12 novembro 2008

Obama e o muro anti-América Latina

Obama e o muro anti-América Latina


Barack Obama está sendo festejado, pela vitória nessas eleições históricas nos EUA, por velhos amigos e por velhos inimigos.

Houve até uma nota assinada por Hugo Chávez, presidente da Venezuela, que mais frequentemente insulta do que elogia o ocupante da Casa Branca.

Como muitos outros presidentes latino-americanos, Chávez manifesta esperanças de que o governo Obama trabalhará para melhorar as relações na região.

O presidente da Venezuela resume o significado daquela vitória eleitoral: "é sinal de que a era de mudança que já se implanta na América do Sul pode estar chegando às portas dos EUA".

Parece ter razão.

Ao longo dos dois últimos anos, a América Latina vem assistindo ao fim de 60 anos de unipartidarismo no Paraguai, à eleição do primeiro presidente indígena na Bolívia, e o Chile já elegeu uma mulher à presidência, pela primeira vez na história.

'Movimento à esquerda'

O que tem sido definido, em geral, como "um movimento à esquerda" é resultado de várias e diferentes circunstâncias históricas e envolve pessoas e países com diferentes histórias e personalidades.

Em profundidade

Trata-se de uma dinâmica que também foi estimulada por instituições multilaterais, como a Unasul, União das Nações Sul-Americanas, que estreou com importante intervenção diplomática na crise constitucional boliviana.

Num momento crucial, aquele grupo conseguiu aproximar países politicamente diversos (Venezuela e Colômbia, por exemplo), que se comprometeram com respeitar a integridade territorial da Bolívia e a legitimidade de seu processo democrático.

Não há dúvidas de que a entidade supranacional desempenhou papel importante no movimento de evitar que aquela crise degenerasse.

Washington foi notável ausência, naquele processo.

Muitas das mudanças têm sido vistas como 'respostas' locais às políticas norte-americanas para a Região, sobretudo contra as agressivas políticas ditas neoliberais reunidas sob o título geral de "consenso de Washington".

Do norte, só vieram respostas confusas ou de declarada agressão, e o embaixador dos EUA na Bolívia foi acusado de intervir diretamente na campanha eleitoral, quando declarou que a eleição de Evo Morales afetaria gravemente as relações entre Bolívia e EUA.

Acertou a predição – embora por vias bem pouco diplomáticas.

Um ponto de vista local

A crise econômica em curso não recomenda nem sugere a possibilidade de qualquer "separação" econômica entre EUA e a América Latina, mas talvez já tenha sugerido fortemente alguma espécie de "separação" política.

Ocupada em tempo integral com duas guerras, Washington tem tido pouco tempo para dar atenção ao sul, e esse distanciamento foi acentuado pelo modo como a administração Bush atuou, de fato em todo o mundo, nos últimos oito anos.

Nos casos em que a América Latina apareceu no radar, as questões foram tratadas exclusivamente sob a perspectiva dos interesses domésticos dos EUA.

Embora 1/3 da população dos EUA – proporção que aumenta todos os dias – já seja constituída de hispano-hablantes, a idéia dominante nos EUA, sobre a América Latina, ainda está fortemente marcada pelo duplo espectro do tráfico de drogas e da imigração.

Os hispânicos, que são hoje a maior minoria nos EUA, ganharam voz pública e visibilidade, mas essa mudança ainda não está sendo nem considerada nem avaliada em todas as suas ramificações e conseqüências, nem é universalmente celebrada.

A deriva demográfica, somada à incerteza no campo econômico, gerou um discurso histérico sobre a imigração.

Esse discurso histérico está todas as noites nos noticiários norte-americanos, e ninguém duvida que é discurso dirigido à América Latina.

Antes da crise das finanças, muitos previam que as relações com a América Latina viessem a ser o tema dominante na campanha presidencial.

Não se chegou a isso. Mas – e sem qualquer repercussão na mídia (nem nos EUA nem na América Latina) – os 'problemas com o sul' geraram um dos mais dramáticos movimentos unilaterais do atual governo Bush: a decisão de construir um muro ao longo da fronteira sul dos EUA.

Cercar as fronteiras

Com 6.000 quilômetros a vigiar, o muro é obstáculo mais simbólico do que praticamente efetivo.

Como resposta política, os muros têm triste e vergonhosa história, e simbolizam coisas diferentes, conforme o lado em que se esteja, de cada muro.

Mais do que sinal de que os EUA tentam isolar-se, e visto do sul para o norte, o muro é clara rejeição de qualquer possibilidade de discussões multilaterais.

O subtexto mais sinistro, do ponto de vista dos EUA, é que o muro está sendo construído como uma última barreira contra a influência cultural, que chega com os imigrantes e que já está modificando irreversivelmente a sociedade norte-americana.

Obama votou contra a guerra do Iraque, mas votou a favor da construção do muro – movimento que caminha na direção oposta à percepção de todos, no mundo, de que sua história pessoal o tornaria menos cego, menos preconceituoso e mais conciliatório 'por natureza'.

Refrão sempre repetido pelos líderes latino-americanos, exceto na Colômbia – único país que teria a perder com qualquer mudança na política dos EUA para a América Latina – insiste em que nem o muro nem os bilhões de dólares consumidos na guerra aos traficantes conseguiram aplacar a demanda, nos EUA, por drogas ilegais e por mão-de-obra barata.

A América Latina tem sido alvo da propaganda dos lobbies que se rendem a importância dessa demanda econômica e trabalham para implementar solução unilateral para mais esse problema complexo, e que atacam a produção e a oferta de drogas e de mão-de-obra barata, mas não a demanda.

Deve-se esperar que as promessas feitas por Obama, em campanha, de buscar espaços comuns e soluções multilaterais, avance também para além das fronteiras dos EUA.

Deve-se esperar que, depois de empossado, o presidente Obama tenha tempo para olhar para o sul e ver além do muro, para reconhecer o mesmo movimento, as mesmas circunstâncias – animado, também o próprio Obama, pelo mesmo desejo de mudança – que o levou à Casa Branca.

Fonte: Al-Jazeera, 10-11/11/2008, Will Stebbins [editor chefe de America].

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