A síndrome do escorpião
Luis Nassif
Durante muitos anos, minha luta diuturna na "Folha" era tentar passar a mensagem de que direitos individuais são um valor que independe do personagem. A imprensa precisa ser guardiã desses direitos de forma incondicional, seja para assegurar direitos de culpados, seja para prevenir abusos contra inocentes.
Dizia isso porque havia uma tendência a enaltecer qualquer forma de desrespeito aos direitos individuais dos "inimigos do povo". Como foi o caso da celebração do feito do delegado que algemou o senador Jáder Barbalho. Quando se enaltece uma arbitrariedade dessas, mesmo em um personagem suspeito e marcado como Jader, está se convalidando qualquer arbitrariedade da polícia contra qualquer cidadão..
Não adiantou. A "Folha" fez enorme pampeiro quando o telefone da sucursal apareceu por engano no inquérito policial que apura a compra do dossiê. Três dias sustentando que a liberdade de imprensa estava ameaçada, mesmo com a informação de que o número tinha aparecido no celular de um suspeito, e não havia como saber de quem era sem quebrar o sigilo.
Ontem, a “Folha” soltou matéria com o título "Ligado a Berzoini, Vaccaro vira alvo da PF". O número de Vaccario apareceu no celular de um dos suspeitos.
Na resposta à carta de Vaccaro ao Painel do Leitor, o repórter responde que "a reportagem não informou que houve quebra do sigilo telefônico de Vaccari. Suas ligações foram identificadas a partir da quebra do sigilo dos demais investigados". Então porque a manchete o colocou imediatamente na condição de suspeito?
No mesmo Painel do Leitor, uma empresa acusada de fraudar importações manda carta protestando contra a acusação. Resposta do repórter: ela não quis se pronunciar. Foi o suficiente para virar suspeita.
A saída, então, é atender a reportagem? Errado.
Na última carta do painel, a TAM reage a uma matéria em que foi acusada de se recusar a transportar um menino com um tubo de oxigênio. Na carta, ela explica que não pode transportar devido a normas da Agência Nacional de Aviação Civil, que exigem aviões especiais, já que tubos de oxigênio são explosivos.
A TAM foi ouvida para a matéria. O que não impediu que fosse alvejada com a manchete "TAM impede garoto de viajar".
Não tem escapatória. Hoje em dia há um verdadeiro pavor de empresas e pessoas em geral de atender a determinados jornais, porque é grande a probabilidade de serem alvo de matérias maldosas. Os que não atendem são alvejados sumariamente. Os que atendem, também.
Essa síndrome do escorpião – o exercício continuado de atirar em quem passar na frente – desenvolveu-se em algumas redações nos anos 80 e transbordou. Hoje em dia, se tornou em um distúrbio invencível em algumas publicações, uma posição suicida em um momento em que erros como esses são imediatamente identificados e divulgados pela Internet.
Luis Nassif
Durante muitos anos, minha luta diuturna na "Folha" era tentar passar a mensagem de que direitos individuais são um valor que independe do personagem. A imprensa precisa ser guardiã desses direitos de forma incondicional, seja para assegurar direitos de culpados, seja para prevenir abusos contra inocentes.
Dizia isso porque havia uma tendência a enaltecer qualquer forma de desrespeito aos direitos individuais dos "inimigos do povo". Como foi o caso da celebração do feito do delegado que algemou o senador Jáder Barbalho. Quando se enaltece uma arbitrariedade dessas, mesmo em um personagem suspeito e marcado como Jader, está se convalidando qualquer arbitrariedade da polícia contra qualquer cidadão..
Não adiantou. A "Folha" fez enorme pampeiro quando o telefone da sucursal apareceu por engano no inquérito policial que apura a compra do dossiê. Três dias sustentando que a liberdade de imprensa estava ameaçada, mesmo com a informação de que o número tinha aparecido no celular de um suspeito, e não havia como saber de quem era sem quebrar o sigilo.
Ontem, a “Folha” soltou matéria com o título "Ligado a Berzoini, Vaccaro vira alvo da PF". O número de Vaccario apareceu no celular de um dos suspeitos.
Na resposta à carta de Vaccaro ao Painel do Leitor, o repórter responde que "a reportagem não informou que houve quebra do sigilo telefônico de Vaccari. Suas ligações foram identificadas a partir da quebra do sigilo dos demais investigados". Então porque a manchete o colocou imediatamente na condição de suspeito?
No mesmo Painel do Leitor, uma empresa acusada de fraudar importações manda carta protestando contra a acusação. Resposta do repórter: ela não quis se pronunciar. Foi o suficiente para virar suspeita.
A saída, então, é atender a reportagem? Errado.
Na última carta do painel, a TAM reage a uma matéria em que foi acusada de se recusar a transportar um menino com um tubo de oxigênio. Na carta, ela explica que não pode transportar devido a normas da Agência Nacional de Aviação Civil, que exigem aviões especiais, já que tubos de oxigênio são explosivos.
A TAM foi ouvida para a matéria. O que não impediu que fosse alvejada com a manchete "TAM impede garoto de viajar".
Não tem escapatória. Hoje em dia há um verdadeiro pavor de empresas e pessoas em geral de atender a determinados jornais, porque é grande a probabilidade de serem alvo de matérias maldosas. Os que não atendem são alvejados sumariamente. Os que atendem, também.
Essa síndrome do escorpião – o exercício continuado de atirar em quem passar na frente – desenvolveu-se em algumas redações nos anos 80 e transbordou. Hoje em dia, se tornou em um distúrbio invencível em algumas publicações, uma posição suicida em um momento em que erros como esses são imediatamente identificados e divulgados pela Internet.
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