10 novembro 2008

Obama tem de responder por oito anos de mentiras, de Bush

Obama tem de responder por oito anos de mentiras, de Bush

Robert Fisk


Advogados norte-americanos que defendem seis argelinos num julgamento de pedido de habeas corpus em Washington, essa semana, ouviram coisas muito estranhas sobre o serviço secreto dos EUA depois do 11/9. Dentre milhões de relatórios "originais" de espiões norte-americanos e suas "avaliações" sobre o mundo, apareceu um alerta da CIA do Oriente Médio, sobre um possível ataque estilo kamikaze contra uma base da Marinha dos EUA numa ilha do sul do Pacífico. O único problema é que tal base da Marinha não existe na tal ilha e nenhum navio de combate da 7ª Frota dos EUA jamais esteve lá. Em tom de máxima seriedade, investigação militar do Exército dos EUA informara, pouco antes, que Osama bin Laden havia sido visto comprando selos numa agência de correio de uma base militar dos EUA no leste da Ásia.

Que esse tipo de absurdo seja difundido pelo mundo por gente cuja missão seria defender os EUA na "guerra ao terror" mostra o tipo de ilha-da-fantasia no qual viveu o regime Bush nos últimos oito anos. Quem acredite que bin Laden faça compras numa lojinha de uma base militar norte-americana, acreditará que todos os presos são "terroristas", que todos os árabes são "terroristas", que podem ser executados sem julgamento, que "terroristas" tenham de ser torturados, que confissões arrancadas sob tortura gerem "informação", que Estados soberanos podem ser invadidos, que se pode roubar a agenda pessoal de telefones de qualquer um, nos EUA. Como Bob Herbert escreveu no The New York Times há alguns anos, o governo Bush precisava daquelas agendas, "porque contêm informação crucial sobre uma invasão de chineses em Terre Haute, Indiana, e votos de feliz aniversário para vovó, em Talladega, Alabama, para descobrir o esconderijo de Osama bin Laden". Nada foi capaz de deter Bush, em matéria de violar a Constituição dos EUA. De novidade, só, que o mesmo desrespeito à liberdade que sempre praticou no resto do mundo, Bush praticou também dentro dos EUA.

Como Barack Obama conseguirá consertar os danos hecatômbicos que seu predecessor, mentiroso, doentio, perpetrou por todo o planeta e, também, dentro dos EUA? John F. Kennedy disse uma vez que "os EUA, como o mundo sabe, jamais iniciarão uma guerra ". Depois do surto de medo, de Bush, e do "choque e horror" ("shock and awe") de Rumsfeld, depois de Abu Ghraib e Bagram e Guantanamo e interrogatórios secretos, como Obama conseguirá devolver seu país aos tempos de Camelot? O entusiasmo de nosso caro Gordon Brown, em mensagem sobre e-mails de espiões ingleses, é outro exemplo de o quanto a relação pervertida entre Blair e Bush ainda contamina também o corpo político na Inglaterra.

Dias depois de essa presidência-desastre finalmente ir-se para sempre, novas leis norte-americanas passarão a impedir que cidadãos britânicos visitem os EUA sem autorização especial dos serviços de inteligência. Que novas surpresas Bush reservará aos ingleses, antes do 20 de janeiro? O quê, afinal, vindo de Bush, ainda surpreenderá alguém?

Obama tem de fechar Guantanamo. Tem de encontrar um modo de pedir desculpas ao mundo pelos crimes de seu predecessor, tarefa difícil para um homem que tem de mostrar-se orgulhoso de seu país; mas desculpar-se, pedir desculpas, é o mínimo que terá de fazer – no plano internacional –, se a "mudança" que Obama prometeu para efeito doméstico tiver de fazer algum sentido também além das fronteiras dos EUA. Obama terá de repensar – e desmontar – toda a "guerra ao terror". Terá de sair do Iraque. Terá de desativar todas as gigantescas bases aéreas implantadas no Iraque, e o prédio-fortaleza da embaixada norte-americana que lá existe, construção que já custou 600 milhões de dólares. Terá de pôr fim aos ataques aéreos de assassinato em massa que continuam, no sul do Afeganistão – por quê, ah, mas por quê continuamos a matar noivos e convidados em festas de casamento? – e Obama terá, também, de dizer umas verdades a Israel: que os EUA não podem continuar a aplaudir a brutalidade do exército de Israel, nem podem aceitar que judeus, e sempre judeus, continuem a invadir e ocupar terras dos árabes. Obama terá de enfrentar, pelo menos, o lobby israelense (de fato, um lobby do Partido Likud de Israel), e rejeitar o que Bush aceitou em 2004, isso é, a invasão e a ocupação ilegais de grande parte da Cisjordânia. Para isso, os norte-americanos têm de reunir-se com autoridades iranianas – e com autoridades do Hamás. E Obama terá de pôr fim nos ataques aéreos ao Paquistão – e à Síria.

Verdade é que aumenta a preocupação entre os aliados dos EUA no Oriente Médio: é indispensável que os militares norte-americanos sejam postos, outra vez, sob controle – e esse, afinal, foi o motivo pelo qual a visita do General David Petraeus ao Iraque foi dedicada menos a organizar algum "levante" ("surge"), do que a tentar reimpor a disciplina entre os 150 mil soldados e marines cuja missão – e cuja moral – foram arruinadas pelas políticas de Bush. Há provas, por exemplo, de que o ataque de quatro helicópteros à Síria, mês passado, que matou oito pessoas – se não foi operação de guerra suja, sujíssima – não foi, de modo algum, autorizada nem por Washington nem pelo comando norte-americano em Bagdá.

Mas Obama não conseguirá. Quer a retirada do Iraque, para concentrar mais poder de fogo no Afeganistão. Não derrotará o lobby em Washington e não impedirá que prossiga a construção de colônias nos territórios palestinenses ocupados, nem conversará com os inimigos de Israel. Com a indicação de Rahm Emanuel – "nosso homem da AIPAC na Casa Branca", como o jornal Maariv o descreveu essa semana – Obama já 'queimou' a largada. E, é claro, há a terrível possibilidade de que bin Laden, quando não estiver comprando selos em lojinhas de correio em bases militares dos EUA, esteja planejando outra atrocidade, para dar boas-vindas ao governo Obama.

Há ainda outro probleminha, contudo: os prisioneiros "desaparecidos". Não as vítimas que foram (e talvez ainda estejam sendo) torturados em Guantanamo, mas os milhares que simplesmente sumiram quando estavam sob custódia de autoridades dos EUA no estrangeiro ou – por trabalho dos norte-americanos –, presos em prisões dos aliados dos EUA. Há quem fale de 20 mil prisioneiros desaparecidos, quase todos árabes, todos muçulmanos. Onde estão? Podem ainda ser libertados? Ou foram todos mortos? Se Obama descobrir que herdou covas coletivas, de enterros em massa de cadáveres não identificados, terá de pedir mais desculpas ao mundo do que jamais imaginou.

Traduzido e enviado por Caia Fittipaldi

Fonte: The Independent

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