, o Gato Filósofo decidiu examinar a FSP, porque, disse ele, "o Hamás derrotará o exército de loucos, de Israel. Dado que isso acontecerá, tão certo como Hitler se suicidará e Mussolini será enforcado e, depois, pendurado de cabeça pra baixo entregue aos urubus, os 'jornais' brasileiros, agora, passarão a só mostrar israelenses ricos encolhidos como ratos em suas casas ricas, e falarão de "simplesmente paz!"

Por isso, exatamente – pq o Gato Filósofo acabava de dizer o que acima lhe contei –, ele deu uma gargalhada quando lhe mostrei a primeira página da FSP, hoje. E deu outra gargalhada quando lhe apontei o título leviano de sua (da senhora) coluna leviana, de hoje.

"Dona Eliane apita pouco", disse ele. "Mas aí está ela, outra vez, jornalista-turista ou turista-jornalista, que dá exatamente na mesma e sempre dá em nada, outra vez, como sempre." "Simples assim", só esse subjornalismo da FSP. Quem seja simplesmente assim "pela paz", não dá a mínima à paz alguma. À 'isenção' eles acrescentam a omissão. É coisa de dondoca. Pôka vergonha."

Ninguém precisa ir a Israel, pra impressionar-se com judeus e árabes juntos e em paz. Mahmoude e Sara, ele palestino, ela israelense, vivem perfeitamente felizes, aqui, na casa ao lado, muito mais felizes que Alkcmin e Serra-erra-erra, ambos católicos praticantes, ou que Zé Aníbal e Serra-erra-erra, idem, por exemplo." (É o Gato falando. Só estou relatando. Sou jornalista isenta, nesse parágrafo.)

"Mahmoude e Sara estão tristíssimos. Grafitaram na parede da casa deles: "Israel é a vergonha do mundo!" Esses, sim, sabem o quanto custa a paz, que trabalho dá construí-la e, depois, defendê-la. Não andam como turista autista pelo mundo, feito D. Eliane. Mahmoude e Sara são pessoas NO mundo. Não são jornalistas isentos e omissos."

"Declarações' dos figurões do mundo não são opinião a ser levada em conta" – disse o Gato, pontificial, de sua plataforma-cestinha demiúrgica.

"Por isso o jornalismo já não interessa a ninguém, não vale um réis de mel coado. Na internet fala a multidão. A multidão será senhora do mundo. Enforcaremos o último jornalista metido a entendido, nas tripas da última dondoca de sofá-de-D.Hebe." – Dááááááááá-le Gato, sô!

"Potências" que movam peças, o quanto lhes dê na telha. E esse jornalismo indigente que há no Brasil que cantarole aí o quanto queira "Simplesmente assim: a paz" (coisa mais ridícula-dondoca nunca vi!) "Declaração-minuto", "opinião-minuto", "jornalismo-minuto"... – o Gato fez carinha de nojo.

"Os pobres falamos pela Internet. O Hamás, o Hizbóllah, manifestam hoje potências da multidão. São potências de resistência e são potências de vida. Chegaram armados ao mundo, novos eles num mundo velho, porque o mundo velho foi um mundo armado, azar o do mundo velho. Aos poucos todos se desarmarão. Assim derrotaremos os loucos de Israel e as tais "potências" da D. Eliane, dos Bushs, das Condoleezzas.

A força do escravo nasce da dor ontológica. A dor ontológica passa, mas é constituinte de ser. "A digna raiva!" -- é o que ensina o subcomandante Marcos, do EZLN. Estão lá, hoje, aliás, reunidos. Alguma notícias sobre isso em algum 'jornal' brasileiro? None. Lhufas.

Os ex-escravos sobreviverão, não as jornalistas-dondocas nem o jornalismo isento-omisso. Sobreviverão os escravos que aprenderam DA luta (não dos des-jornalismos da FSP) os segredos de sobreviver sempre. Certo como comerei lagosta hoje." – O Gato ajeitou o aventalzinho que ganhou da nossa vizinha palestinense casada com um judeu civilizado, aqui da rua, no qual ela bordou: "Pela Palestina Livre". Simples assim: "Pela Palestina Livre". No pasarán!
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Sobre: ELIANE CANTANHÊDE, FSP, 8/1/2009: "Simples assim: pela paz!" aqui

BRASÍLIA - Só fui a Israel uma vez, como turista. Visitei do norte, na fronteira com o Líbano, até o extremo sul, entre Egito e Jordânia, rodando pela Cisjordânia nos limites com a Síria. O que mais impressiona é que judeus e árabes vivem lado a lado, bairro a bairro, numa proximidade inimaginável.

Olhando Jerusalém do alto, é possível distinguir, pela disposição e pela nuance de cores, onde moram uns e outros. E, de baixo, cruza-se o tempo inteiro, ora com as famílias muito claras dos judeus, ora com as famílias morenas dos árabes, ambas geralmente numerosas.

Um judeu ali pelos 70, engraçado e falando várias línguas, levou meu grupo de apenas quatro pessoas a um restaurante árabe. A chegada foi esfuziante, com abraços e sorrisos de velhos conhecidos. Daí a pergunta: "E numa guerra?". Do nosso companheiro, sem titubear: "Ou eles me matam, ou eu mato eles".

A milhares de quilômetros dessa história, dessa cultura e das dores do Oriente Médio, convém evitar defesas ou acusações apaixonadas e o erro de reagir aos atuais ataques a partir só de 1947, de 1967 ou de 2005, cortes que nos empurram para um lado ou para outro, inevitavelmente. A questão vem de muito antes, é daquelas em que todos têm razão e ninguém tem razão, enquanto potências movem peças de acordo com suas conveniências.

O que podemos e devemos é discordar tanto dos foguetes inconsequentes do Hamas quanto da "reação desproporcional" de Israel -como acusam os governos, inclusive o do Brasil, que apita pouco, mas não se omitiu e tem sido coerente com sua política externa.

Agiu contra a unipolaridade norte-americana e sua tendência pró-Israel. E respaldou a ação combinada da França e do Egito -os dois países que Celso Amorim primeiro procurou- pelo cessar-fogo e pela reabertura de canais de negociação.

Ou seja, pela paz. Que, aliás, é justamente o que nos cabe fazer nesse momento de sangue e de dor.


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