01 dezembro 2006

Resgate de Memória


"Recriando a realidade à sua maneira e de acordo com os seus interesses político-partidários, os órgãos de comunicação aprisionam os seus leitores nesse círculo de ferro da realidade irreal, e sobre ele exercem todo o seu poder. O Jornal Nacional faz plim-plim e milhões de brasileiros salivam no ato. A Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo, o Jornal do Brasil, a Veja dizem alguma coisa e centenas de milhares de brasileiros abanam o rabo em sinal de assentimento e obediência." (Perseu Abramo)

Revista Caros Amigos, nº 41, Agosto de 2000

MENTIRA E CARA-DURISMO (OU: A IMPRENSA NO REINADO FHC)

Este último texto de Aloysio Biondi em Caros Amigos foi lembrado pelo jornalista Cláudio Júlio Tognolli como constante do Anuário de Jornalismo da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero, que nos autorizou publicá-lo e da qual Biondi recebeu o título de Professor Notório Saber.



Aloysio Biondi* morreu dia 21 de julho de 2000. Na primeira semana após a morte, 29 cartas de leitores haviam chegado à redação da Revista Caros Amigos lamentando a perda, que Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, escreveu ser irreparável. Talvez os leitores de muitos lugares não tenham recebido a má notícia, porque Biondi não era o tipo de personalidade que as redes de televisão costumam homenagear. Coisa que ele, certamente, também não desejaria. Não poupava os mentores e os defensores da política econômica ou o presidente da República que a impôs, não engolia os jornalistas de sua área que escondem a realidade dos números brasileiros e têm xodó pelos poderosos, não freqüentava os corredores palacianos. Nem gravata o Biondi usava. Tudo isso incomodava, e muito, os modernos cortesãos criados na imprensa. Mas o que principalmente incomodava era a coluna do Biondi. Inflexível. Como admitir - nestes tempos tão difíceis e por isso mesmo tão propícios para os que alcançaram o cume da pirâmide social à custa de princípios que varreram para baixo da consciência - um colega de profissão que tem a insensatez de não dobrar a espinha?

Tivéssemos governos que cultuassem os cidadãos de caráter, mesmo sendo seus críticos, haveria de ser decretado luto oficial pela perda de um brasileiro como Aloysio Biondi.



“Uai, então o governo e seus aliados também sabem que o Brasil está mal?” Coçando a cabeça, era essa a reflexão do pobre cidadão brasileiro, em novembro último, ao ler, ver ou ouvir figurões de Brasília e celebridades da mídia explicarem que a inflação, subitamente renascida, não preocupava nem um pouco. “Ah, diziam candidamente os Polianas, essa alta é passageira. Não tem jeito de a inflação avançar...” Por quê? “É simples.” Pontificavam “o brasileiro está sem poder aquisitivo, a massa salarial (total de salários pagos pelas empresas) caiu 5 por cento, por isso o consumo despencou. Então, a indústria e o comércio não têm condições de majorar seus preços, mesmo que sofram aumentos forçados de custos de matérias-primas, como o petróleo, ou peças e componentes que importam de suas matrizes, encarecidos este ano com a alta do dólar. Se aumentarem preços, aí que as empresas não vendem mesmo.”

A surpresa do perplexo cidadão brasileiro não era, certamente, com o otimismo de Brasília, delirantemente exibido nos últimos anos. Tampouco, com o adesismo dos de-formadores de opinião, cada vez mais desnudados aos olhos do público, a ponto de alguns deles provocarem engulhos até em antigos admiradores. A surpresa, mesmo, era com o total cara-durismo do governo FHC e adeptos: “Uai, ué, refletia o cidadão: até há poucos dias, a gente só via, lia e ouvia esse pessoal dizer que o Brasil 'surpreendeu', a economia está muito bem; a indústria, em recuperação; o consumidor, voltando às compras... Cumé que, da noite para o dia, o governo e imprensa passam a dizer exatamente o contrário, a admitir que o Brasil está em recessão, forçados a mudar de conversa para dizer que a inflação não assusta?” Na verdade, a volta da inflação criou uma das poucas oportunidades em que o povo brasileiro pôde descobrir, por si mesmo, a gigantesca e, mais do que vergonhosa, deprimente e lesa-sociedade, manipulação do noticiário econômico (e político) no governo FHC. Sem medo de exagerar, pode-se comprovar que as técnicas jornalísticas e a experiência de profissionais regiamente pagos foram utilizadas permanentemente para encobrir a realidade. Valeu lançar mão de tudo: de manchetes falsas, inclusive “invertendo a informação”, a colocar o lide no final das matérias, isto é, esconder a informação realmente importante nas últimas quatro linhas. Segue-se um pequeno roteiro, dos truques mais usados, pelos meios de comunicação, para ajudar o leitor a ler, ver e ouvir os meios de comunicação brasileiros neste reinado de FHC. Ou para ajudar os estudantes de comunicação e jornalistas principiantes a decidirem se estão dispostos a aderir ao jogo da manipulação.

Advertência essencial: é absolutamente injusta, e até politicamente equivocada, a mania de criticar o adesismo desta ou daquela rede de televisão, deste ou daquele jornal e, principalmente, deste ou daquela colunista/comentarista de economia e política. Esse é um grave erro político, porque transmite à opinião pública a falsa impressão de que a manipulação - permanente - tem sido feita por este ou aquele veículo, ou por este e aquele profissional. Com isso, acaba-se levando a sociedade a acreditar que se trata de exceções, quando a verdade é que a manipulação é generalizada e constante, contando-se nos dedos os profissionais e veículos que têm procurado manter a eqüidistância em relação ao governo FHC e interesses a ele ligados. Por isso mesmo, como seria injusto citar especificamente determinados veículos e jornalistas, todos os exemplos abaixo são reais, retirados do noticiário e devidamente guardados em nossos arquivos, mas deixamos de identificar seus autores.



TRUQUE 1: MANCHETE ÀS AVESSAS

A falta de ética da imprensa chegou a tal ponto, que se chega a inverter completamente a informação, para enganar o público. Excelente exemplo dessa prática ocorreu com uma pesquisa sobre o endividamento das famílias brasileiras, realizada por uma empresa de consultoria. As conclusões foram aterradoras: nada menos de 40 por cento do orçamento familiar já estava "amarrado" com o pagamento de compromissos financeiros: cartões de crédito, cheques pré-datados, prestações diversas. E, mais exatamente: esse comprometimento havia exatamente duplicado, de 20 por cento para 40 por cento, após o Real. Qual a importância desse dado? Ele já mostrava as perspectivas de problemas sérios para a economia, com menos dinheiro disponível para o consumo, isto é, mais recessão - e aumento inevitável da inadimplência, ou “calote” forçado, por parte dos consumidores. Os resultados da pesquisa ganharam uma manchete na edição dominical. Mas, pasme-se o leitor: o editor fez uma mágica desonesta. A manchete dizia: “Dobra o acesso do consumidor ao crédito”, e o texto mentia que, “graças à estabilidade da moeda, as famílias brasileiras já estão conseguindo planejar seus orçamentos, e programar o endividamento desejado, lá-rá-li-Iá-rá-lá, e as instituições financeiras, reconhecendo a nova situação criada pelo Real, blém-blém-blém, até duplicaram a concessão de financiamentos ao consumidor...”. Pois é. Cinismo total. Com um toque de mágica e muita falta de ética, os problemas foram transformados em “novas vantagens” do Real, martelando-se na tecla da “estabilidade da moeda”, que tantos dividendos políticos trazia ao governo FHC...



TRUQUE 2: MANCHETES ENCOMENDADAS

O governo fornece textos e dados estatísticos para os meios de comunicação noticiarem com destaque, geralmente em manchete, mentiras ou verdades aparentes. A estratégia é usada em muitas ocasiões: para obter apoio da opinião pública; para impedir a formação de CPIs, para esconder desmandos do governo; para forçar a aprovação de “reformas”, para justificar “privatizações”, para desmoralizar oposicionistas e assim por diante. Exemplos? O governo FHC massacrou a agricultura com a cobrança da TR, até 40 por cento acima da inflação, e cortes violentos no crédito para plantio. Os agricultores, arruinados, pediram a renegociação das dívidas, para poder pagá-Ias a longo prazo. O governo pautou os jornais e revistas para provar que os produtores eram “caloteiros”. Matérias sórdidas foram publicadas contra eles. No entanto, nos últimos dias de 1999, em entrevista à Folha de S. Paulo, o presidente FHC reconheceu como “um dos maiores erros do seu governo” que os agricultores tinham razão, e que ele havia pensado que era tudo “choradeira” (esse reconhecimento por parte do presidente não teve nenhum destaque na edição da entrevista. A opinião pública continua a acreditar, portanto, que os agricultores são “caloteiros”).

Como desmoralizar oposicionistas? Em novembro, manchete anunciava que “Aposentadorias fraudulentas foram descobertas no Banco Central”. A notícia revelava um caso insignificante, com a descoberta de uma quadrilha que havia falsificado documentos para cinqüenta funcionários públicos, dos quais dezesseis do BC. Por que ganhou a manchete, de forma duplamente desonesta, já que dava todo o destaque ao pessoal do BC, que nem sequer era a maioria dos beneficiários (cinqüenta) envolvidos? Claramente, material e destaque pedidos pelo governo, porque o pessoal do Banco Central estava denunciando, ao Congresso, aberrações cometidas pelo presidente do BC, que iriam reduzir a fiscalização sobre os bancos e remessa de dólares, narcotráfico, lavagem de dinheiro etc.



TRUQUE 3: CIFRAS ENGANOSAS

Mais mágicas? A falta de apoio ao Nordeste, no auge da seca, contribuiu para derrubar a popularidade presidencial, Para ganhar o perdão da opinião pública, nada melhor portanto do que reforçar aquela velha ladainha de que o dinheiro destinado à região é mal aplicado, desviado pelas elites e coronéis. Maquiavelicamente, manchete (sempre encomendada) de domingo dizia: “Empresas do Nordeste desviam 550 milhões de reais”. O que o texto mostrava? Que os incentivos (desconto do imposto de renda) para projetos no Nordeste tinham sido mal utilizados, com empresas beneficiadas indo à falência, ou mesmo aplicando em “projetos fantasmas”, Para os leitores, uma “prova da bondade do governo”, e uma “prova de que o Nordeste é um saco sem fundo”. Os brasileiros sempre se impressionam com cifras que falam em “milhões”, não conseguindo ver a diferença entre eles, “milhões”, e “bilhões”. A manchete se aproveitava disso, dando a impressão de um “rombo gigantesco”, que, na verdade, não passa de meio bilhão de reais - contra os 42 bilhões (com “b”) de reais doados para socorrer os banqueiros no programa Proer, por exemplo. Mas a desonestidade dessa manchete e do governo foi muitíssimo mais longe: o texto dizia que aquele “rombo” foi acumulado desde a fundação da Sudene, em 1959. Isto é, o “rombo” maquiavelicarnente anunciado era a soma de todas as perdas e desvios ao longo de nada mais, nada menos de quarenta anos. Conta que, evidentemente, nenhum leitor faz - e por isso mesmo é função dos jornalistas fazerem, quando querem informar, e não manipular pró-governo. E tem mais: se os 550 milhões de reais forem divididos pelos quarenta anos, darão apenas uns 13 milhões (com “m”) por ano, cifra absolutamente ridícula, verdadeiros tostões. Mas a manchete maquiavélica cumpriu a missão de “salvar a cara” do governo FH C, à custa do reforço dos preconceitos contra o Nordeste e os nordestinos. Missão duplamente cumprida.



TRUQUE 4: LIDE ÀS AVESSAS

Conhecer este truque ajuda muito a quem não quer gastar muito tempo lendo os jornais e revistas, e quer a informação verdadeira. No jornalismo do reinado FHC, é bobagem confiar nos títulos e na abertura, ou primeiras linhas (lide) da matéria, que são sempre otimistas. Os editores escondem a verdade, isto é, os problemas, nas “últimas quatro linhas” - o que lhes permite fingir que não estão deixando de noticiar nada, uma atitude hipócrita, pois eles sabem muitíssimo bem que a informação que impressiona o leitor é aquela estampada no título e do lide. Técnica de edição, certo? Diariamente, os jornais estão cheios desse truque de escondeção da verdade. Um exemplo freqüente se refere às vendas do comércio, que vão mal há muito tempo. São publicadas extensas entrevistas com fontes pró-governo dizendo que está tudo ótimo; lá nas últimas quatro linhas, vem a informação verdadeira, que é a violenta queda nas consultas ao Telecheque (como aconteceu no último Natal) ou ao SPC, utilizados como “termômetros das vendas”.



TRUQUE 5: PROMETENDO O FUTURO

Poucos brasileiros sabem que a venda de automóveis caiu a menos da metade no pais: eram 180.000 veículos por mês, em 1997, e menos de 80.000, nos últimos meses de 1999. Da mesma forma que a venda de televisores despencou de 8 milhões para 4 milhões por ano (Como se vê, o presidente da República e os de-formadores de opinião têm toda a razão quando dizem que a “crise” não é tão grande quanto os “catastrofistas” previam... Imagine-se se fosse). Por que essas informações são desconhecidas? Primeiro, porque nunca chegam às manchetes. Há mais, porém. Aqui, o truque é esconder o resultado do mês (nas últimas quatro linhas, de preferência), e entrevistar o presidente da associação, federação ou confederação do setor, geralmente capachildos pró-governo. Como bom capachildo, ele fará uma previsão de que, “no próximo mês, o setor deve crescer 10 a 20 por cento”, e os jornalistas poderão alegremente colocar esse futuro otimista no título - mantendo a ética, o respeito à informação, é claro. Todos hipócritas.



TRUQUE 6: O SUJEITO ERRADO

“Sujeito”, dizem os gramáticos, “é quem pratica a ação”. Não para os jornalistas do reinado FHC, claro. Em abril, títulos de páginas internas gritavam que “Seca aumenta a mortalidade infantil no Nordeste”. No texto, as verdades, e as mentiras. Terríveis: no interior nordestino, a mortalidade infantil chegou a quatrocentas crianças mortas para cada 1.000 crianças de até um ano. Um dado espantoso, pois representa o recorde do índice mundial de duzentas crianças mortas - pertencente até então... à África subsaárica, devastada pela seca e pelas guerras tribais. No texto, a causa da mortandade: distribuição de cestas básicas suspensa há três meses. Corte de 60 por cento nas “frentes de trabalho”, e atraso de três meses no pagamento aos flagelados que continuaram trabalhando. Moral da história: quem está matando as crianças (e adultos também) do Nordeste não é a “seca”. O autor da ação, o “sujeito”, é outro, portanto: o governo FHC, que cortou e reteve as verbas para a região - como, de resto, para todas as áreas sociais, dentro do programa de “ajuste fiscal”, ou saldo positivo para o Tesouro (sem contar o pagamento dos juros), combinado com o FMI. Nestes tempos de hipocrisia e cinismo, os de-formadores de opinião encobrem até genocídios - e depois, angelicalmente, escrevem ou fazem comentários indignados quando, em certa época do ano, aparecem os relatórios de organismos como a Unicef falando das mazelas sociais no Brasil. Indignação, por quê? São cúmplices do genocídio e de tudo o mais...



TRUQUE 6: O BOI PELO BIFE

Outra técnica para esconder a realidade é deixar de lado o quadro geral, negativo, e “pinçar” um dado positivo, para dar destaque a ele, no título e no lide. Exemplo incrível, mas verdadeiro: em um trimestre, houve queda no PIB (valor dos bens e serviços produzidos no país), isto é, a economia recuou. Agricultura, indústria, comércio, tudo recuou. Houve somente uma exceção: a economia do Rio cresceu, por causa do valor da produção de petróleo na fantástica bacia de Campos. Os jornalistas não tiveram dúvida: começaram a matéria por aí, e tascaram no título: “Economia do Rio cresce”. O bife no lugar do boi.



TRUQUE 7: O BIFE PELO BOI

No truque anterior, escolhe-se um determinado aspecto da notícia, ou o bife, para não falar do todo, isto é, do boi. E há também o truque inverso, isto é, falar do boi para esconder o bife. Como assim? Lá vai mais um exemplo real. Ao contrário do que dizem o governo e de-formadores de opinião, os banqueiros não voltaram a emprestar ao Brasil, em 1999. Sempre escondidos, os dados sobre financiamentos externos ou vendas de títulos no exterior, quando surgiam, eram sempre acompanhados de afirmações do tipo “os banqueiros internacionais estão emprestando menos para os paises emergentes, porque estão com medo do bug do milênio”. Isto é, os cofres não estavam fechados apenas para o Brasil (o bife), mas para todos os paises emergentes (o boi). Essa versão foi plenamente confirmada na manchete “Banqueiros emprestam menos à América Latina”, de uma reportagem de página inteira publicada no final de 1999. O texto também confirmava a ladainha. Mas a publicação trazia também uma tabela de estatísticas e quem se dispusesse a analisá-Ia teria uma “surpresa”: realmente, os empréstimos à América Latina (o boi) como um todo haviam caldo 12 bilhões de dólares. Mas, analisando a tabela, via-se que a Argentina recebeu 8 bilhões de dólares a mais; o México, 1 bilhão a mais; o Chile, I bilhão de dólares a mais. Em resumo, esses três países juntos receberam 10 bilhões de dólares a mais, na comparação com o ano anterior. Por que então a América Latina ficou com 12 bilhões a menos? Porque o Brasil, sim, recebeu 22 bilhões de dólares a menos. Essa era a notícia, e o título verdadeiro: bancos não emprestam ao Brasil. Como isso desmascararia o governo e seus de-formadores, a tática foi deixar os números só na tabela e publicar manchete e texto enganosos.



TRUQUE 8: OMISSÃO ESCANDALOSA

Este breve roteiro da manipulação no reinado de FHC poderia ser alongado infinitamente. Por enquanto, fica-se por aqui. Não se pode deixar de falar, no entanto, na omissão total de determinadas informações, levantando-se desde já uma ressalva. Sempre pareceu odioso meios de comunicação ignorarem determinados fatos. Mas será mesmo que é menos odiosa toda a manipulação vista acima, que acaba transmitindo conceitos errados à opinião pública, levando-a a apoiar propostas incorretas e rejeitar caminhos que melhor atenderiam os interesses do país? Como exemplo máximo da omissão total e indecente de informação, não se pode deixar de citar o acordo entre o governo e os meios e profissionais de comunicação, para esconder a disparada dos preços do petróleo no mercado mundial, que mais do que duplicaram desde janeiro/fevereiro de 1999. Durante dois anos, os preços do petróleo se mantiveram em queda no mercado mundial, saindo de 20 dólares para menos de 10 dólares o barril, em janeiro deste ano. A partir daí, os países produtores iniciaram negociações para cortar a produção e forçar a recuperação dos preços, que entraram em alta já em fevereiro. O acordo foi feito em 23 de março, os preços subiram 30, 40, 60, 100 por cento, sem que aparecesse nenhuma informação na imprensa brasileira - que, ironicamente, sempre foi extremamente preocupada com o menor reajuste que houvesse para os combustíveis. Essa conspiração do silêncio foi tão intensa, que a opinião pública levou um susto quando os preços da gasolina subiram: ninguém sabia da alta mundial. Por que essa conspiração? Porque o governo havia marcado leilões para doar, a multinacionais, as áreas de petróleo descobertas pela Petrobrás, exigindo apenas “preços simbólicos” em troca. O grande argumento do governo para essa “doação” era, exatamente, que o mercado mundial de petróleo havia desabado, e “ninguém queria mais explorá-lo”. Quando os preços dispararam, era preciso esconder a realidade para evitar reações no Congresso - ou da opinião pública. A conspiração pactuou com um dos maiores assaltos praticados contra a sociedade brasileira: há áreas na região do litoral de Campos com reservas de até 2 bilhões de barris, isto é: que podem faturar 40 bilhões (com a letra “b”) de dólares, ou 80 bilhões de reais, com o barril a 20 dólares (preço “normal” dos últimos anos). O maior preço recebido pelo governo brasileiro foi de míseros 150 milhões (com a letra “m”) de dólares, já incluído aí o ágio oferecido pela multinacional. Crime de lesa-sociedade, só possível com a conivência e cumplicidade da imprensa, mestra da manipulação no reinado FHC.



* Aloysio Biondi - Jornalista, falecido em julho de 2000. Ganhou dois Prêmio Esso de Jornalismo Econômico: 1967, revista Visão, e 1970, revista Veja.

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