16 setembro 2008

Editorial: Um empastelamento

EDITORIAL: UM EMPASTELAMENTO

Por Geraldo Elísio

“Sempre acabam ressuscitando aqueles a quem o mundo crucifica” – Charles Morgan, escritor inglês em “The Empty Roon” – O Quarto Vazio.

“Memento homo quia est pulvis et in pulveris reverteris” – citação bíblica cujo significado é “Lembra-te homem que és pó e ao pó retornaras”.

Para quem é viciado, como eu, em leitura, inclusive de textos bíblicos, algumas frases ficam tatuadas na memória pela importância dos significados, geralmente alusivos à história ou momentos significativos.

Começava a redigir um texto neste minifúndio eletrônico quando, no dia 14 de agosto deste 2008, sozinho no jornal, a porta se abriu misteriosamente e adentrou redação afora um grupo de homens liderados por uma jovem e dois policiais fardados, usando coletes à prova de balas.

De início pensei estarem querendo informações a respeito da insegurança pública que toma conta de Belo Horizonte. Afinal, dias antes, havia escrito sobre a falta de policiamento a qualquer hora do dia ou da noite em nossa capital mineira. Fui comunicado que não.

Um senhor – faça-se justiça a todos – com fina educação ao revestir autoritarismo disfarçado, comunicou que iriam apreender os servidores. Me preparava para acompanhá-lo, lembrando 68, quando recordei, estavam à procura dos equipamentos do CPD. Veterano, não imaginava tornar-me testemunha ocular do cyber empastelamento do Novojornal.

Com a mesma polidez, o cidadão em trajes civis informou, a jovem é uma promotora a comandar a ordem de busca e apreensão.

A ficha caiu. A maioria do grupo era formado por “arapongas” cibernéticos, PM’s 2, com aquelas indefectíveis fisionomias com as quais a natureza os brinda.

Profissão como todas honesta , digna e necessária, mas que a meu ver por estas mesmas razões não necessita disfarces nem bisbilhotice ao amparo da Lei. Sou repórter, tenho fontes de informação e não bisbilhoto a vida de ninguém.

E já que enveredamos inicialmente pelo latim, “Dura Lex sed Lex”, A Lei é Dura, mas é Lei, apesar do humor brasileiro ter criado a paráfrase do aforismo: “Dura Lex sed Latex” - A Lei é Dura, mas Estica. Para o criador incógnito da brincadeira, dependendo das circunstâncias.

Como todos cumpriam suas funções fiz a parte que me cabia. Ouvi a leitura dos autos e presenciei o susto dos jovens colegas que chegavam após o horário de almoço. Assistindo o desenrolar da ação que provocou uma enxurrada nacional de protestos, porque o que passou a vigorar então foi uma violação à liberdade de imprensa, assunto abordado em nota assinada pelo vice-presidente da Associação Nacional de Jornais - ANJ - Júlio César Mesquita e presidente do Comitê de Liberdade de Expressão do mesmo órgão. Sem contar todas as respeitabilíssimas críticas a exemplo do ícone da imprensa brasileira, Alberto Dines, em seu Observatório da Imprensa. A repercussão negativa talvez tenha revelada a um universo de milhares de pessoas, coisas que podiam estar mais restritas.

Depois, em lugar do jornal, surgiu uma página explicando que o empastelamento estava ligado à investigação de crimes cibernéticos, “o que é muito comum nos Estados Unidos”.

Alguém estaria planejando atentados terroristas? Traficando drogas? Promovendo crimes financeiros?

Não. Absolutamente, não.

No caso em tela, notícias a incomodar autoridades é que estavam se transformando em crimes cibernéticos.

País estranho o Brasil. Todo mundo cobra moralidade. Mas quando um jornal eletrônico se dispõe a denunciar...

Quanto a afirmação “muito usado nos Estados Unidos”, parece que esqueceram a Primeira Emenda.

Bill Clinton e a estagiária Monica Lewinsky, no Salão Oval da Casa Branca, promoveram um pequeno concerto para trompa e pícolo. Clinton foi manchete em todo o mundo, quase perdeu o mandato e Hillary, mas não empastelou nenhum jornal.

Mas fazer o que? Recordar!

Lembrei que já fui preso durante 20 minutos. Não me envergonho disto e nem da companhia.

Corriam os anos de chumbo e um pelotão de soldados do Exército e da Polícia Militar de Minas viajaram a Sete Lagoas para prender padres espanhóis que viviam na cidade.

Primeiro procuraram o bispo diocesano Dom José Newton de Almeida Batista para comunicar que os seus subordinados seriam detidos. Eu estava no Palácio Episcopal. Dom José, transferido posteriormente para Brasília, com a calma dos ungidos por Deus, explicou ao comandante:

- Como os soldados são comandados pelos senhores, os padres agem sob o meu comando. Então eu é que estou preso.

O chefe militar aceitou a prisão e eu liguei para a Rádio Cultura de Sete Lagoas para divulgar a notícia. Recebi voz de prisão. Alguém teve o bom senso de telefonar para Belo Horizonte. A prisão de Dom José foi desfeita e a minha também.

Na noite do mesmo dia, os militares voltaram a Sete Lagoas e quebraram os dois seminários existentes lá, de fato, prendendo os padres espanhóis. O jornalista Márcio Moreira Alves registra a quebradeira e a prisão dos padres em seu livro “O Cristo do Povo”, 295 páginas, da Editora Sabiá.

Via o presente pretérito e recordava o passado distante.

Andando pela redação, o ressoar do saltinho do sapato da promotora, educadíssima e elegante, indiscutivelmente era mais charmoso que o tacão dos coturnos militares no Palácio Episcopal de Sete Lagoas. Mas, a memória fazia conexões quanto às essências da vida.

Marco Aurélio Carone escreveu depois que os membros da “Operação Anônymos” estavam ávidos de saber as fontes de informação do Novojornal. Segredo da fonte é uma garantia constitucional. O doutor Sobral Pinto, exemplo moral para todas as gerações, me disse isto várias vezes.

Repito, mesmo atrabilhiários, todos foram educados. Mas chamar a gente de anônimo não foi legal. Todos somos jornalistas registrados. Anônimo quem? O meu prêmio Esso de jornalismo perdeu a validade? Não. Continua apontado nos sites de busca da internet.

Nas organizações militares é ensinada, a traição é o pior defeito do ser humano. Nas organizações civis pode haver variação de critérios, mesmo levando-se em conta que todo governo que têm tempo finito.

Às citações da abertura acrescentamos mais uma: “Sic transit gloria mundi”. “Assim passa a glória do mundo”, cuja conotação é: “A glória do mundo é passageira”.

A todas as pessoas e instituições aqui citadas fica automaticamente garantido o democrático direito à resposta.


Geraldo Elísio escreve no Novojornal. Prêmio Esso Regional de jornalismo, passado e presente embasam as suas análises


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