Senhores,
Por: Caia Fittipaldi
(Folha de S.Paulo, 21/12/2008, em aqui)
Seis grupos de assinantes, selecionados pelo Datafolha, se reuniram este ano em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília
Jornal ideal deve fiscalizar atos dos poderes públicos, hierarquizar notícias e auxiliar na execução de tarefas diárias do leitorado
DA REPORTAGEM LOCAL
O leitor da Folha quer um jornal que seja ao mesmo tempo sintético e analítico, prático e interpretativo, com mais precisão e mais opinião.
Por oito meses, de março a novembro deste ano, a Folha ouviu as avaliações e impressões sobre o jornal de 60 assinantes, que participaram do projeto "Círculo de Leitores".
Eles foram convidados a opinar em seis encontros com editores -quatro em São Paulo, um no Rio e um em Brasília. Informais, as reuniões buscaram avaliar edições, recolher críticas e levantar idéias.
Os participantes esperam que o jornal exerça uma espécie de vigilância sobre os poderes públicos -publique denúncias de corrupção, cobre promessas de candidatos, fiscalize a situação das grandes cidades-, mas que também os ajude a desempenhar melhor suas tarefas diárias -traga roteiros culturais completos, dicas de compras, boas reportagens em saúde, entre outros tópicos.
Um bom jornal, dizem, precisa agir nessas duas frentes, evitando o que eles chamam de exageros.
O noticiário de política, por exemplo, deve selecionar os casos realmente importantes e acompanhá-los. "A gente se perde em tantos escândalos", afirmou uma leitora. "E depois as denúncias desaparecem, você nem fica sabendo no que deu", criticou um participante.
No aspecto mais prático, a Folha deve ajudar seus leitores a fazer as melhores escolhas -do restaurante ideal para ir com a namorada às aplicações mais seguras em meio à crise financeira.
"O jornal fala muitas vezes das ruas esburacadas, mas se esquece de colocar um telefone da prefeitura no qual o cidadão possa reclamar", observou um dos leitores.
Em comparação com TV e internet, os leitores apontam o jornal como um meio mais criterioso, de apuração rigorosa e capaz de fazer análises aprofundadas.
"A Folha aglutina esse mar de informações numa sequência lógica", definiu um assinante. Mas não basta registrar: o jornal precisa explicar, contextualizar. "Não adiantam manchetes de "dólar sobe", "dólar desce", porque isso a gente já sabe de ver na TV; o jornal precisa ajudar a entender a economia", disse um professor.
A Folha, na comparação com seus concorrentes, é elogiada por ser apartidária, crítica aos governos, de leitura fácil e por ter diagramação agradável.
E o que irrita os leitores? As reclamações mais recorrentes foram sobre "propagandas em excesso", falta de espaço para mais cartas de leitores e erros de português. A experiência do "Círculo de Leitores" será repetida em 2009. Os convidados são selecionados pelo Datafolha, segundo dados representativos do perfil do assinante.
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No dia 10 de dezembro, o Ministério Público Federal de Santa Catarina entrou com uma Ação Civil Pública (processo nº. 2008.72.00.014043-5) contra o oligopólio da empresa Rede Brasil Sul (RBS) no Sul do Brasil. O MPF requer, entre outras providências, a diminuição do número de emissoras da empresa em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, de acordo com a lei; e a anulação da compra do jornal A Notícia, de Joinville, consumada em 2006 – que resultou no virtual monopólio da empresa em jornais de relevância no estado de Santa Catarina. O quadro geral da situação pode ser conferido a seguir, na entrevista realizada em novembro com Celso Tres, um dos procuradores que elaborou a medida judicial.
O Cade também é réu
Desde 2006, o MP fala em processar a RBS pela compra do jornal A Notícia. Isso vai acontecer?
Celso Tres – Sim, a ação está sendo instruída há dois anos, por meio de um Inquérito Civil Público (ICP), porque é bem complexa. Também participam vários procuradores no estado. A RBS tem uma posição totalmente dominante. No RS e em SC, são 18 emissoras de televisão, dezenas de estações de rádio, uma dezena de jornais. E a culminância disso foi quando a RBS comprou o jornal A Notícia, o que a tornou dona de todos os jornais de expressão dos dois estados.
Então, o que nós vamos discutir é essa questão do oligopólio à luz inclusive da lei que regula a ordem econômica, não é nem a lei da mídia propriamente dita. É tão grotesco isso, que nem essa lei que regula a atividade de economia em geral permite o oligopólio – obviamente, é muito menos lesivo numa sociedade você ter um oligopólio de chocolate, pasta de dente, do que ter oligopólio da mídia. Falo oligopólio, porque monopólio seria a exclusividade absoluta; mas a RBS tem posição quase totalitária.
A tendência da economia é a concentração e, por isso, certas compras de empresas têm que ser analisadas. Esse caso da RBS é um escândalo, ela governa o estado. Como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a compra do AN? O Cade é réu na ação porque aprovou isso.
Violação a direito difuso
O que vai ser requerido, especificamente, na ação?
CT – Em linhas gerais, o que o MP demanda é: primeiro, que a compra do AN seja desfeita – eles vão ter que devolver o jornal para o antigo dono ou vender para terceiros; segundo, que seja cumprida a lei que diz que eles só podem ter no máximo duas emissoras no estado, ou seja, que acabe essa farsa que é de ser tudo da mesma família; e terceiro, o que eu acho mais importante, a implementação da programação local. A Constituição Federal determinou que é obrigatória a programação local. Só que em 20 anos nunca se adequou a lei. Então, o MP está querendo que a Justiça arbitre um percentual – 30% de programação local no âmbito do estado e 15% em cada região, no mínimo.
São inúmeros réus: todas as pessoas físicas da RBS, cada "emissora", o Cade; a União, por causa do Ministério das Comunicações (MC). E o MP pede para que a Justiça estabeleça uma multa por violação a um direito difuso, em razão da omissão do poder público. A gente vai entrar com a ação nos próximos meses e a sentença em primeiro grau deve sair em um ano.
O que foi feito no Inquérito?
CT – O ICP não é um processo judicial, não tem contraditório, ou seja, quem é investigado não tem direito de resposta. Mesmo assim, o MP abriu pra RBS se manifestar e, inclusive, eles vieram com o mesmo discurso do Ministério da Comunicação. Eles [a RBS e o MC] se comunicaram, é uma piada. A mesma pessoa que redigiu a resposta do Ministério redigiu a da RBS, é uma coisa vergonhosa. O mesmo discurso: "Não, porque a lei diz que é a mesma pessoa física só que no caso não é." É chamar o legislador de imbecil.
Quando a lei diz que tu não podes ser titular de mais de dois veículos, qual é o objetivo dela? É evitar concentração. Se é da mesma família, se tem a mesma programação, está concentrado, é evidente. É uma fraude clara ao objetivo da lei. Não teria sentido proibir que alguém seja proprietário de mais de dois meios de comunicação e permitir que esse meio de comunicação transmita a mesma programação, tenha a mesma linha editorial etc. É a mesma coisa que nada.
Então o problema do oligopólio é a fiscalização?
CT – A nossa legislação é desacatada porque o uso da radiodifusão sempre foi um benefício político. Essa relação do poder público está tão viciada que o MC não faz absolutamente nada para reprimir esses ilícitos e o caso da RBS é muito claro.
Na última eleição [para governador], isso ficou bastante evidente. A tríplice aliança de Luiz Henrique foi com a RBS; foi uma vergonha porque no primeiro turno a RBS anunciava que não ia ter segundo turno. Daí, deu segundo turno e eles anunciaram até um dia antes da eleição dizendo que a diferença era astronômica e, no final, deu 5% de diferença entre o Amin e o Luiz Henrique. Então não há dúvida de que a RBS elegeu o Luiz Henrique. Independentemente da pressão política, isso é irrelevante para o MP. Mas qualquer inocente sabe que a massificação de alguém que está na frente arrasa, induz o povo a votar.
Em cada estado, um titular só pode ter no máximo duas emissoras – emissoras, não retransmissoras. Este é outro vício: as emissoras têm outorgas de emissão, ou seja, elas deveriam produzir programação, mas não produzem ou fazem uma programação local ínfima, como é o caso da RBS. Existem várias "emissoras", em Florianópolis, Criciúma, Lages, Xanxerê, Blumenau, Joinville. Mas, na verdade, elas só produzem um noticiário local.
Hoje, na verdade, em SC, ou você trabalha na RBS ou você está fora. Você vai estar trabalhando ou em órgãos bem pequenos, espaço de trabalho inclusive bastante reduzido, caso do que eles fizeram com o AN. As matérias são as mesmas, teve um momento assim que chegaram ao ridículo de colocar a mesma manchete, a mesma matéria.
A radiodifusão – emissora de rádio e TV – deve estar em nome de pessoa física, não de pessoa jurídica, e cada pessoa só pode ter duas por estado. Daí, o que eles fazem é colocar em nome de pessoas da família. E isso tudo está demonstrado claramente na ação. Inclusive a questão da retransmissão.
Dizimar a concorrência
E isso não é contrato simulado, colocar tudo no nome da família inteira?
CT – Essa questão da titularidade é uma questão criminal, porque é uma falsidade ideológica. Isso a gente vai verificar mais tarde. O objetivo, agora, é mudar a realidade. O MC diz que não controla isso porque a RBS está em nome de terceiros. É óbvio que é irrelevante que a concessão esteja no nome de A ou B, até porque – como é o caso de Blumenau, que não está no nome da família Sirotsky – retransmitem a mesma programação, essa é a grande questão, o conteúdo.
A lei diz que ter 20% do mercado é ter posição dominante e obviamente a RBS tem isso. E essa questão tem vários aspectos: direito à informação e direito à expressão, e também a questão da publicidade. Por exemplo, o Diarinho de Itajaí, o que a RBS faz com os caras? Na Rede Angeloni, faz contratos publicitários, impedindo que o supermercado coloque lá o Diarinho para os caras venderem. Então não existe concorrência, acabou. A concorrência é dizimada. Na Grande Florianópolis, eles lançaram o jornal A Hora a R$ 0,25, o que é claramente um preço inferior ao de custo, pra dizimar com a concorrência. Essas são as práticas deles.
Existe solução?
CT – A questão é permitir a multiplicidade. A rede pública de televisão, com a criação da TV Brasil, poderia ter sido uma saída, mas o governo fez tudo errado. O correto seria que o Estado disponibilizasse canais, não adianta tentar produzir programação.
Seria fácil: criar 30 canais de TV para serem disponibilizados à população. Depois seria só colocar retransmissoras públicas nos centros urbanos, para os canais transmitirem programação independente. Uma medida simples, percebe? Bastava criar os canais e construir as retransmissoras. É uma questão tecnológica e de vontade política.
Custaria muito mais barato do que o governo tentar produzir programação e todos teriam oportunidade de fazer sua produção. O governo faria as retransmissoras, pura e simplesmente. Seria uma revolução na comunicação. A mídia, em pouco tempo, mudaria porque, com uma multiplicidade de canais, o canal com maior audiência chegaria a 15%, 10%, como é nos EUA, que é o correto.
Certamente se o governo viesse "Ah, vamos fazer aplicar a lei das duas emissoras", eles iam dizer, "Não! É uma lei da ditadura! O Lula é o Chávez." É uma besteira. O que diz a lei? Cada cidadão tem que ter um número x de canais, essa é a meta. Podia botar no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) isso aí. É uma questão econômica, direitos individuais, gera muito emprego, oportunidades, veiculação comercial; atingiria em cheio a própria economia.
O principal modo de democratizar não seria combater o monopólio e o oligopólio?
CT – O primeiro passo seria esse, mas, como eu falei, os órgãos do executivo são muito subalternos e também a RBS pode virar o governo. Qual a finalidade de um deputado federal que vai lá propor uma legislação mais rígida para isso? Se é um deputado de SC, a RBS vai fazer algumas reportagens contra o cara e ele está acabado. O cara não se reelege mais.
Você já foi ameaçado?
CT – Não, por isso não.
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