1998, o ano que (ainda) não terminou
Voltou a tramitar na Câmara dos Deputados o projeto de lei 4302/98, que trata da terceirização de mão-de-obra e certamente o maior ícone do desmonte da legislação trabalhista da Era FHC.
Há cinco anos, Lula requereu o arquivamento da proposição. A mensagem presidencial até hoje não foi votada, o que deu margem para que o projeto de lei voltasse à pauta. Vale lembrar que ele já tramitou na Câmara e no Senado, onde sofreu modificação. Por isso, voltou para a primeira Casa. Uma vez aprovado, vai direto à sanção.
Por esse motivo, é urgente exigir que o governo e a base aliada se mexam para que a Câmara analise a mensagem presidencial e vote pelo arquivamento do projeto de lei.
Herança maldita...
Se é para falar em herança maldita, voltemos ao ano de 1998. Nesse ano, o Congresso aprovou uma série propostas do governo FHC que desregulamentavam a legislação trabalhista, entre as quais a suspensão temporária do contrato de trabalho (uma espécie de demissão sem custas rescisórias); o contrato por prazo determinado com redução do FGTS, o banco de horas e a "jornada parcial". Encaminhado ao Congresso em março de 1998, o PL 4302 se inscreve no kit predatório do tucanato.
Nenhuma das medidas daquele ano, contudo, foi tão perigosa como esta última proposição, que agora volta a atormentar os trabalhadores. Isso porque ela não se limita a "legalizar" a contratação terceirizada, mas corrompe os dois princípios basilares de toda a legislação trabalhista, inscritas nos artigos 2º e 3º da CLT: os conceitos de empresa e de empregado, a partir dos quais a relação de trabalho se define.
Seguramente, a aprovação do PL 4302/98 representa o fim do vínculo empregatício. Ele poderá até existir no papel, mas dificilmente será adotado pelas empresas. Veja por que:
a) O projeto generaliza a contratação terceirizada em caráter permanente e para qualquer atividade, urbana ou rural, inclusive do mesmo grupo econômico. A empresa poderá ter 100% dos seus funcionários por terceirização ou até mesmo quarteirização (esta possibilidade também está prevista na proposição).
b) O projeto assegura não haver "vínculo empregatício entre os trabalhadores ou sócios das empresas prestadoras de serviços (...) e a empresa contratante". Ora, isso legaliza aquela situação em que a empresa "propõe" ao seu empregado a abertura de uma empresa ou a adesão a uma pseudocooperativa. Um prato cheio para a Super-Receita analisar...
Afinal, quem são os "sócios" se não os funcionários que passaram a condição de "prestador de serviços", cooperados ou não ??. Esse é o grande "pulo do gato". Livra a empresa do ônus de contratar, promovendo, simultaneamente as reformas trabalhista e tributária.
c) Ainda que exista vínculo do empregado com a empresa prestadora de serviço, uma coisa é certa: ao contratar "serviços" e não mais pessoas, a empresa estará livre de cumprir as regras estabelecidas por Convenções Coletivas dos empregados agora substituídos por "terceirizados".
d) A proposta ainda retroage no tempo e declara "anistiadas dos débitos, das penalidades e das multas" as empresas que vinham contratando irregularmente, antes da eventual mudança.
e) Pior ainda: a nova modalidade instituída pelo projeto não vale para as empresas que já vinham contratando irregularmente (as mesmas que serão anistiadas). Para essas, os contratos "poderão adequar-se à nova lei", mediante contrato entre as partes.
f) O projeto ainda exime a empresa tomadora dos serviços da responsabilidade pelo não-pagamento das contribuições previdenciárias e/ou trabalhista. Embora seja ela a maior beneficiária, sua responsabilidade é apenas subsidiária em relação aos danos causados ao trabalhador ou aos cofres públicos.
Além de introduzir a terceirização como norma legal, o PL 4302 altera as regras de contratação temporária, também por empresa interposta. Entre outras medidas, um trabalhador poderá permanecer em uma empresa como "temporário" por até 270 dias ou prazo ainda maior, se constar de acordo ou convenção coletiva. Ao final do contrato, sai da empresa com uma mão na frente e outra atrás... A proposta também cuida de assegurar que não existe vínculo empregatício entre o empregado temporário e a empresa contratante.
O retorno do PL 4302/98 à pauta e o descaso com a mensagem presidencial que solicita o seu arquivamento configuram um ato de irresponsabilidade e má fé. Mas é também uma boa oportunidade de enterrar definitivamente um período ruim da nossa história. Caso contrário, 1998 será, de fato, o ano que não terminou...
Por
Silvia Barbára, professora e diretora da FEPESP – Federação dos Professores do Estado de São Paulo e do SINPRO-SP – Sindicato dos Professores de São Paulo.
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