SIEG HEIL SAMPA!
Por Raul Longo
''Mal havia nascido na ditadura''
Gilberto Kassab
Gilberto Kassab
Faz pouco que circulou pela web o comentário de um analista internacional apontando os regimes impostos à América Latina nas décadas de 60 à 80, como de nítida inspiração nazista.
Nada mais evidente! Quem já havia nascido naquele período, haverá de lembrar-se muito bem de como Pinochet recusou-se com unhas e dentes a entregar um dos criminosos de guerra localizado no Chile pela organização judaica encarregada de descobrir os carrascos nazistas dispersos pelo mundo, notadamente no cone-sul latino-americano, Brasil inclusive.
É coisa meio complicada isso de perseguir nazistas, porque os interesses se moldam como o transcorrer dos tempos. Moldam, mas não mudam. Nazistas serão nazistas em qualquer lugar do mundo, inclusive em Israel hoje apoiada pelo Bush nas humilhações impostas aos palestinos e que tanto assemelham os judeus aos seus carrascos.
Michael Moore conta em Stupid White Men: uma Nação de Idiotas que o avô de Bush faliu um banco porque financiou o governo de Hitler, mesmo depois dos Estados Unidos entrarem na guerra. No relato de Moore, o capital do banco foi confiscado pelo crime de traição, mas na evolução da história política norte-americana os Bushes conseguiram reavê-lo.
Daí se constata que isso de sair pelo mundo quebrando bancos é uma tradição de família, mas não vem aqui ao caso. Estamos tratando do nazismo doméstico, latino-americano, ou melhor: brasileiro.
Seriam aqueles jovens skinheads que certa vez espancaram até a morte um rapaz na Praça da República, em São Paulo , menos sádicos do que os que assumem como seus mentores? Seriam menos nazistas por terem nascido décadas depois, neste outro lado do oceano?
Já ouvi comentários que os computam como meros desajustados sem causa, com pouca noção do que de fato seja o nazismo, do qual não têm o menor fundamento.
Quais os fundamentos dos nazistas?
Mataram o rapaz da Praça da República por ser homossexual. Em outra vez atacaram e feriram outro grupo de homossexuais que conversavam em um bar de área nobre da mesma cidade. Outro caso foi o dos meninos punks que morreram ao pular de um trem em movimento para escapar do ataque de skinheads. E uma rádio nordestina, onde morava um filho de Virgulino Ferreira, o Lampião, sofreu um atentado a bomba assumido pelos mesmos que se reivindicam como neo-nazistas. Tudo isso em São Paulo !
O que difere os jovens skinheads paulistanos da juventude hitlerista berlinense? A data de nascimento?
Eu nasci antes da ditadura. E até a ditadura nunca ouvi de qualquer um de meus colegas de infância, adolescência ou juventude, algo que denotasse a menor simpatia pelo ideário nazista. Muito pelo contrário!
Criei-me na cidade de São Paulo. Sendo filho de operária, poderia considerar que em meu meio familiar não houvesse mesmo como encontrar alguém que se identificasse com tal ideologia, mas meu pai tinha lá suas relações de agregado às elites paulistanas e, por este meio, me matriculou num colégio que, embora estadual, era considerado modelar.
Isso no tempo em que o ensino público era melhor do que o privado, depois a ditadura inverteu tudo. Mas o que aqui importa é que por ser modelo, no Caetano de Campos, além de mim, só estudavam cinco outros meninos pobres.
De forma que desde meus primeiros anos de estudo, acabei me relacionando com crianças de classes mais privilegiadas, e aí também ninguém era nazista, sequer simpatizante!
Mas a ditadura, sem dúvida o foi. E disseminou por todo o Brasil preconceitos e violências muito similares àquelas influídas entre os germânicos de 2 décadas anteriores.
No Brasil e nos países vizinhos os processos de condicionamento de massas, foram idênticos aos adotados por Goebbels. Os sistemas de repressão, similares aos adotados pela Gestapo e a SS.
Métodos de tortura, de assassinatos, seqüestros, desaparecimentos, reproduziram com a mesma ignomínia o que se praticou pela Europa subjugada aos companheiros de Adolf Hitler.
É sabido, também na Alemanha, que Santa Catarina concentrou a imigração daquele país ao Brasil. Por essa razão, somos o estado ainda hoje mais visitado por turistas daquele país, e assim fiz muitos amigos alemães. Vários me confessam a mágoa que ainda guardam de seus pais, por não terem se manifestado contra os crimes praticados nos campos de extermínio nazistas. Contam que seus pais e avós tentam alegar que, na época, não tinham conhecimento do que só teria sido revelado com a queda do nazismo. Mas essa mentira só fere ainda mais fundo, pois seus filhos reconhecem que mesmo então, enquanto ocorria o holocausto de judeus e ciganos, era impossível a ignorância, o desconhecimento da realidade.
Embora se tenha a invasão da Polônia como o início da Segunda Guerra Mundial, na verdade já se iniciara na Guerra Civil Espanhola, com o ataque das forças nazistas e fascistas àquele povo, em aliança ao ditador Franco.
Assim como Salazar em Portugal, Franco se manteve no poder na Espanha mesmo com a derrota nazi-fascista. Tornou-se aliado dos Estados Unidos, mas jamais deixou de ser assumidamente fascista, até sua morte. E mesmo após a morte de Franco, os fascistas, se denominando franquistas, continuam pleiteando o poder daquele país. Claro que evitem ser reconhecidos como fascistas ou nazistas, mas o que importa não são as siglas do partido que hoje os compreende. As siglas não mudam o caráter fascista de um Aznar, por exemplo, o ex-presidente espanhol, assumidamente franquista.
Em 2005, a convite de Jorge Konder Bornhausen, Aznar veio expor o que entende por democracia, em Curitiba. Terá sido deste fascista a idéia de mudar a antiga sigla do PFL para DEM?
Como é possível a alguém, com o mínimo de informação sobre política brasileira, ignorar que Konder Borhg foi uma das mais altas eminências da nazistóide ditadura brasileira?
O julgamento e condenação do Coronel Brilhante Ustra por responsabilidade de prática de tortura é apenas moral, visto o criminoso ter sido beneficiado pela Lei de Anistia. O que não se anistia é a possibilidade de ignorância dos crimes praticados durante a ditadura de Konder Bornhausen, seja em qual década alguém tenha nascido, pois mesmo os que nasceram após ela, têm no cinema, na TV, nos jornais, nos livros, nas rádios, no teatro, na internet e em toda a ampla gama de registros a completa documentação sobre o histórico do período nazista latino-americano e brasileiro em particular. Inclusive a condenação, nesta semana do Coronel Ustra.
Bornhausen é um nome de origem alemã. Kassab, salvo engano, árabe. Pouco importa! Engano é confundir ideologia e caráter com procedência étnica. Hoje, também os judeus adotam comportamentos nazistas.
Ao cruzar a Ipiranga e a Avenida São João, alguma coisa batia em meu coração por aquela cidade em que vivi quando o DOI-CODI da então ARENA, hoje DEM, assassinou Vladimir Herzog. Alguma coisa acontecia em meu coração, em memória ao jovem morto em 68 pelos terroristas de extrema-direita do CCC, na Rua Maria Antonia.
Apesar de tantos anos distante de Sampa, ainda recordo que naquele estado ocorreu o Congresso de Ibiúna, tão violentamente reprimido pela ditadura nazista.
Também Impossível esquecer os movimentos estudantis, operários.
A Faculdade São Francisco, igreja do largo do Paissandu onde nos refugiávamos da cavalaria da ditadura.
Nunca poderei esquecer das amigas estupradas, dos amigos torturados. Os exilados, os fugidos, os desaparecidos, os baleados. Os tombados.
Os professores deportados, os jovens banidos. Inclusive José Serra, Fernando Henrique Cardoso... Todos vítimas da ditadura comandada por Golbery do Couto e Silva, Garrastazu Médici, Antonio Carlos Magalhães, Jorge Konder Bornhausen.
Não importa qual a sigla, estou certo que os filhos dos meus amigos alemães, que ainda estão para nascer, jamais ingressariam num partido que mantivesse a ideologia de um Goering, um Himmler. A história não admite ignorância, e meus amigos alemães sabem bem que nazista é nazista em qualquer lugar e a qualquer tempo.
Será que os eleitores de Gilberto Kassab ignoram isso?
Será que, na próxima vez que cruzar a Ipiranga com a Avenida, em meu coração apenas acontecerá uma melancólica e irônica saudação:
- Sieg Heil Sampa!
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