Dirceu sofre "execução sumária" e pode recorrer ao STF
Almir Teixeira
O ex-ministro da Casa Civil e deputado federal José Dirceu (PT-SP) tem sido alvo de uma "execução sumária" e terá direito de recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) mesmo que tenha seu mandato de deputado federal cassado pelo Congresso. O entendimento é do especialista em direito administrativo e professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, que concedeu entrevista exclusiva a Última Instância.
Na semana passada, Dirceu obteve uma significativa vitória no STF. O tribunal julgou nula a sessão do Conselho de Ética que decidiu, na sessão da quinta-feira (27/10), pedir ao plenário sua cassação. O presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), disse na semana passada que faria o possível para que o processo contra Dirceu corresse rapidamente, mas respeitasse as determinações do STF. A previsão de Izar é que o Conselho vote na próxima sexta o relatório sobre o deputado. Caso aprove novamente o pedido de cassação, deve enviar seu parecer ao plenário da Câmara a tempo de ser apreciado na sessão do dia 9 de novembro.
Para Serrano, Dirceu sofre um processo de "execução sumária" no Congresso, uma vez que não estariam sendo respeitadas as regras mais básicas do devido processo legal. Ele argumenta que "julgamento político" não pode ser confundido com "ausência de embasamento jurídico" e afirma que, se Dirceu tiver o mandato cassado, pode conseguir que o Supremo determine a nulidade de todo o processo de cassação.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Última Instância - Quais as possibilidades jurídicas que Dirceu ainda tem de retardar a votação de seu processo de cassação?
Pedro Estevam Serrano - Acho que ele tem chances tanto antes da decisão quanto depois, caso seja condenado e seja cassado seu mandato. Porque, na minha opinião, há uma posição equivocada que eu tenho notado na mídia. Se usa a expressão julgamento político do congresso como se "político" significasse algo estranho ao Direito ou à Lei. É como se o Judiciário julgasse questões de legalidade e estivesse submetido à Lei e o Legislativo não, o Legislativo tivesse só um juízo político.
UI - E como deve ser o julgamento político?
Serrano - Quando se usa a expressão "político" não se quer dizer algo fora do Direito, quer dizer um político no sentido jurídico. É julgamento político porque não é feito pelo Judiciário. O mérito da decisão é um mérito de conveniência e oportunidade e esse mérito é intangível pelo Judiciário. De qualquer forma, esta decisão está condicionada por normas jurídicas.
UI - Quais são essas normas?
Serrano - Tem que seguir o devido processo legal, ou seja, tem que haver um processo com direito à ampla defesa. Isso implica não só no direito à manifestação. Ela significa a possibilidade de o réu produzir provas; que as provas sejam obtidas por meio lícito; e que não haja pré-julgamento, que quem for julgar não esteja, vamos dizer, prevenido, quanto a uma dada posição. Quem for julgar que leve em conta os argumentos da defesa e que haja prova do fato imputado, que haja prova material ou testemunhal do fato imputado ao réu.
UI - No caso de Dirceu, foi garantida a ampla defesa?
Serrano - Não. Acho que foi garantida uma defesa como um simulacro, uma defesa como mera formalidade, não uma defesa substancial. A defesa não pode ser uma mera formalidade, "vai lá, deixa ele se manifestar e depois a gente condena ele", quem for julgar tem que levar em consideração aqueles argumentos, tem que ponderar aqueles argumentos, nem que seja para rejeitá-los. E quem for julgar não pode estar prevenido.
UI - O senhor acha que Dirceu foi pré-julgado?
Serrano - O que eu noto é que já julgaram ele, estão querendo trucidá-lo, querendo fazer uma execução sumária e não um julgamento real. O devido processo legal não é uma mera formalidade, ele é uma substância, é um direito efetivo do cidadão a ser exercido em termos de conteúdo de mérito. O que me parece é que se dá o direito de defesa a ele como mera formalidade.
UI - O que faltou no processo?
Serrano - Hoje não há prova constituída suficiente para justificar a cassação do mandato. Obviamente, não há como considerá-lo culpado, não há prova. O julgamento político não significa um julgamento ditatorial, no qual quem for julgar faça o que quer. Ninguém no Estado de Direito faz o que quer. Não havendo prova, se o julgamento for no sentido de cassar o mandato, ele é nulo.
UI - A que instância ele pode recorrer, então?
Serrano - Ao STF. Há também uma visão estranha, de que seria uma interferência do Judiciário no Legislativo. Só que a função do Judiciário é controlar os demais poderes do Estado. Senão, nós viveríamos não numa democracia, mas num império dos atos do legislativo. E democracia não é ditadura do legislativo.
UI - Caso Dirceu seja condenado e perca os direitos políticos, ainda pode recorrer ao STF?
Serrano - Pode. Aí ele recorreria ao STF não pelo foro dele, mas porque ele diria que o ato do Legislativo é nulo e quem julga os atos do Legislativo é o STF.
UI - E quando um político perde os direitos políticos, o que é proibido de fazer?
Serrano - Ele não pode votar. Depende da extensão que for dada. Direitos políticos são entendidos como capacidade eleitoral ativa e capacidade passiva. Ativa é o direito de votar. Passiva é o direito de ser eleito e os direitos inerentes ao fato de ser eleito, como se filiar a partidos políticos, por exemplo.
UI - Então ele terá de sair do PT?
Serrano - Depende de como for a expressão do impedimento. Se for uma cassação de todos os direitos políticos dele, aí ele não vai poder nem estar filiado a partidos políticos, porque a finalidade da filiação é a pessoa poder se candidatar. Ela se filia como um pré-requisito para poder se candidatar.
UI - Quem irá determinar a extensão?
Serrano - Vai ser no final, a Justiça Eleitoral é que vai interpretar. Quem determina a cassação é o Legislativo. Agora, o que significa isso, se ele pode ou não estar filiado é a Justiça Eleitoral.
UI - O senhor considera então que o processo contra Dirceu não tem fundamento?
Serrano - No meu ponto de vista, caso ele venha a ser cassado, há um equívoco. Não há prova e não houve direito de defesa. Entretanto, eu acho equivocado o argumento dele de que não é responsável pelos atos que praticou como ministro. Eu acho que ele como ministro não estava no exercício do mandato, mas era titular do mandato, tanto é que ele voltou a exercer esse mandato quando saiu do ministério.
Nenhum comentário:
Postar um comentário