Lula democratizará os meios de comunicação?
Os senadores tucano-pefelistas insurgem-se contra a idéia de democratizar a mídia. Horripilam-se com a menção aos supostos "comitês populares". Vêem "vocação autoritária" em tudo que sugira controle externo sobre a mídia grande. Para eles, o status quo existente é perfeito e imexível: meia dúzia de famílias que detêm o monopólio dos meios de comunicação, e transmitem-no de pai para filho, e neto, e bisneto, mesmo quando o talento jornalístico vai rareando à medida que as gerações se sucedem, num processo que parece desafiar a teoria da evolução das espécies
Por Bernardo Joffily
O senador
conservador
César Borges,
do PFL,
está "angustiado"
Um trecho do programa de governo da candidatura Lula começou a dar o que falar antes mesmo de ser lançado: é o que garante "a democratização dos meios de comunicação". O senador César Borges (PFL-BA) subiu à tribuna nesta terça-feira (29), para enxergar nisso "quase que uma lavagem cerebral, uma tentativa de compra da consciência da população".
Expoente do Carlismo baiano (grupo político do senador Antonio Carlos Magalhães), César Borges acusa o programa presidencial de querer "criar controles para a grande imprensa, onde reside uma resistência a todos esses males que ocorrem no país". "Ele deseja criar comitês populares", indigna-se o orador, acusando Lula de "vocação autoritária".
Lamúrias do PSDB-PFL
O senador Romeu Tuma (PFL-SP), último delegado titular do Dops paulista durante a ditadura militar, solidarizou-se com seu correligionário, lamentando ver César Borges "triste". O baiano agradeceu. Confessou-se de fato "angustiado", ao constatar que "a população está anestesiada", pois o governo Lula "nivelou por baixo" -- numa referência às pesquisas que indicam a reeleição desde o primeiro turno. E vituperou a UNE, a CUT e o MST, assim como a presença de sindicalistas no governo. "Estou com medo do futuro", resumiu.
Outro aparte veio de Flexa Ribeiro (PSDB-PA), líder patronal da CNI guindado ao Senado como suplente de Duciomar Costa (PTB). Este acusou os "laboratórios de idiotia instalados no Palácio do Planalto" pela infeliz idéia de democratizar a comunicação. "Nós caminhamos para o modelo sensacionalista de Hugo Chávez, de Fidel Castro, de Evo Morales", vaticinou.
O que diz o programa de Lula
O programa de governo de Lula para 2007-2010 não se estende sobre o tema. Limita-se a afirmar que "Será garantida a democratização dos meios de comunicação, permitindo a todos o mais amplo acesso à informação, que deve ser entendida como um direito cidadão". E especifica:
• "Construir um novo modelo institucional para as comunicações, com caráter democratizante e voltado ao processo de convergência tecnológica.
• Incentivar a criação de sistemas democráticos de comunicação, favorecendo a democratização
da produção, da circulação e do acesso aos conteúdos pela população.
• Fortalecer a radiodifusão pública e comunitária, a inclusão digital, as produções regional e independente e a competição no setor."
O jornal Folha de S. Paulo, na segunda-feira, noticiou em tom cáustico que o grupo temático encarregado desse ponto na campanha Lula propõe ainda outras medidas "vigorosas" nas comunicações. Entre elas, "mudanças na legislação para assegurar mais 'equilíbrio e proporção' na cobertura de mídia eletrônica, incentivos econômicos para a formação de jornais e revistas independentes e a criação de conselhos populares que teriam poder sobre as atuais e futuras concessões de rádio e TV".
Fenômeno que espanta os forasteiros
Pode ser, pelo menos, um bom começo. Um modestíssimo primeiro passo, para fazer frente a um fenômeno que espanta os forasteiros que tratam contato com a realidade brasileira: um país onde o presidente está, ao que dizem as pesquisas, para ser reeleito no primeiro turno, depois de apanhar durante mais de um ano da unanimidade da mídia grande.
Os senadores tucano-pefelistas insurgem-se contra a idéia de democratizar a mídia. Horripilam-se com a menção aos supostos "comitês populares". Vêem "vocação autoritária" em tudo que sugira controle externo sobre a mídia grande.
Para eles, o status quo existente é perfeito e imexível: meia dúzia de famílias que detêm o monopólio dos meios de comunicação, e transmitem-no de pai para filho, e neto, e bisneto, mesmo quando o talento jornalístico vai rareando à medida que as gerações se sucedem, num processo que parece desafiar a teoria da evolução das espécies.
Linha editorial única
Estas se unem, numa linha editorial única, para bombardear o governo Lula com uma chuva de denúncias que vão das verdadeiras às manipuladas, até as simplesmente inventadas. E enxergam o fim do mundo quando os brasileiros não se deixam convencer de que este é o pior dos governos, e se dispõem a reelegê-lo, ainda por cima, credo, com a proposta de garantir a democratização dos meios de comunicação.
No primeiro mandato de Lula, pode-se dizer que o governo apanhou de zero nessa área. Suas duas tentativas de reforma -- a Ancinav (Agência Nacional do Audiovisual), para regular a produção de cinema e vídeo, e o Conselho Federal de Jornalismo, que exerceria controle externo sobre as atividades jornalísticas sucumbiram rapidamente diante do fogo cerrado da mídia grande. E esse resultado não esteve alheio ao comportamento prepotente da mídia na crise política de 2005. O futuro dirá se o propósito democratizante do programa de governo significa de fato que o presidente e as forças que o apóiam aprenderam a lição.
A íntegra do programa de governo de Lula está aqui.
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