Faca no peito de Lula numa manhã de Setembro
Como os corleones da Marginal Pinheiros, imprensaleiros e "demoníacos" tramaram mais um golpe contra o Brasil
Mauro Carrara
21 de Agosto, 14h45. Topo com um amigo de juventude, há muito engravatado, que circula pelo gelado hall do WTC tupinica, lá pelos lados da Berrini, não longe da Globo paulista. Que eu o chame de Quincas, pois o romance de Machado de Assis, de alguma forma, o define.
- Ainda tá nessa Carrara? - indaga-me, sorrindo ironicamente.
- Não me torceram o pepino na época apropriada - respondo.
Conversa vai, conversa vem, tratamos de amenidades. Não concordo com as idéias de Quincas, menos com sua postura de vida, mas admito que gosto dele. Consegue ser afável, bem-humorado e, vez por outra, me surpreende com lampejos de responsabilidade cidadã. Pouco antes de rumar para sua reunião de negócios, ele me espeta o dedo indicador no peito, mira-me gravemente e dispara:
- Assim, desse jeito... Vão enfiar a faca no peito do Lula. Espera só Setembro...
- O que vai ser desta vez? - indago, quase assustado.
- Você sabe como é... Eleição. Os caras só tem uma opção: atirar. E é com o canhão que eles têm, a Veja.
Por ter enriquecido com negócios ligados à comunicação, Quincas pratica certa fidelidade aos parceiros. Não uma fidelidade canina. Talvez uma fidelidade felina, pois larga os donos, vez ou outra, para pular telhados em noites quentes. Preocupei-me.
A profecia concretizou-se. Setembro iniciou-se com a comunicação coordenada do golpe, novamente de acordo com a cartilha redigida há três anos pelo publicitário Paschoal F. Neto.
1) Arapongas R2, contas abertas, oferecem um serviço por fora, como fazem os PMs que viram leões-de-chacara em danceterias.
2) A cúpula do QG golpista, com seus Maias e Virgílios, esboça uma ação. O protagonista da ação é o mesmo Demóstenes Torres, o mesmo capitãozinho-do-mato que ajudou Veja a construir o factóide "Farcs", em 2.005. Aliás, qualquer jornalista bem informado de Brasília sabe que Demóstenes (também chamado de "Pequeno Demônio" do Dem) tem relações estreitas com o pior da arapongagem brasileira, especialmente sobreviventes e herdeiros da ala mercenária do SNI. Nada mais fácil, aliás, que o acusador facilitar a gravação de suas próprias ingênuas inconfidências com um alto magistrado.
3) Veja é convocada. A seguir, acionam-se os demais membros do "quarteto fantástico": Globo, Estadão e Folha. Veja atira o coquetel incendiário. Os periféricos tratam de espalhar gasolina.
4) A oposição, articulada desde quarta-feira (27/08), quando recebeu a sinopse da matéria, relança no ar a palavra mágica, a senha orgástica do movimento golpista instituído em 2.005: "impeachment" (ver abaixo artigo da versão on-line de O Estado de S. Paulo, de 1 de Setembro, 2.008).
5) O baixo clero dos servidores do PSDB-DEM trata de espalhar a "indignação" por todos os cantos. A militância virtual, na aurora de Setembro, já havia criado tópicos pelo "impeachment de Lula" em dezenas de comunidades virtuais da rede Orkut, além de distribuir uma série de hoaxes que introduzem exageros e fantasias ao roteiro golpista dos grampos. Ou seja, o Brasil amanheceu contaminado na primeira manhã de Setembro.
Os imprensaleiros: a rentabilidade de um negócio sujo
Basta circular pelos corredores bem informados das redações para se confirmar o óbvio. De fato, os barões da mídia monopolista estão empenhados em derrubar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É um sonho cultivado especialmente pelo quatrocentismo ressentido, representado pelos Frias e Mesquitas, e pelo cosanostrismo transnacional dos Civita.
Há, no entanto, todo um serviço de sub-contrabandistas e camelôs do golpismo informativo, especialmente nos estratos "gerenciais" das corporações jornalísticas. O euripismo, a sabinada (de duplo sentido, lógico), o policarpismo, o jardinismo, o gazzismo (o Zezinho Robertinho do Estadão), entre tantos outros, são negócios bem articulados e extremamente rentáveis. Cresceram abençoados pelos padrinhos-barões, mas acabaram por adquirir autonomia. Hoje, parte das ações de instrumentalização da imprensa ocorre sem o pleno conhecimento dos proprietários das organizações midiáticas.
Uma tradição milenar
Vale cá um preâmbulo elucidativo. Não é de hoje que este terceiro planeta padece com o ataque desinformativo dos legionários da infâmia. A cultura ocidental, aliás, nasceu num ambiente de competição noticiosa e argumentativa, na Grécia antiga. Talvez se cometa injustiça ao atribuir aos sofistas a fundação do modelo de prestação de serviços de convencimento. Protágoras e Górgias, por exemplo, advogavam a relativização e contextualização de conceitos, em oposição aos filósofos, defensores da busca de verdades absolutas. Foram, de alguma forma, os pregadores que criaram as bases do debate democrático.
Mesmo assim, é fato que a sofística acabou por se transformar num ofício de mascates intelectuais. Os gênios da retórica perambulavam pelas cidades gregas em busca de clientes que precisassem embasar, fortificar e divulgar idéias. Esse sofista prestador de serviços misturava as funções dos atuais advogados e jornalistas. Segundo eles, qualquer proposta, por mais absurda que fosse, poderia ser defendida. O importante era a "verossimilhança", ou seja, a aparência de verdade, de cada proposição. Moldava-se, assim, o discurso às especificidades do momento e da platéia.
Por bom soldo, os sofistas ambulantes empenhavam-se em transformar qualquer versão em "verdade", mesmo que a construção argumentativa passasse ao largo dos postulados da ética então vigente.
Os imperadores romanos (e também os senadores) também recorreram aos construtores-divulgadores de versões. Convenciam o patriciado na necessidade de uma guerra ou da execução de um bando de escravos sediciosos. Na Idade Média, reis e poderosos senhores feudais recorriam a sagazes arautos para propagandear virtudes e difundir políticas. Estes se pareciam mais com uma mistura dos atuais publicitários com os atuais jornalistas. Os piores tinham um pé nas corporações da bufonaria. Os melhores acabavam por tomar postos nas equipes diplomáticas.
Depois da invenção da imprensa, muitos escribas de talento resolveram alugar suas penas aos detentores do capital. Em alguns casos, os jornais eram de propriedade de seus clientes. Em outros casos, esses meios de comunicação eram utilizados, secundariamente, para difundir as idéias desejadas. A biblioteca de Alexandria, se ainda em pé, não teria prateleiras para receber os bilhões de matérias produzidas sob encomenda dos donos do poder. Os casos são inúmeros. A Guerra Hispano-Americana, por exemplo, resultou de uma campanha jornalística marcada por exageros e inverdades, plantadas por setores que posteriormente lucraram tremendamente com o conflito. Ainda nos EUA, o reportariado foi extremamente útil ao macarthismo, operando na identificação de dissensões ideológicas, na construção do mito da "ameaça comunista" e na eliminação seletiva dos contraditórios.
Utiliza-se, neste termo, uma designação contemporânea para esses profissionais: imprensaleiros. O termo tem relação com o contexto brasileiro e fatos relativamente recentes em nossa história política. Cabe dizer, entretanto, que o "imprensaleiro" ateniense da Antiguidade e sua versão atual têm algo em comum: trocam suas versões encomendadas dos fatos por dinheiro, bens e outros mimos. Não lhes importa a verdade ou a justiça, mas o prêmio pela construção de uma versão benéfica ao cliente. Com freqüência, utilizam-se da calúnia, injúria ou difamação para destruir a imagem daquele que se opõe ao projeto de convencimento em curso.
A exigência de uma resposta
Cabe saber, pois, quem espeta a faca contra o peito de Lula. Cabe saber que tipo de criminoso sabota o Brasil, rindo de sua gente mais simples e daqueles que trabalham num projeto sério de desenvolvimento.
Agora, cabe às pessoas de bem agir. Se vale uma incitação, é - coincidentemente - a canção de Vanusa e Mário Campanha: "Manhãs de Setembro".
Fui eu quem se fechou no muro
E se guardou lá fora
Fui eu quem num esforço
Se guardou na indiferença
Fui eu que numa tarde
Se fez tarde de tristezas
Fui eu que consegui
Ficar e ir embora...
Fui eu que em primavera
Só não viu as flores
E o sol
Nas Manhãs de Setembro...
Eu quero sair
Eu quero falar
Eu quero ensinar
O vizinho a cantar
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