22 agosto 2006

Efeito "Pedra no lago"


De Franklin Martins
Ainda é cedo para fazer um balanço do impacto dos primeiros dias da propaganda eleitoral na TV sobre o ânimo do eleitor. Mas, a julgar pelas primeiras pesquisas, o quadro é de estabilidade.


Lula segue numa posição muito confortável. Segundo o Ibope, tem 47% das intenções de voto, contra 21% de Alckmin e 12% de Heloísa Helena. Se as eleições fossem hoje, Lula ganharia com folga no primeiro turno, com 57% dos votos válidos contra 43% de todos seus adversários, somados.
A análise dos números mostra que a força de Lula vem do apoio maciço dos setores mais pobres da população. Na chamada classe E, que ganha até 1 salário mínimo por mês, o presidente colhe 59% das intenções de voto; na D, com renda de 1 a 2 SM, sua marca é de 52 pontos; na C, situada na faixa de 2 a 5 SM, de 44%; na B, de 5 a 10 SM, 38%; na A, acima de 10 SM, a única em que perde para Alckmin, o índice de Lula é de 24%, contra 39% do tucano. Registre-se que os segmentos C, D e E, somados, alcançam 85% do eleitorado.
Na classe E, Lula vence Alckmin na proporção de 4 a 1; na D, de 3 a 1; na C, de 2 a 1.
Esses números apontam para um nítido descolamento político entre os pobres e a classe média, o que é uma absoluta novidade no Brasil pós-ditadura militar. Durante os últimos 25 anos, pobres e remediados marcharam juntos eleitoralmente - a classe média na frente e os pobres atrás, é claro. Foi o período do chamado "efeito pedra no lago". Atirada a pedra, ou seja, ocorrido o fato político, produziam-se ondas concêntricas a partir dos formadores de opinião - leia-se, a classe média - que, depois de algum tempo, terminavam chegando as margens do lago, ou seja, à imensa maioria pobre da população. Prevalecia no país um comportamento político-eleitoral razoavelmente homogêneo, apesar das nuanças de ritmo e de discurso. Foi assim na luta pelas diretas, no apoio à Nova República, no impeachment de Collor, no suporte ao Plano Real e ao governo FH. Foi assim também na vitória de Lula em 2002.
Entretanto, na última crise, a do mensalão, isso não se repetiu. Aliás, pensando bem, não se repetiu também no plebisicito sobre o desarmamento.
Nesses dois episódios, ao contrário, as ondas provenientes do centro toparam com um dique, situado, grosso modo, nas proximidades da classe C.
Não só não chegaram às margens do largo, como, bloqueadas, retornaram ao centro, afetando e confundindo os formadores de opinião tradicionais.
Resumindo, a classe média típica, mais presente no Brasil próspero, foi para um lado; o povão, para o outro. Certo ou errado, o povão acha que melhorou de vida com Lula e não quer descer do bonde que, na sua opinião, está transportando-o para dias menos difíceis.
O núcleo duro desse novo comportamento politico está na chamada classe C (entre 2 e 5 SM), que, na verdade, não é uma classe, mas uma confluência de diversos setores, que vão desde a classe operária dos setores de ponta da economia até a classe média tradicional empobrecida, passando pelos segmentos da população que até há pouco tempo estavam abaixo da linha pobreza e ingressaram recentemente no mercado e no mundo da cidadania. É o pessoal que se beneficia do ProUni, do computador de R$ 1.400 comprado a crédito, do micro-crédito etc.
Trata-se de um fenômeno relativamente novo na praça, uma esfinge que desafia os especialistas em marketing eleitoral. Acostumados a décadas de "efeito da pedra no lago", eles têm agora que se adaptar a uma nova situação, onde as margens também têm algo a dizer para o centro, e a formação da opinião pública revela-se bem mais complexa e contraditória do que antes.

Em outras colunas voltarei ao assunto, que não tem só a ver com a política.
Tem implicações muito mais vastas. Afeta também o mercado, a imprensa, os negócios, o mundo da cultura e do entretenimento O certo é que há algo novo no ar. Ou melhor, no lago.

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