22 agosto 2006

Uma privatização descabida


Ao examinar o mérito da privatização da Linha Amarela do metrô de São Paulo, a Justiça provavelmente terá em conta o momento eleitoral. É suspeito que essa mal chamada parceria público-privada seja efetivada na hora em que o povo se prepara para decidir os destinos do país nos próximos quatro anos. A questão é polêmica, e merece a reflexão serena dos juízes que a examinam.

O governo de São Paulo já investiu a parcela maior do capital para a construção do grande trecho e, agora, vai entregar a sua exploração a um grupo em que predominam empresas estrangeiras. São Paulo não necessitou de capital alheio para construir as linhas que estão operando, nem para a infra-estrutura do novo percurso. Por que entregar a exploração por um prazo de 30 anos aos privilegiados, de certa forma já pré-escolhidos pelo edital? É natural que se suspeite de um negócio deste montante, exatamente na véspera de uma campanha presidencial acirrada.

A abertura das propostas, segundo se informa, ocorreu às cinco horas da manhã. Atos dessa natureza devem ser transparentes, com a presença não só dos interessados mas também dos jornalistas e dos cidadãos contribuintes. Noticia-se igualmente que o governo do Estado arcará com 73% dos investimentos, enquanto o resto ficará por conta dos licitantes, e já se fala na possibilidade de que obtenham, como ocorria durante as privatizações de Fernando Henrique, financiamento do BNDES, ou seja, do Fundo de Amparo aos Trabalhadores. Há mais: o Sindicato dos Metroviários tem sólidos indícios de que a privatização da Linha Amarela é apenas o começo de um processo que levará à privatização total da empresa, no futuro próximo.

Pelo projeto de privatização, o consórcio vencedor não só contará com a receita de bilhetes mas, de certa forma, com os lucros da exploração comercial dos espaços na estação da linha. E o governo garantirá o lucro presumido, mesmo que não haja ocupação plena dos trens: os usuários do metrô de São Paulo estão ameaçados de desembolsar tarifas elevadas, como ocorreu aos usuários de energia elétrica em consequência do apagão.

Os metroviários entraram em greve, como forma de chamar a atenção do povo para o problema. Os usuários do metrô estão, é certo, sofrendo as conseqüências do movimento, mas esse sacrifício passageiro pode significar seu bem-estar futuro. Pelo projeto, os trens serão operados sem a presença do condutor, mediante sistema automático. Essa robotização, além de reduzir o número de trabalhadores, é um risco. Ao ser controlado a partir de um centro de computação, se esse sistema sofrer uma pane, faltará o senso humano do condutor para evitar acidentes. É certo que muitos defenderão essa automatização em nome da "modernidade", que exclui o homem e privilegia as máquinas, mas em um país como o nosso, de mão-de-obra abundante e ociosa, por falta de trabalho, trata-se de uma insensatez.

A licitação, decidida e iniciada pelo governador Geraldo Alckmin, que
a orientou pessoalmente, é uma advertência. Ela confirma o que muitos suspeitam e que eles mesmos anunciam: se os tucanos retornarem à Presidência da República, será retomado o processo de entrega das empresas estatais brasileiras aos consórcios estrangeiros, alguns deles com testas de ferro nacionais. Esta é uma eventualidade que nos deve assustar.

O governador Alckmin, que tem tentado parecer sereno, demonstrou sua prepotência ao exigir que o Poder Judiciário puna os grevistas. Essa prepotência é comum aos tucanos paulistas quando se encontram no poder.

Mauro Santayana é jornalista e colunista político.

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