15 novembro 2006

De palácios, palacianos e jornalismo
(Carta aberta a Demétrio Magnoli, pelo Observatório da Imprensa)

Sobre:

“No jornalismo, textos não são "favoráveis" nem "desfavoráveis". Eles são avaliados por sua veracidade, que é um critério factual, e por sua relevância, que é um critério político, mas não partidário. A imprensa independente define a relevância em relação ao grau de poder dos agentes políticos e, por isso, expõe sempre com mais destaque os desvios de quem ocupa os maiores palácios. Isso, naturalmente, nunca agrada aos poderosos do turno e a seus seguidores.” Demétrio Magnoli, 9/11/2006, “Órfãos de um jornalista inventado”, Observatório da Imprensa, aqui


Prof. Magnoli, data venia,


O maior palácio que há em São Paulo e no Brasil, não é o Palácio do Planalto, nem é, sequer, considerada inteirinha, a Praça dos Três Poderes, em Brasília, nem é o Palácio do Morumbi. O maior palácio que há em S.Paulo e no Brasil, hoje, é a USP.

É perfeita tolice o senhor inventar que o jornalismo seria avaliável por “sua veracidade ou sua relevância”, porque o jornalismo é sempre uma luta discursiva e simbólica, entre o fato e a versão. O resultado da luta depende sempre e necessariamente do desejo/interesse dos lutadores, da força relativa de cada um, também no plano simbólico, e depende sempre, claro, e muito, da qualidade da democracia em que todos vivam.

E é tolice, sobretudo, o senhor crer, tão ingenuamente, que o jornalismo brasileiro estaria bem avaliado, apenas por o avaliador ser o senhor ou por o Observatório da Imprensa apresentar-se como independente. Nem o senhor é o melhor avaliador, nem o Observatório é independente, por mais que, sim, o Observatório seja o melhor jornal sobre jornais que há no Brasil, onde, contudo, não há sequer um, um, que fosse, bom jornal democrático.

É perfeita tolice, também, o senhor escrever que algum jornalismo exporia “com mais destaque os desvios de quem ocupa os maiores palácios”, sobretudo depois de o senhor ter apagado, da sua argumentação, a USP, quer dizer, o seu próprio palácio. Assim, fica fácil – e, evidentemente – assim, fica errado.

Ainda que nada disso fosse como é, e tudo fosse como lhe parece, olhado o mundo de dentro de seu palácio ‘inexistente’, nem assim a sua avaliação jamais teria mais importância do que, por exemplo, a minha avaliação.

Primeiro, pq eu sou o leitor dos jornais brasileiros; dado que, no Brasil, todos os leitores de jornal são ELEITORES e eu sou eleitor, o governo eleito no Brasil manifesta o MEU desejo democrático, da maioria democrática. Trata-se portanto de não haver no Brasil nem jornal nem universidade que manifestem o MEU desejo nem o MEU voto nem a MINHA voz democráticos, para ajudar a democratizar a discussão política, na sociedade brasileira.

A sua avaliação, além de apagar o palácio uspeano de dentro do qual o senhor fala, também ignora todos os critérios democráticos. E, porque o senhor apagou o palácio uspeano de dentro do qual o senhor fala e o senhor ignora os critérios democráticos, o senhor pode facilmente expor, como ‘verdade factual’ o que, afinal, é apenas a sua opinião pessoal e uspeano-palaciana. Respeitável, é claro, como a minha. E política, é claro, como a minha. Com a importante diferença de que a sua opinião pessoal e política foi derrotada e a minha opinião pessoal e política foi eleita, e reeleita, no Brasil, em eleições legais, legítimas e perfeitas.

Não há nenhuma verdade relevante em o senhor acusar alguém por "comprar consciências" e, correspondentemente, o senhor apagar, do seu 'jornalismo' ou da sua 'sociologia' que o problema realmente grave que há, na democracia brasileira, é ainda haver consciências à venda. Comprá-las ou não, ou, mesmo, apenas tentar comprá-las, é sinal, apenas, de nossa imaturidade político-democrática; não é 'pecado' a ser descrito por critérios éticos: é caso de polícia, a ser investigado. Competência democrática, em todos os casos, é investigar os casos de polícia, em vez de porem-se, os jornais e os 'sociólogos' uspeanos a descrevê-los e manchetá-los como se fossem problema 'ético'. Investigar é o que está sendo feito como jamais foi feito antes, no Brasil. Isso é fato, não é manchete.

E, afinal, mesmo, o problema gravíssimo e importante, sempre será que haja consciências à venda, ainda, mesmo depois de 500 anos de reinado das elites brasileiras letradas -- eternas donas do poder político, no Brasil -- e de uma década de governos comandados por 'sociólogos' uspeanos.

Se os doutores uspeanos no poder não ensinaram democracia aos seus políticos e partidos e militantes, nem ensinaram pelo menos isso à sociedade brasileira... por que, diabos, isso só viraria problema relevante para a 'sociologia', agora, em 2006?!

Há erro em tudo isso, é claro, mas o erro é mais da 'sociologia' uspeana do que, afinal, do mais reles deputado que ainda tente vender sua reles consciência política, ou de quem tente comprá-la. "Reles", afinal, mesmo, sempre serão, primeiro, a 'sociologia' ou o 'jornalismo' que ensinem a criticar mais a compra do que a venda e, em resumo, que tentem converter tudo, sempre, em compra & venda.

Apesar de todos esses vícios, contudo, a sua opinião pessoal-uspeana encontra via fácil até as páginas dos jornais brasileiros. E a minha avaliação cidadã JAMAIS chega até lá. Isso, é claro, é a minha avaliação cidadã e não é necessário (nem relevante, nem, afinal, esperável ou desejável) que a minha avaliação seja igual à sua.

Na minha opinião, então, diferente da sua, o jornalismo brasileiro vive uma das fases mais tristes de sua história: os jornalões brasileiros têm lado, tiveram candidato nas últimas eleições, esse candidato perdeu as eleições e, nem assim, a democracia parece ter conseguido impor-se aos jornais, aos jornalistas e ao jornalismo brasileiro; e a democracia tampouco impôs-se até agora, sequer, à USP.

Faltou o senhor ensinar ao leitor-eleitor brasileiro, portanto, que o jornalismo (seja brasileiro seja qquer um) sempre terá de ser avaliado, em primeiro lugar, necessariamente, primeiro, pela sociedade formada por TODOS os leitores eleitores e consumidores de jornais e de jornalismo.

É claro que a sociedade civil não tem nenhum tipo de compromisso com alguma ‘veracidade’ inventada em algum palácio (seja no palácio USP seja em qquer outro); nem a sociedade civil tem compromisso com algum ‘critério factual’ de ocasião, em ocasião em que o tal 'critério factual' já tenha sido derrotado em urnas democráticas.

A sociedade precisa de jornais democráticos e/ou democratizados. E a sociedade absolutamente não precisa de jornal algum, se não for democrático e/ou democratizado.

O eleitor brasileiro não precisa, é claro, de opinião partidarizada travestida de ‘sociologia’, ou travestida de ‘jornalismo’, só porque apareça impressa em jornal.

Nas últimas eleições, TODO o jornalismo brasileiro foi convertido em espécie de espaço e de discurso social ‘reservado’ para que ali e por aquele discurso se manifestassem sempre, e só, os tais ‘cientistas sociais’ tucanos-uspeanos à moda dos Bolivar Lamouniers, por exemplo; à moda dos ‘sociólogos’ à moda dos FHCs (são zilhões!); à moda dos ‘historiadores’ à moda Boris Fausto; à moda dos ‘especialistas’ de zilhões de ‘consultorias’ tucano-pefelistas e, até, para que ali se manifestassem vozes tão atrasistas quanto, por exemplo, a de Jarbas Passarinho ou Pedro Malan, também convertidos, nem se entende por quê, em ‘colunistas’ de jornal.

Ultimamente, há também o senhor, também convertido em ‘colunista’, em todos os jornalões paulistas e, agora, tb nesse Observatório.

Não pode haver dúvidas de que o seu principal mérito ‘factual’ é o senhor ser professor na USP, como tampouco cabe dúvidas de que o principal mérito ‘factual’ de Jarbas Passarinho é ter sido ministro da ditadura; e o principal mérito ‘factual’ de Pedro Mallan é ter sido ministro de FHC.

Portanto, em matéria de jornalismo no Brasil e palácios, nos últimos anos, qquer critério de ‘veracidade’ ou de ‘critério factual’ obrigaria o senhor a dizer, na premissa do seu argumento, que os palacianos da USP usaram os jornais brasileiros, praticamente todos os dias, para verter seu ressentimento – ou, em bom português, sua dor-de-cotovelo e de classe – por terem sido desalojados de outro palácio, o Palácio do Planalto.

Em vez de fazer isso, o senhor, palaciano uspeano, expõe-se ao ridículo de espinafrar a Prof. Chauí, não por acaso a palaciana uspeana que mais se opôs, no discurso social amplo, aos palacianos tucanos-pefelistas.

Basta isso, afinal, para que se veja que o senhor não apenas fala de dentro do palácio uspeano (que o senhor apaga preventivamente do seu argumento), como, também, que o senhor fala PELO PODER que ainda domina o palácio uspeano, mas já não domina o poder político no Palácio do Planalto. É como se, de dentro de Versailles, o senhor ainda desse aulas para ensinar outros cortesãos a espinafrarem ‘com ciência’ e com ‘sociologia’, o ‘populacho’, quero dizer, a espinafrarem o MEU voto democrático.

A sua reflexão, contudo, aí está publicada como voz autorizada para falar em ‘erro factual’ ou em falha de ‘veracidade’, contra a evidência histórica de que alguns palacianos da USP foram despejados do Palácio do Planalto pelos votos democráticos da maioria democrática, no Brasil.

E o senhor fala, então, contra a única palaciana uspeana que, publicamente aliada à maioria democrática, pode habitar, de pleno direito democrático, também o Palácio do Planalto.

Falasse o senhor pelo saber uspeano, mais do que pelo poder político uspeano partidarizado e já derrotado em eleições, o senhor teria de defender, com unhas e dentes, sobretudo, a Prof. Marilena Chauí. Afinal, a simples existência da Prof. Marilena Chauí, na USP, serviria ao senhor como bom argumento para defender, também, a sua autoridade também como saber democrático.

Mas o senhor não fez nada disso! Em vez de espinafrar os ‘sociólogos’ tucanos, o senhor espinafra uma filósofa petista. Na língua clara das ruas, o senhor deu bandeira, Professor.

Valham o que valerem a minha opinião ou a sua, não há dúvida de que, para julgar da ‘veracidade’ ou do ‘critério factual’ do que o senhor escreveu, seria INDISPENSÁVEL listar, entre os palácios brasileiros, também a USP.

Só assim, afinal, seria possível saber quem está saindo de que palácio, quem está entrando em que palácio e quais, afinal, são os poderosos em nome dos quais o senhor fala. Esses, como ensina a verdade factual mais auto-evidente – pq evidenciada nas urnas, quantificada e qualificada em eleições democráticas, legais, legítimas e perfeitas – já são, hoje, apenas os já ex-poderosos ‘sociólogos’ uspeanos.

Quanto à sua ‘conclusão’, no artigo citado acima, não sei que problema haveria em agradar aos “poderosos do turno”, se e quando, em determinado turno histórico, os poderosos do turno forem a maioria democrática, quer dizer, se e quando os poderosos do turno formos eu e o meu voto democraticamente qualificado e majoritário.

É evidente que, se e onde a maioria democrática não ‘se comportar’ como mais interesse à corte palaciana uspeana, sempre será indispensável criticar, primeiro a corte palaciana uspeana e nunca, é claro, o MEU VOTO DEMOCRÁTICO, no esforço para ‘salvar’, não a história ou os fatos, mas, apenas, o desejo político de uma vã sociologia uspeana ainda desejante – e eterna udenista sempre aspirante ao poder político, no Brasil – mas hoje, já, flagrantemente antidemocrática.

[assina] Caia Fittipaldi (lingüista, do Coletivo de Propaganda de Democratização "Lula é muitos!")

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