Em junho de 1997, em circunstâncias até hoje nebulosas, o Congresso aprovou a emenda que permitia a reeleição do presidente da República, governadores e prefeitos. Vinte e quatro minutos depois da votação, o porta-voz da Presidência da República, Sérgio Amaral, leu uma nota oficial que dizia da satisfação do presidente Fernando Henrique Cardoso porque "o Congresso votou em sintonia com a opinião pública". No mesmo dia, o Congresso promulgou a emenda e os presidentes do Congresso, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), e da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), fizeram a entrega simbólica do texto a FHC. ACM, então, lançou-o candidato ao segundo mandato, afirmando que "pela liderança que tem, é um candidato forte à reeleição". Um ano depois, FHC seria reeleito pela emenda que, segundo reconheceu seu ministro Sérgio Motta, foi fruto de um "rolo compressor" do governo. "Eu e o Inocêncio (Oliveira, então líder do PFL) formamos uma aliança do mal. Não fica nada na frente", disse.
A emenda da reeleição favoreceu fundamentalmente o PSDB, que tinha no poder um presidente com popularidade naquele tempo, na esteira dos êxitos do Plano Real, e foi reeleito em primeiro turno. Nove anos depois, o mesmo PSDB toma a frente para derrubar a permissão de uma segunda candidatura, também por conveniências internas. O ex-governador Geraldo Alckmin é candidato nessa eleição, mas já tem dois fortes concorrentes à vaga do partido no próximo pleito, o ex-prefeito José Serra e o governador de Minas, Aécio Neves. A acomodação de interesses internos passa pela promessa de que Alckmin, se eleito, não será candidato à reeleição - e essa garantia seria dada pelo derrubada do artigo da Constituição que o próprio PSDB e seus aliados aprovaram.
No período militar, as regras eleitorais eram modificadas quando a oposição, pelas leis vigentes, adquiria condições de ganhar as eleições. Essas mudanças eram chamadas "casuísmos". Após a redemocratização, a Constituinte tentou consagrar instrumentos que dessem um mínimo de estabilidade às regras eleitorais - daí advém o artigo que proíbe mudanças nas regras do jogo no ano imediatamente anterior ao pleito. Tratava-se de um reconhecimento de que o amadurecimento da democracia necessitava de regras claras e estáveis, que não fossem alteradas de acordo com as conveniências e interesses de grupos políticos. A alternância de poder numa democracia depende disso.
Ao longo do tempo, no entanto, os políticos parecem ter incorporado o hábito de aproveitar maiorias eventuais para mudar o jogo, de forma a favorecer a manutenção ou conquista do poder. A emenda da reeleição foi um desses casos. Ela também dependia de uma regulamentação que explicitasse as regras a serem seguidas, no período eleitoral, pela pessoa que ao mesmo tempo é candidato e presidente da República. A regulamentação nunca foi feita - e a falta dela favoreceu tanto Fernando Henrique, como favorece agora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato a ocupar o seu próprio posto no próximo mandato.
Quando o instituto da reeleição começou a ser absorvido pelo eleitorado e pelos partidos, o próprio PSDB fala em derrubá-lo. De novo, por interesse próprio. Se a sua conveniência encontrar a de outros partidos, pode novamente mudar as regras do jogo. Alckmin, num primeiro momento, declarou-se favorável ao fim da reeleição; depois recuou, dizendo que era a favor, mas era preciso instituir regras para a disputa; na quarta-feira, curvou-se aos interesses da aliança que o apóia e aceitou a votação da emenda que acaba com o instituto antes do término do mandato de Lula. Como, em qualquer casuísmo, o que conta é a acomodação dos interesses imediatos do grupo, o candidato tucano resolveu que prefere um mandato único de quatro anos - e o termo de conciliação foi que a palavra final sobre o mandato seria dele: PSDB e PFL vão tentar derrubar a reeleição e manter os quatro anos.
Para o eleitor, permanecem dúvidas. Por que razão a reeleição estava "em sintonia com a opinião pública" no mandato de FHC e hoje não está? Não existe motivo para que os eleitores constantemente se adaptem às conveniências de grupos políticos. Pela lógica da democracia, são eles que devem se adaptar às necessidades da sociedade. E o que importa, agora, são regras estáveis para que a tenra democracia do país tenha chances de amadurecer.
Matéria enviada por email
Vera
A emenda da reeleição favoreceu fundamentalmente o PSDB, que tinha no poder um presidente com popularidade naquele tempo, na esteira dos êxitos do Plano Real, e foi reeleito em primeiro turno. Nove anos depois, o mesmo PSDB toma a frente para derrubar a permissão de uma segunda candidatura, também por conveniências internas. O ex-governador Geraldo Alckmin é candidato nessa eleição, mas já tem dois fortes concorrentes à vaga do partido no próximo pleito, o ex-prefeito José Serra e o governador de Minas, Aécio Neves. A acomodação de interesses internos passa pela promessa de que Alckmin, se eleito, não será candidato à reeleição - e essa garantia seria dada pelo derrubada do artigo da Constituição que o próprio PSDB e seus aliados aprovaram.
No período militar, as regras eleitorais eram modificadas quando a oposição, pelas leis vigentes, adquiria condições de ganhar as eleições. Essas mudanças eram chamadas "casuísmos". Após a redemocratização, a Constituinte tentou consagrar instrumentos que dessem um mínimo de estabilidade às regras eleitorais - daí advém o artigo que proíbe mudanças nas regras do jogo no ano imediatamente anterior ao pleito. Tratava-se de um reconhecimento de que o amadurecimento da democracia necessitava de regras claras e estáveis, que não fossem alteradas de acordo com as conveniências e interesses de grupos políticos. A alternância de poder numa democracia depende disso.
Ao longo do tempo, no entanto, os políticos parecem ter incorporado o hábito de aproveitar maiorias eventuais para mudar o jogo, de forma a favorecer a manutenção ou conquista do poder. A emenda da reeleição foi um desses casos. Ela também dependia de uma regulamentação que explicitasse as regras a serem seguidas, no período eleitoral, pela pessoa que ao mesmo tempo é candidato e presidente da República. A regulamentação nunca foi feita - e a falta dela favoreceu tanto Fernando Henrique, como favorece agora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato a ocupar o seu próprio posto no próximo mandato.
Quando o instituto da reeleição começou a ser absorvido pelo eleitorado e pelos partidos, o próprio PSDB fala em derrubá-lo. De novo, por interesse próprio. Se a sua conveniência encontrar a de outros partidos, pode novamente mudar as regras do jogo. Alckmin, num primeiro momento, declarou-se favorável ao fim da reeleição; depois recuou, dizendo que era a favor, mas era preciso instituir regras para a disputa; na quarta-feira, curvou-se aos interesses da aliança que o apóia e aceitou a votação da emenda que acaba com o instituto antes do término do mandato de Lula. Como, em qualquer casuísmo, o que conta é a acomodação dos interesses imediatos do grupo, o candidato tucano resolveu que prefere um mandato único de quatro anos - e o termo de conciliação foi que a palavra final sobre o mandato seria dele: PSDB e PFL vão tentar derrubar a reeleição e manter os quatro anos.
Para o eleitor, permanecem dúvidas. Por que razão a reeleição estava "em sintonia com a opinião pública" no mandato de FHC e hoje não está? Não existe motivo para que os eleitores constantemente se adaptem às conveniências de grupos políticos. Pela lógica da democracia, são eles que devem se adaptar às necessidades da sociedade. E o que importa, agora, são regras estáveis para que a tenra democracia do país tenha chances de amadurecer.
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Vera
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