08 agosto 2006

Constituinte exclusiva
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O PRESIDENTE Lula apresentou para um grupo de representantes da OAB a idéia de convocação de uma Constituinte exclusiva, idéias que recebe o apoio de alguns juristas e advogados e pesadas críticas de políticos, operadores de direito, jornalistas e formadores de opinião.

Nunca admiti que brasileiros do passado pudessem engessar o futuro da nação. Cada geração tem o direito de decidir seu destino

Pessoalmente, sou favorável à idéia, desde que alicerçada em dois pré-requisitos, a saber: 1) a aprovação da convocação por emenda constitucional com previsão de um plebiscito (no caso de tratar-se apenas da autorização para convocação) ou de um referendo (se os termos da convocação já constarem da própria emenda); 2) que a Constituinte seja exclusiva, podendo concorrer para compô-la, em eleições livres, qualquer cidadão brasileiro, sem necessidade de filiar-se a partido político, exceção feita àqueles que pretendam disputar as eleições seguintes ou estejam no exercício de mandato eletivo.
Seria, portanto, uma Constituinte exclusiva. A solução do plebiscito ou referendo, de rigor, equacionaria problemas maiores, como vício de legitimidade ou de inconstitucionalidade.
Tenho defendido que não há cláusulas pétreas, no que diz respeito a regimes jurídicos ou políticos, sempre que a sociedade, por uma das formas de exercício direto de soberania popular, decida alterar o que constituintes pretéritos entenderam ser o melhor para o país. Nunca admiti, como professor titular de direito constitucional da Universidade Mackenzie e comentarista da Constituição Federal, que brasileiros do passado pudessem engessar o futuro da nação, tornando imodificável disciplina que, no momento da elaboração da Carta Política, entenderam ser a melhor para o país. Os povos evoluem, e cada geração tem o direito, em regime democrático, de decidir seu próprio destino.
Por essa razão, para mim, se, mediante plebiscito ou referendo, o povo optar pela alteração de disposições relativas a regimes jurídicos ou políticos, democraticamente, isso será legítimo, podendo até mesmo a alteração atingir normas pétreas institucionais.
Só não admito alteração no que concerne a direitos fundamentais do ser humano, pois tais direitos são inerentes ao indivíduo, não cabendo ao Estado "instituir" normas a respeito, mas apenas "reconhecê-los".
O plebiscito ou o referendo, conforme o teor da emenda a ser aprovada, representa a vontade popular em determinado período histórico, valendo, a meu ver, mais que a vontade dos constituintes passados. É a concretização da norma contida no parágrafo único do art. 1º da Lei Suprema, ao afirmar que "todo o poder emana do povo, que poderá exercê-lo por meio de representantes eleitos ou diretamente" (veja: diretamente), nos termos do art. 14, incisos I, II e III.
Afastado o óbice da inconstitucionalidade, se a sociedade assim desejar, nada mais legítimo que se convoque uma Constituinte exclusiva.
Apenas no modelo que idealizei quando presidente do Iasp, em 85/ 86 -encampado pelo atual ministro do Tribunal Superior Militar, o então deputado Flavio Bierrenbach-, a Constituinte teria de ser exclusiva e sem a participação de políticos ou cidadãos que pretendessem concorrer a cargo eletivo durante pelo menos o prazo de um mandato após a promulgação do texto supremo, com o que, encerradas suas atividades, voltariam os constituintes para suas atividades normais. Dessa forma, temas essenciais, mas que os políticos deixaram de votar por não terem interesse em aprovar medidas que impliquem perda de poder -como voto distrital, fidelidade partidária, definição principiológica na conformação dos partidos, equilíbrio da representação popular, entre outros-, poderiam ser examinados por juristas, formadores de opinião e demais elementos da população que concorreriam a uma vaga na Constituinte, apontando exclusivamente o modelo constitucional que desejariam. O número de vagas para a Constituinte corresponderia à soma das atualmente existentes para Senado e Câmara, em cada Estado, no que concerne a deputados e senadores.
Estou convencido de que, se fosse exclusiva, os constituintes é que formatariam a atuação dos políticos no interesse da nação, e não os políticos que formatariam a Constituição segundo seu próprio interesse.
É de lembrar que há inúmeros projetos de emenda constitucional para adoção do voto distrital ou da fidelidade partidária que não são apreciados pelo Congresso, como poder constituinte derivado, pois tais matérias não são do interesse dos atuais detentores do poder no Parlamento. Apesar das divergências que mantenho com o presidente Lula em muitos pontos, neste, ele tem a minha adesão, condicionada aos dois pré-requisitos acima mencionados.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS , 71, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, é presidente da Academia Paulista de Letras, do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação de Comércio de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária.

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