14 dezembro 2006

Esquerda e direita, de novo


Jung Mo Sung *

Adital - Na comemoração do aniversário de 30 anos da revista Isto É, em São Paulo, o presidente Lula fez um comentário que provocou polêmicas: "Se você conhece uma pessoa muito idosa que seja de esquerda, é porque ela está com problemas. E se você conhece uma pessoa muito nova que é de direita, ela também esta com problemas. Então, quando a gente está com 60 anos, doutor [Antonio] Ermírio, é a idade do ponto de equilíbrio em que a gente não é nem um nem outro. A gente se transforma no caminho do meio, aquele caminho que precisa ser seguido pela sociedade.". Ele baseou esta conclusão na suposição de que a confluência para o "centro" faz parte da evolução da espécie humana: "quem é mais de direita vai ficando mais de esquerda, quem é mais de esquerda vai ficando social-democrata e as coisas vão fluindo de acordo com a quantidade de cabelos brancos que você vai tendo e de acordo com a responsabilidade que você tem".É claro que muitas pessoas acima de 60 anos que ainda se consideram de esquerda se sentiram incomodadas ou até mesmo ofendidas com a fala do presidente. Eu ainda não tenho 60 anos, mas já tenho cabelos brancos e, por isso, posso me sentir incluído na citação e quero aproveitar essa polêmica para compartilhar algumas reflexões. Não vou discutir aqui se o presidente estava brincando ou falando sério, nem se ele foi infeliz ou não ao tentar expressar uma outra idéia, muito menos se ele foi mal interpretado. Uma figura pública, como ele, sabe que as suas palavras têm impacto e uma "vida própria" depois de pronunciadas.

Eu penso que é importante distinguir duas relações ou dois pares de conceito utilizados pelo presidente. O primeiro é a relação esquerda e direita; o segundo, a juventude/inexperiência e a maturidade/experiência. Como disse um dos que reagiram contra a fala, a maturidade ou os "cabelos brancos" trazem experiência e não necessariamente uma revisão ou uma mudança na opção fundamental que norteiam uma vida ou um grupo político.

O que significa ser de esquerda ou de direita hoje? Após a bancarrota do "bloco socialista", muitos apressados pensaram que a discussão sobre esquerda e direita estivesse sepultada para sempre. Norberto Bobbio foi um dos que clareou o debate mostrando que pertencem à esquerda as pessoas e grupos sociais "cujo empenho político seja movido por um profundo sentimento de insatisfação e de sofrimento perante as iniqüidades das sociedades contemporâneas". Isto é, pessoas e grupos sociais que colocam a luta contra a injustiça social acima da defesa da ordem social. A luta por mais igualdade social não significa necessariamente a luta por uma sociedade onde todos sejam iguais; isto é, onde todas as diferenças sejam negadas. É lutar pelo direito iguais, onde e quando a desigualdade oprime, marginaliza e sacrifica vidas humanas; e lutar pela direito à diferença, onde e quando a homogeneização sufoca.

À direita pertencem pessoas e grupos que consideram natural a desigualdade social e, mais do que isso, benéfica para o progresso. Estes defendem a ordem social acima da justiça social e consideram a luta contra a desigualdade social - que sempre desestabiliza a ordem vigente - algo que vai contra a natureza e o progresso da sociedade.

Neste sentido, é de esperar que tenhamos jovens de direita e de esquerda, assim como velhos de direita e de esquerda. Porque ser de direita ou de esquerda tem a ver com o assumir uma cosmovisão e fazer uma opção fundamental pelos valores que nortearão as suas vidas. Faz parte da democracia a convivência civilizada - dentro dos parâmetros dos direitos humanos - entre pessoas e grupos de opções éticas, políticas e ideológicas diferentes e até conflitantes.

Uma outra coisa é a diferença entre a maturidade e a imaturidade. O que diferencia jovens ou velhos imaturos - pois, cabelos brancos e rugas não são sinônimos de maturidade e sabedoria - de pessoas maduras, experientes e responsáveis é o reconhecimento vivenciado de que a realidade não obedece aos desejos, por melhores e fortes que estes sejam. Aprender pela experiência, não só teoricamente, que não basta "gritar" e "exigir" para impor à sociedade plural e complexa as nossas vontades. A maturidade nos traz sabedoria para percebermos que a "realidade" biológico-humano-social é muito mais complexa do que as nossas teorias simplificadoras. E nos ensina que, além de bons valores, precisamos de competência técnicas para atingir os objetivos e também competências humanas para agregar pessoas, criar consensos entre grupos conflitantes, conviver e dialogar com os que pensam e tem interesses diferentes.

A maturidade espiritual ou sabedoria de vida - que podem vir antes dos cabelos brancos - se revela quando sabemos manter a tensão entre a opção pelos valores humanos fundamentais, como a solidariedade e justiça social, e o reconhecimento das condições objetivas do momento histórico, dos seus limites e possibilidades. Viver esta tensão não significa necessariamente ser ou ir para o "centro".

* Professor de pós-grad. em Ciências da Religião da Univ. Metodista de S. Paulo e autor de Sementes de esperança: a fé em um mundo em crise

Nenhum comentário: