23 agosto 2008

Do Oriente à América Latina, a cobiça por recursos naturais

Do Oriente à América Latina, a cobiça por recursos naturais


Por Soraya Misleh


Água e petróleo têm desviado olhares poderosos para as duas regiões. É o que aponta a econo­mista palestino-brasileira Amyra El Khalili. Fundadora do movi­mento “Mulheres pela paz!” e do projeto Bece (Bolsa Brasi­leira de Commodities Ambien­tais), ela acredita que o problema na Palestina, por exemplo, está intimamente ligado à questão da água. Conforme observa nesta entrevista à revista Al Urubat, Israel não abre mão de adminis­trar o “ouro azul” nos territórios ocupados. E assim como todo o Oriente Médio é objeto de ba­talhas sangrentas, em função do petróleo, Khalili alerta que a América Latina, detentora das maiores reservas de água doce do mundo e hoje vítima da servi­dão ao sistema financeiro inter­nacional, pode ser palco das mesmas disputas que afligem os povos árabes.

Qual é a situação atual nas duas regiões?

A América Latina vive uma espe­culação financeira enorme, por­que os países desenvolvidos têm um padrão de consumo altíssimo, que precisa de muita matéria-prima, energia, água, biodiver­sidade. Por outro lado você tem o combustível fóssil em diversos lugares do Oriente Médio, mas nossos árabes não dominam essa matriz energé­tica, são meros produtores. A tec­nolo­gia é dos Estados Unidos, que colocam o preço do petróleo na lua. O maior ganho fica com quem o reproces­sou, que são as grandes corpo­rações estadunidenses. O bra­sileiro tende a achar que o que acontece no Oriente Médio não é problema dele. Contudo, temos um problema de gestão finan­cei­ra do petróleo que não é dife­rente de lá. Por exemplo, temos um pó­lo petro­químico, que é a região de Campos de Goitacazes, no Rio de Janeiro, cujos royalties deve­riam ser usa­dos para pes­quisar uma energia renovável, mas não é o que acontece. Também temos sheiks do petróleo aqui. E de­gradação ambiental.

Com o fim das reservas de combustível fóssil, você acredita que o Oriente Mé­dio vai deixar de ser um foco de interesse?

Nosso problema não é porque os EUA querem colonizar o Oriente Médio apenas, é também am­biental. E está tendo um pro­blema geopolítico pontual que envolve toda a região, o com­bustível fóssil está acabando, então voltam-se os olhos para a energia nuclear no Irã. Mas para os EUA entrarem no país têm que desestabilizar politicamente a região. Por isso bombardearam Beirute, não porque era uma ameaça, mas porque o centro fi­nanceiro do Oriente Médio es­tava concentrado ali. A ten­dência militar é migrar para po­sições, como já está aconte­cendo na América Latina há muito tem­po, só que não está explicita­mente assumido.

A compra de terras na Amazônia é par­te dessa estratégia?

Principalmente. E por operações imobiliárias internacionais que le­gitimam a apropria­ção de terras brasilei­ras. A coisa está de­baixo do nosso nariz. As transnacionais, as multinacionais, vêm a reboque do interesse político, que vai arbitrar a favor do interesse econômico, normal­mente privatista.

E a água está intimamente li­gada ao sistema financeiro...

Todas as grandes cidades do mundo e centros financeiros fo­ram construídos em torno de um rio. Tudo o que você produz em commodities é água. Só que isso não está contabilizado, porque a água no Brasil é grátis. Você só vai construir um sistema finan­ceiro monetariamente calculado em torno de uma cidade que ur­banizou e isso depende de água. Israel não abre mão de admi­nis­trar as águas palestinas por­que quem faz gestão hídrica é dono da vida.

Energia está atrelada a de­senvolvimento. Qual a me­lhor alternativa?

O desenvolvimento sustentável pede que você mude a sua ma­neira de viver. É conscientização. Por exemplo, o preceito do Islam e das outras religiões não é ga­nhar dinheiro com juros, mas com produção. Assumindo as ba­ses das nossas origens étnicas orientais, devemos buscar um mo­delo econômico novo para uma América Latina que é refém de um modelo ocidental escrava­gista e de servidão, em que eu produzo, você reproces­sa, você vende, ganha lu­cro e ainda me cobra taxa de juros. O modelo que defendemos dentro do proje­to Bece é alternativo, sim, mas não vamos eliminar hidroelé­tricas da noite para o dia, nem va­mos deixar de construir barra­gens, só que toda vez que fizer­mos uma opção energética, deve­mos colo­car todas as alternativas possíveis a um de­bate público.

Resistir à investida do ca­pital especulativo interna­cional é possível através da comunicação ambiental?

Exatamente. No Oriente Médio, a comunicação ambiental está, contudo, atrelada ao interesse de quem está controlando a grana dos royalties do petróleo. Eu acho que o petróleo é a pior coisa que aconteceu para o povo ára­be, como eu acho que o ouro é a pior coisa que aconteceu para o africano e a água pode ser a pior coisa para o brasileiro, não do ponto de vista de ter exce­dente, mas de estar atraindo a cobiça e a ganância de quem não tem e estar corrompendo gover­nos. Es­tamos falando de um pro­blema estrutural. A ques­tão ambiental está intimamente ligada à paz.

Qual é a situação do meio ambiente no Oriente Médio, após tantas guerras?

Não tem dinheiro no mundo que vá recuperar o impacto no Líba­no. O que dá para tentar é mini­mizar o dano ambiental. No Ira­que também, é praticamente irreversível. Tem espécies que foram destruídas ali que não se consegue outra matriz, pode acontecer de alguma ter sobre­vivido ao impacto e ser possível fazer uma pesquisa para recom­por o ecossistema, mas vai levar 100, 200, 300 anos.

Quais as conseqüências para a população?

Muitas. O pescador libanês pode perder um monte de espécies ou todo um tipo que ele explo­rava ali para a sua sobrevi­vência. As populações que vi­vem por exem­plo de determi­nadas plantas e árvores podem perder, porque quando você pega uma espécie marinha, um pássaro que vai para o mar, esse poliniza outras árvores. Não existe desconexão entre a mon­tanha e o mar, o ecossis­tema do Líbano é todo inte­grado, assim como o de toda a região é ex­tremamente delica­do. Tem um outro impacto am­biental que são as construções israe­lenses na re­gião da Pales­tina, as co­lônias, os assenta­men­tos. A arqui­tetura pales­tina nos­sa, tradi­cional, respeita o ecossis­tema de­sértico, as casi­nhas não rom­pem a monta­nha, fi­cam abaixo, por­que se der uma ventania pe­sada, não as atin­girá. E no ven­to, que po­de pas­sar livre­mente, vem areia, pó­len, semente, passa­rinho, e isso está construindo uma mata no outro lado.

E os assentamentos ficam no meio do caminho?

Ficam no meio do caminho. E o muro agravou mais ainda essa situação, além de seu impacto social, o ambiental é enorme. Construíram uma estufa, pois ter um muro daquele tamanho vai supera­quecer a região. Aqui­lo gera im­pacto ambiental, al­tera total­mente o fluxo de água e isso vai afetar a saúde da po­pulação. A questão am­biental está intima­mente ligada à ques­tão política e econômica. Vamos vir para o Brasil. O que é o agro­tóxico se­não o resto dos agen­tes laranjas do Vietnã? Sobrou, fizeram um pacotaço, venderam para países subde­senvolvidos. Os químicos que comemos todos os dias são re­sultado desses que estão ma­tando do outro lado. Tudo o que tem a ver lá tem a ver cá.

Fonte: Portal do Meio Ambiente

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