21 novembro 2008

A Folha, acreditem se puderem.....

A folha, acreditem se puderem.....

Publicou ontem um excelente artigo do Giuseppe Cocco. Segue, logo abaixo do comentário da Caia, que claro não se conteve.


MEU DEUS! QUE MARAVILHA! QUE MARAVILHA! Re: Grande professor Cocco! Artigo IMPERDÍVEL!

Estou bestificada! Que maravilha! Entendi tuuuuuuuuuuuuuuuuuudo! Grande Cocco!

A Folha de S.Paulo devém jornal IMPORTANTE, INDISPENSÁVEL, NECESSÁRIO, só por ter publicado esse artigo. "Espantosa vida! Coisa vulgar é a morte!" Eu tô bestificada! É muuuuuuuuuuuuuuuuito impressionante o quanto eu NUNCA ME ENGANO! Eu devia ganhar dinheiro com esse meu dom de adivinhar de onde sairão as coisas, antes de elas saírem completamente. Deve ser o meu santo. Pêqmpê! Ou é o meu poder monstruoso, de metrópole na colônia, eu-outros! Meu guru! Grande Cocco! Ave, Cocco! UAAAAAU! Se eu não morrer disso, disso me salvarei. Eia! Sus! Corações ao alto!

Em livre-livre-associação, a imagem que me veio à cabeça, enquanto lia, é-era-endo (é uma doença, em mim, uma fixação infantil, sópódissê!) DA ÓPERA, PêqmPê. Não há solidão maior do que o cara pensar numa ópera, numa hora dessas. Mas que pensei, pensei (e o resto, só a luta ensina). Peqmpê!

Pensei na Cavalleria Rusticana -- a "Honra dos Pobres" --, mais, mesmo, no título da ópera, do que na ópera (que nem é grande coisa, como ópera. Pensei, mesmo, no título: a honra dos pobres). Mas pensei mesmo-mesmo, é claro, nas cenas finais de "O Chefão III" -- momento tão completamente belamente encenado, da "pobrização com honra" (sim, sim, também com tragédia, ok, mas, sobretudo, sem dialética!) daquele mundo lá em que tudo está devindo 'o seu outro', tudo em movimento, nada separado de nada, tuuuuuuuuuuuuuuuuudo o seu "outro", já devindo-outro. E a ópera, no teatro de Palermo, é a Cavalleria Rusticana, tuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuudo hibridizado, naquela cena (e tem até cardeal-financista enforcado, voando lá, feito um DES-anjo!). Mêo! (OK. OK. Calma. Tenho de fazer malas, almoçar, viajar e, à noite, já estarei em Sampa [estou em Porto Alegre], mais organizada. Até lá já estarei mais calma. Perdoem o xchilique. Vai passar.



TENDÊNCIAS/DEBATES
(Folha de S.Paulo, 20/11/2008, p. 3)

Devir-Brasil

GIUSEPPE COCCO

Houve uma reviravolta: a "brasilianização" do mundo passou a significar, do ponto de vista dos países centrais, um retrocesso generalizado

A RELAÇÃO entre o Brasil e o mundo é uma velha história.

Ela diz respeito à própria constituição da economia-mundo pela colonização européia do novo mundo. Contudo, há uma dimensão mundial do Brasil moderno que concerne a um de seus mitos fundadores: seu ser o país do futuro.
Paradoxalmente, nas últimas duas décadas, houve uma surpreendente reviravolta: a "brasilianização" do mundo passou a significar, do ponto de vista dos países centrais, um retrocesso generalizado. Do ponto de vista do Brasil, o futuro passou a ser o próprio Brasil, ou seja, a reiteração globalizada dos fenômenos de desigualdade econômica, fragmentação social, segregação espacial e violência que sempre marcaram a modernização brasileira.
Ora, o duplo pesadelo da brasilianização do mundo só se sustenta pela separação rígida e hierárquica dos pontos de vista. Na realidade, a globalização se caracteriza pela hibridização de centro e periferia, de "progresso" e "atraso", de "inclusão" e "exclusão". O que está no cerne da nova clivagem é a relação com o "outro".
A globalização é atravessada por uma alternativa radical: ela diz respeito a suas dimensões temporais.
De um lado, ela se apresenta como novo despotismo de um mundo reduzido a um único e inevitável futuro.
Futuro que pode coincidir com a catástrofe anunciada: a brasilianização.
Seu tempo é unívoco e linear: o "progresso", que modula uma série infinita de fragmentos sociais e espaciais nas representações abstratas do mercado. Aqui, a relação com o outro, humano (cultura) ou não-humano (natureza), é de dominação: pela destruição ou pela homogeneização.
Por outro lado, a globalização abre-se à multiplicidade dos mundos possíveis. Sua temporalidade é aquela aberta do devir. Aqui, a flexibilidade social e econômica é manifestação de uma plasticidade cuja dinâmica se alimenta da hibridização incessante para dentro e para fora, além do dentro e do fora. A relação com o outro é antropófaga, bem nos termos da proposta revolucionária de Oswald de Andrade e de sua renovação pela antropologia de Viveiros de Castro: absorver o outro e, nesse processo, alterar-se, devir.
Sabemos que o Brasil constitui um enigma para os estudos "mainstream", mas também para os estudos pós-coloniais e os da "colonialidade" do poder. Isso porque o Brasil é, desde logo, pós-colonial, metrópole na colônia. Um poder monstruoso que, desde o início da colonização, se articula por dentro dos fluxos da hibridização, ao passo que a própria hibridização constituiu o terreno privilegiado de enfrentamento e constituição.
Paradoxalmente, portanto, o Brasil se constituiu originariamente numa das maiores experiências coloniais e escravagistas sem, com isso, se encaixar no que os estudos pós-coloniais definem como o paradigma da segregação. O "caldeamento" brasileiro se apresenta como uma potência monstruosa de diferenciação e constituição da liberdade. Mas isso não dissipa o pesadelo da "brasilianização". Como ativar o devir? De que "mundo" estamos falando?
Paulo Arantes lembra que Mario de Andrade costumava dizer que o "luxo de antagonismos" da mestiçagem enaltecida por Freyre e Oswald escondia na realidade uma "imundície de contrastes". Ora, na troca de trocas de pontos de vista, a relação entre lixo e luxo, subdesenvolvimento e desenvolvimento, pobreza e riqueza pode ser não-dialética.
Ou seja, se na "imundície de contrastes" temos o im-mundo do poder sobre a vida (biopoder), da pobreza e do racismo, é nesse mesmo "lixo" da hibridização que há a potência da vida (biopolítica), da significação e, pois, a riqueza do pobre.
Estamos diante daquela mesma alternativa radical: entre a globalização como perda-de-mundo (im-mundo do mercado dos fragmentos, da crise dos valores e de suas "Bolsas") e a produção ilimitada de novos valores, criação do mundo.
Por trás do estigma da brasilianização, temos um devir-Brasil do mundo e um devir-mundo do Brasil: é Lula, presidente retirante e operário que abre o caminho a Obama, presidente "vira-lata" que nunca resolve de maneira identitária a ambivalência de seu devir-mestiço. Mas esse plano é também o da ação afirmativa (política de cotas), da qual participou Obama, que deve consolidar-se no Brasil como terreno constituinte do arco-íris da mestiçagem.
É nessa multiplicidade dos pobres -indígenas, favelados e negros no Brasil; hispânicos, imigrantes e negros nos Estados Unidos- que a libertação aparece como um começo: devir-Brasil do mundo e devir-mundo do Brasil.


GIUSEPPE COCCO , 52, cientista político, doutor em história social pela Universidade de Paris, é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Entre outras obras, escreveu, com Antonio Negri, o livro "Glob(AL): Biopoder e Luta em uma América Latina Globalizada".


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