Após meses de investigações, a sociedade passou a ter acesso a um universo de informações que lhe permitiu se posicionar com isenção sobre tudo que acontecera. E constatamos, perplexos, que estivemos, novamente muito próximos de um hediondo golpe contra a democracia. A sociedade brasileira havia sido vergonhosamente enganada - e ainda o é, por um conluio descarado entre mídia e interesses partidários.
Bem, amigos, acho que devo algumas explicações sobre meu silêncio. Vamos lá. Estou na luta em defesa da democracia brasileira e, particularmente, do governo Lula, desde sua posse em 2003. Aperfeiçoei minhas armas no ataque ao governo FHC, editando o jornal impresso (depois também eletrônico) Arte & Política.
Com a vitória de Lula, passei a defender o governo, tendo obtido muitas pequenas vitórias, esclarecido muitos amigos que se aferravam a idéia meio sectária de "hay gobierno, soy contra", explicando a eles como essa atitude era, no fundo, bastante idiota, pois que eliminava qualquer dialética e livre arbítrio. Se estás sempre contra alguma coisa, não importanto que coisa seja essa, isso é uma atitude sectária. A frase em questão, atribuída a um anarquista italiano, é apenas uma dessas frases de efeito que não tem nenhum valor político ou filosófico. O próprio anarquismo, que eu defendia (e defendo, em termos republicanos, não sectários) , deveria, a meu ver, deixar de ser uma espécie de caldo onde desaguam todos os ressentidos políticos e deixar de renegar conquistas trabalhistas que lhes custaram tanto sangue e pensamento.
Eu percebia que conquistas como o sufrágio universal, a divisão dos três poderes, a Constituição, a democracia, o direito à greve, o salário mínimo, os direitos trabalhistas, deviam ser atribuídas eminentemente à luta dos trabalhadores. Não nos era interessante engolir a esperteza do discurso liberal, que gosta de assumir a paternidade da democracia, quando sabemos que a democracia moderna, com toda a legislação trabalhista e tributária, levou tantos séculos e tanto sangue de intelectuais e trabalhadores para se tornar dominante.
Bem, essa era, em suma, a base ideológica com que eu contava para defender o governo Lula. No primeiro ano, em 2003, me insurgi contra a tentativa maquiavélica da grande imprensa - muito bem sucedida, por sinal - de taxar o governo de neo-liberal pelas medidas de austeridade fiscal adotadas naquele ano. Eu sabia que o Orçamento Federal havia sido votado no governo anterior e a situação fiscal e cambial do país era péssima. A dívida interna estava descontrolada, com um grande percentual atrelado ao dólar. Tínhamos um draconiano acordo com o FMI. Havia um desemprego galopante e a imensa responsabilidade de fazer um governo de esquerda "dar certo", o que seria um exemplo (como o foi) para toda a América Latina, ou antes, para todo o mundo.
Senti-me muito isolado nessa minha luta. Todos os combatentes de hoje, Mauro Santayanna, Emir Sader, Wanderley Guilherme dos Santos, e tantos outros, estavam entre os que se posicionaram de forma muito dura contra o governo. De certa forma, eles também tinha razão, e a pressão que fizeram talvez tenha sido essencial para marcar o que desejava para o país a intelectualidade progressista. Mas eu enxergava também o perigo disso. E via também que havia bastante injustiça e pressa em algumas críticas. Os dilemas de Lula eram terríveis. Eu também fui estudar o início de outros governos progressistas, e identifiquei, na História, um processo muito semelhante, tanto em governos democráticos quanto em governos revolucionários. O início sempre foi difícil, devido ao peso das expectativas. Identifiquei ainda uma espécie de ingenuidade esquerdista que se repetia como padrão nessas situações. E que, historicamente, sempre foi prejudicial. A revolução maoísta e russa, particularmente, foram prejudicadas por esse esquerdismo sectário, intelectualóide, infantil, que só ajudou a fortalecer a linha duras dos partidos dominantes.
Nesse momento, passei a colaborar com a revista Novae, editada por Manoel Fernandes Neto, que me proporcionou o acesso a um razoável universo de leitores. O retorno foi muito positivo para mim. Recebi muitas mensagens de apoio, de pessoas que se identificavam com minhas posições.
Em 2004, a coisa começou a mudar. Ficou claro que o novo governo tinha um projeto, e que esse projeto era sólido e estava dando certo. O país voltou a crescer, a gerar empregos, a reduzir seu endividamento. Os programas sociais avançavam, firmes e respeitados internacionalmente. A política externa de Lula era elogiada por todo o espectro progressista, não só aqui, como em todo mundo.
Nesse momento, com a situação mais ou menos controlada aqui dentro, eu voltei minhas armas para defender o governo Chávez, na Venezuela. Lia febrilmente o que acontecia por lá e me estarrecia ao perceber a manipulação em curso no país.
Em 2005, veio a crise política. Fui, como todos, pego de surpresa. A manipulação foi violenta. Houve um silêncio constrangido e nervoso por parte de toda a intelectualidade. Não me submeti, porém, em nenhum momento. Minha intuição política já me dizia que havia alguma coisa muita errada em tudo aquilo. Éramos bombardeados diariamente com mentiras e manipulações. Claro que haviam verdades, mas as mesmas verdades eram distorcidas, misturadas à mentiras.
Sem acesso às informações, que me permitiam lutar racionalmente, passei a lutar com a poesia, onde não precisava de racionalidade nem informação nenhuma. Escrevi poemas fortemente políticos, onde dei vazão à minha revolta contra o falso moralismo, a hipocrisia, a corrupção ideológica e a manipulação midiática.
Enfim, após meses de investigações, a sociedade passou a ter acesso a um universo de informações que lhe permitiu se posicionar com isenção sobre tudo que acontecera. E constatamos, perplexos, que estivemos, novamente muito próximos de um hediondo golpe contra a democracia. A sociedade brasileira havia sido vergonhosamente enganada - e ainda o é, por um conluio descarado entre mídia e interesses partidários.
Mas o Brasil é grande, e o povo brasileiro não é mais tão burro como a direita gostaria. O silêncio constrangido foi rompido. Os que acompanham o processo político se lembram muito bem quando isso aconteceu, a partir do último trimestre do ano passado. De repente, milhares de pessoas passaram a se manifestar, com muita força e coerência, sobre o processo político. Começaram a surgir os blogs. Os intelectuais vieram por último. Só depois que a sociedade passou a se manifestar com bastante veemência em defesa de Lula, os intelectuais sentiram-se confiantes para assumir posições mais diretas sobre política. A prudência dos intelectuais deve ser compreendida pelo fato de, diferentemente da maioria da sociedade, eles efetivamente vivem do que escrevem, e havia (ainda há) uma histeria anti-petista violenta, traduzida em sabotagem financeira aos que não comungam com ela.
O que importa, porém, é que eles chegaram, os intelectuais. Melhor que isso: diante da tibieza de grande parte dos intelectuais, do povo emergiram "novos intelectuais", não comprometidos com vícios ideológicos, ranço acadêmico e atitudes sectárias. O caso de Eduardo Guimarães é emblemático. Cansado de ver recusadas suas cartas aos jornais, criou seu blog e, aos poucos, foi ganhando confiança de que sua participação, dessa forma, seria realmente efetiva.
De uma hora pra outra, vimos que a intelectualidade progressista não estava limitada aos colunistas de Caros Amigos. Centenas de pessoas passaram a escrever e esclarecer posições com uma competência e isenção muitas vezes superior a muitos dos "medalhões" da esquerda.
Em relação aos intelectuais, quero destacar a emoção que tive ao observar o Wanderley Guilherme dos Santos (cujo filho é meu grande amigo e um grande artista plástico, autor da pintura que ilustra esse blog), analisando com lucidez corajosa a realidade política e denunciando o golpe branco que queriam dar em Lula. A entrada dele na briga foi fundamental para a "virada de jogo" que se deu depois, porque foi ele quem se manifestou mais diretamente e com mais coragem.
Para mim, essa foi a nossa grande vitória. Claro que desejamos agora a vitória completa, ou seja, a reeleição de Lula. A luta prossegue. Vamos chegar lá. No meu caso, a luta sistemática, acabou por gerar o problema no meu braço direito. Não é tão grave como eu pensavam. Não é Ler (Lesão de Esforço Repetitivo), mas uma espécie de artrose, ou inflamação. Por mim, interpretei como uma ferida de guerra e mais um aviso de que eu precisava, e preciso, de umas boas férias. Por um bom tempo.
Além do mais, minha participação não é mais tão crucial. Pode ser útil, necessária, mas não é mais tão crucial. Portanto, prefiro continuar descansando e me preparando para batalhas futuras. Sinto que virão e gostaria de me preparar para elas.
Sob o governo Lula, minha mãe, com mais de 60 anos, arrumou um bom emprego. E, há pouco menos de 1 anos, também eu arrumei um bom trabalho, dentro do meu ramo, devido à confiança que um grupo estrangeiro agora deposita no mercado nacional. Um trabalho que não me violenta ideológicamente e me permite tempo para estudar e ler.
Por isso, peço a compreensão de vocês. Quando falo que estou "vadiando", ou "de férias", na realidade é uma expressão brincalhona. Tenho meu trabalho, tenho meus estudos e monitoro a situação. No momento, há uma porção de gente que está dando conta perfeitamente do recado. Preciso descansar. Gostaria de escrever um livro, alguma coisa assim. A vida não é só política. Outros fatores, mais importantes ainda que a política, interferem positivamente na vida espiritual das sociedades.
Estou bem aqui. Não estou parado. Estou à espreita, como um jacaré, guardando minhas forças. Esperando o inimigo chegar bem perto...
Grande abraço em todos.