Do Oriente à América Latina, a cobiça por recursos naturais
Por Soraya Misleh
Água e petróleo têm desviado olhares poderosos para as duas regiões. É o que aponta a economista palestino-brasileira Amyra El Khalili. Fundadora do movimento “Mulheres pela paz!” e do projeto Bece (Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais), ela acredita que o problema na Palestina, por exemplo, está intimamente ligado à questão da água. Conforme observa nesta entrevista à revista Al Urubat, Israel não abre mão de administrar o “ouro azul” nos territórios ocupados. E assim como todo o Oriente Médio é objeto de batalhas sangrentas, em função do petróleo, Khalili alerta que a América Latina, detentora das maiores reservas de água doce do mundo e hoje vítima da servidão ao sistema financeiro internacional, pode ser palco das mesmas disputas que afligem os povos árabes.
Qual é a situação atual nas duas regiões?
A América Latina vive uma especulação financeira enorme, porque os países desenvolvidos têm um padrão de consumo altíssimo, que precisa de muita matéria-prima, energia, água, biodiversidade. Por outro lado você tem o combustível fóssil em diversos lugares do Oriente Médio, mas nossos árabes não dominam essa matriz energética, são meros produtores. A tecnologia é dos Estados Unidos, que colocam o preço do petróleo na lua. O maior ganho fica com quem o reprocessou, que são as grandes corporações estadunidenses. O brasileiro tende a achar que o que acontece no Oriente Médio não é problema dele. Contudo, temos um problema de gestão financeira do petróleo que não é diferente de lá. Por exemplo, temos um pólo petroquímico, que é a região de Campos de Goitacazes, no Rio de Janeiro, cujos royalties deveriam ser usados para pesquisar uma energia renovável, mas não é o que acontece. Também temos sheiks do petróleo aqui. E degradação ambiental.
Com o fim das reservas de combustível fóssil, você acredita que o Oriente Médio vai deixar de ser um foco de interesse?
Nosso problema não é porque os EUA querem colonizar o Oriente Médio apenas, é também ambiental. E está tendo um problema geopolítico pontual que envolve toda a região, o combustível fóssil está acabando, então voltam-se os olhos para a energia nuclear no Irã. Mas para os EUA entrarem no país têm que desestabilizar politicamente a região. Por isso bombardearam Beirute, não porque era uma ameaça, mas porque o centro financeiro do Oriente Médio estava concentrado ali. A tendência militar é migrar para posições, como já está acontecendo na América Latina há muito tempo, só que não está explicitamente assumido.
A compra de terras na Amazônia é parte dessa estratégia?
Principalmente. E por operações imobiliárias internacionais que legitimam a apropriação de terras brasileiras. A coisa está debaixo do nosso nariz. As transnacionais, as multinacionais, vêm a reboque do interesse político, que vai arbitrar a favor do interesse econômico, normalmente privatista.
E a água está intimamente ligada ao sistema financeiro...
Todas as grandes cidades do mundo e centros financeiros foram construídos em torno de um rio. Tudo o que você produz em commodities é água. Só que isso não está contabilizado, porque a água no Brasil é grátis. Você só vai construir um sistema financeiro monetariamente calculado em torno de uma cidade que urbanizou e isso depende de água. Israel não abre mão de administrar as águas palestinas porque quem faz gestão hídrica é dono da vida.
Energia está atrelada a desenvolvimento. Qual a melhor alternativa?
O desenvolvimento sustentável pede que você mude a sua maneira de viver. É conscientização. Por exemplo, o preceito do Islam e das outras religiões não é ganhar dinheiro com juros, mas com produção. Assumindo as bases das nossas origens étnicas orientais, devemos buscar um modelo econômico novo para uma América Latina que é refém de um modelo ocidental escravagista e de servidão, em que eu produzo, você reprocessa, você vende, ganha lucro e ainda me cobra taxa de juros. O modelo que defendemos dentro do projeto Bece é alternativo, sim, mas não vamos eliminar hidroelétricas da noite para o dia, nem vamos deixar de construir barragens, só que toda vez que fizermos uma opção energética, devemos colocar todas as alternativas possíveis a um debate público.
Resistir à investida do capital especulativo internacional é possível através da comunicação ambiental?
Exatamente. No Oriente Médio, a comunicação ambiental está, contudo, atrelada ao interesse de quem está controlando a grana dos royalties do petróleo. Eu acho que o petróleo é a pior coisa que aconteceu para o povo árabe, como eu acho que o ouro é a pior coisa que aconteceu para o africano e a água pode ser a pior coisa para o brasileiro, não do ponto de vista de ter excedente, mas de estar atraindo a cobiça e a ganância de quem não tem e estar corrompendo governos. Estamos falando de um problema estrutural. A questão ambiental está intimamente ligada à paz.
Qual é a situação do meio ambiente no Oriente Médio, após tantas guerras?
Não tem dinheiro no mundo que vá recuperar o impacto no Líbano. O que dá para tentar é minimizar o dano ambiental. No Iraque também, é praticamente irreversível. Tem espécies que foram destruídas ali que não se consegue outra matriz, pode acontecer de alguma ter sobrevivido ao impacto e ser possível fazer uma pesquisa para recompor o ecossistema, mas vai levar 100, 200, 300 anos.
Quais as conseqüências para a população?
Muitas. O pescador libanês pode perder um monte de espécies ou todo um tipo que ele explorava ali para a sua sobrevivência. As populações que vivem por exemplo de determinadas plantas e árvores podem perder, porque quando você pega uma espécie marinha, um pássaro que vai para o mar, esse poliniza outras árvores. Não existe desconexão entre a montanha e o mar, o ecossistema do Líbano é todo integrado, assim como o de toda a região é extremamente delicado. Tem um outro impacto ambiental que são as construções israelenses na região da Palestina, as colônias, os assentamentos. A arquitetura palestina nossa, tradicional, respeita o ecossistema desértico, as casinhas não rompem a montanha, ficam abaixo, porque se der uma ventania pesada, não as atingirá. E no vento, que pode passar livremente, vem areia, pólen, semente, passarinho, e isso está construindo uma mata no outro lado.
E os assentamentos ficam no meio do caminho?
Ficam no meio do caminho. E o muro agravou mais ainda essa situação, além de seu impacto social, o ambiental é enorme. Construíram uma estufa, pois ter um muro daquele tamanho vai superaquecer a região. Aquilo gera impacto ambiental, altera totalmente o fluxo de água e isso vai afetar a saúde da população. A questão ambiental está intimamente ligada à questão política e econômica. Vamos vir para o Brasil. O que é o agrotóxico senão o resto dos agentes laranjas do Vietnã? Sobrou, fizeram um pacotaço, venderam para países subdesenvolvidos. Os químicos que comemos todos os dias são resultado desses que estão matando do outro lado. Tudo o que tem a ver lá tem a ver cá.
Fonte: Portal do Meio Ambiente
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