O estranho humor de Miriam Leitão
O diálogo que a rádio CBN apresentou neste dia 5 de agosto de 2008 é um exemplo lapidar de como a mídia nativa trafega com desenvoltura do seu ofício original para o espetáculo mambembe, sem qualquer noção do ridículo.
Gilson Caroni Filho
Se, como destaca o professor Afonso de Albuquerque, as formas narrativas empregadas no jornalismo ultrapassam a explicação dos eventos noticiados, “constituindo também um recurso importante do qual os jornalistas se valem para legitimar a sua própria autoridade descritiva dos fatos e interpretativa dos fatos", o que a rádio CBN apresentou no dia 5 de agosto de 2008 é um exemplo lapidar de como a mídia nativa trafega com desenvoltura do seu ofício original para o espetáculo mambembe, sem qualquer noção do ridículo.
Comentando a palestra do presidente Luís Inácio Lula da Silva para empresários argentinos e brasileiros, em Buenos Aires, Heródoto Barbeiro e Miriam Leitão demonstraram que espirituosidade em matéria informativa requer talento que os dois não têm.
Entre encontrar o equilíbrio, esclarecendo ao ouvinte o que aconteceu, e praticar um humor de gosto duvidoso, a escolha pela vulgaridade lhes pareceu o caminho mais apropriado. Afinal três eram os alvos: Lula, sua colega argentina, Cristina Kirchner, e o presidente venezuelano, Hugo Chávez. Um trio que, como reza a linha editorial dos veículos em que trabalham, merece desqualificação permanente. Nada de ironia fina, com informações subentendidas, tiradas inteligentes que revelem argúcia, brilho e preparo intelectual. Afinal, quando se trata de liderança latino-americana que destoa do velho receituário, o grotesco é licença poética de “boas” redações. Não seria diferente na rádio que "toca notícia".
Uma declaração de Lula e o encontro trilateral com Chávez, não previsto oficialmente, serviram de pretexto para uma sucessão de tiradas de duplo sentido. “Gags” jornalísticas, quem diria, ao melhor estilo “Casseta & Planeta”.
O que segue abaixo é um novo formato de jornalismo humorístico, que parece desconhecer a linha tênue que separa o bom-humor da pilhéria grosseira. Um dueto “neocon”, com insinuações de duplo sentido.
Heródoto - Bom dia, Miriam.
Miriam - Bom dia, Heródoto, bom dia, ouvintes.
Heródoto - Miriam, o que você acha dessa declaração do presidente?
O áudio traz um trecho da fala do presidente Lula: “Do ponto de vista do crescimento econômico, por que Deus nos fez grudados, por que coloca um homem e uma mulher juntos? Para que cada um olhe para um lado? Não, é para se olharem". Heródoto retoma a conversa:
- Será que nós estamos falando de casamento, Miriam?
Miriam - Pois é, que coisa intensa, né? Uma declaração intensa do presidente Lula, né? Porque Deus nos fez grudadinhos...
Heródoto - risos.
Miriam - Aí chegou um terceiro que não foi convidado. Isso é que foi chato, isso é que foi muito
Heródoto - risos.
Miriam - Muito chato.
Heródoto - risos.
Miriam - Tava rolando o maior “climão”. Aí chegou o Hugo Chávez. Cara, esse cara não tem simancol!.
Heródoto - Não tem, né (risos)? Tamos aqui. Olha nós aqui outra vez.
Miriam - Pois é, esse já atrapalhou vários encontros bilaterais.
Heródoto - Ah, então o que faremos do nosso casamento argentino?
Daí pra frente, a jornalista resolve falar “sério”. Ou seja, ataca a idéia de criação de um Gasoduto do Sul, de uma empresa aérea trilateral e reclama que Chávez terminou por atrapalhar um diálogo “mercado-mercado”.
Desce a lona do circo global. Há um momento que do ridículo não existe retorno. É quando o estúdio radiofônico se transforma em picadeiro.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.
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