21 novembro 2006

A blogosfera lulista e a re-eleição do presidente Lula, no Brasil-2006: a luta continua!


Caia Fittipaldi

Já é assunto resolvido que em 2006, no Brasil, a blogosfera lulista teve papel importante na reeleição do presidente Lula. E também é assunto bem resolvido que, em 2006, a Rede Globo outra vez teve papel decisivo no movimento de impor ao Brasil o segundo turno das eleições presidenciais.

Já ninguém tem dúvidas de que, nas eleições presidenciais de 2006, legiões de eleitores brasileiros sub-informados, quando não ativamente mal informados, foram paralisados, postos em estado de choque e de catatonia política mediante a exibição cenográfica daqueles dinheiros cenográficos, tratados como ‘objetos de cena’ da grande cena chamada então, pela televisão e por todos os jornalões, de “dossiegate”.

Embora esse movimento da Rede Globo tenha tido efeito e resultado finais completamente diferentes do que a Rede Globo esperava obter, não há dúvida de que a Rede Globo conseguiu empurrar as eleições para um segundo turno e deu sobrevida ao seu candidato.

“Jornalismo’ de insultos”

Esse tempo de sobrevida, então, foi usado por todos os jornalões, colunistas e ‘marketeiros’ dos candidatos tucanos-pefelistas, para que se impusesse à sociedade brasileira, pelos jornalões e pela Rede Globo, um muito espantoso “jornalismo de insultos” contra o presidente Lula, candidato à reeleição e seus milhões de eleitores.
A expressão “jornalismo de insultos” é do jornalista Luis Nassif , e descreve muito bem o anti-jornalismo que se fez no Brasil, entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de 2006.

“Sociologia’ de insultos”

Àqueles dinheiros cenográficos exibidos pela televisão e àquele “jornalismo de insultos” acrescentou-se, também pelos jornalões e televisão no Brasil-2006, o que bem se pode descrever como ‘sociologia de insultos’, cuja expressão mais impressionante foram as falas de campanha de FHC, professor-doutor da USP e apresentado ainda como sociólogo sério, mas que, apesar de seus tantos títulos acadêmicos, tentou ‘ensinar’ os eleitores brasileiros a “pôr fogo em palheiro”, dentre outras sandices, e sem qualquer consideração, sequer, pelo decoro acadêmico.

O que já sabemos muito bem

É verdade que tudo isso deu em nada. Mas é indiscutível que a Rede Globo e os jornalões e alguns renomados ‘sociólogos’ uspeanos fizeram, literalmente, o diabo, na direção de influir no resultado das eleições e na direção de DES-democratizar o comportamento político-eleitoral dos eleitores brasileiros.

O que ainda não sabemos muito bem

Dado que a ação da Rede Globo em eleições, no Brasil, pouco tem de novidade e é nossa velha conhecida (e a Rede Globo, afinal, nunca mudou de lado e de discurso, sequer um milímetro, de fato, desde 1964), pode ser chegada a hora de pensar um pouco sobre a ação dos internautas operantes na hoje já chamada “blogosfera lulista”.

Afinal, a seu modo, e como puderam, os militantes da blogosfera, lulistas e milhões de internautas ‘livre-atiradores’ enfrentaram, sim, valentemente a Rede Globo, todos os jornalões e todos os colunistas de todos os jornalões.

Pra não esquecer!

É mais do que hora de reconhecer que, até agora, só a blogosfera lulista enfrentou também toda a escandalosa ‘sociologia’ tucano-pefelista-uspeana de insultos, manifesta em todos os jornalões e na televisão.

A tal de “blogosfera”

Assim, é hora de pensar um pouco sobre a blogosfera, também para começar, nós mesmos, a entender melhor o campo e os personagens de um importante diálogo político de confrontação social radicalmente democrática – não de democracia só superficialmente alinhavada –, que pode estar começando a ser construído no Brasil.

Se esse diálogo de confrontação democrática com a dita ‘sociologia’ tucano-pefelista está mesmo começando a ser construído, não há dúvidas de que ele está sendo construído, de cabo a rabo, por multidões de bravos guerreiros brasileiros democráticos e seus teclados pessoais e domésticos. E esse diálogo de confrontação ainda não chegou nem aos jornalões nem à televisão.

O lado crítico-pessimista da coisa toda

Paul Virilio , que trabalhou com conceitos de uma ciência que atende pelo esquisitíssimo nome de “Dromologia” (a ciência que estuda os efeitos sociais da velocidade; do grego ‘dromos’, velocidade), comparou, já há mais de dez anos, o efeito revolucionário da velocidade internética, para a história humana, ao efeito revolucionário que teve o desenho em perspectiva, no Renascimento, para a história da mesma humanidade, quer dizer, para a nossa história humana de longo curso .

Paul Virilio, não é um crítico otimista da Internet e da sociedade internética. Para ele, a Internet nos deu “o tempo do reflexo e roubou-nos o tempo da reflexão”. Para ele, também, a humanidade ganhou com o desenho em perspectiva, no Renascimento, porque o desenho em perspectiva ajudou o homem a localizar-se e a orientar-se melhor no mundo físico em que vivemos. Por outro lado, para ele, a cibervelocidade está fazendo, agora, com o que o homem se afaste, novamente, primeiro, do contato físico com o mundo; segundo, dos seus-nossos tempos-espaços humanos.

“Existir”, diz Virilio, “é existir in situ, num espaço e num tempo, hic et nunc, aqui e agora. Essa ‘localização’ humana e histórica é, precisamente, a que mais está ameaçada pelo ciberespaço e pelos fluxos de informação instantânea e globalizada. (...). É evidente que essa perda de orientação, essa não-situalização, gerará uma crise profunda, que afetará a vida das sociedades e, portanto, afetará a democracia.”

Virilio também lembra que “nenhuma informação existe sem des-informação. (...) [com a cibervelocidade] está nascendo um novo tipo de des-informação, completamente diferente da censura voluntária. Tem a ver com algum tipo de choque dos sentidos, com a razão perder o controle...”

Pode até ser. Mas atrevo-me a discordar do pessimismo de Virilio, embora eu não discorde de que, sim, a Internet esteja, sim, afetando a democracia em todo o mundo.

O lado otimista-militante da coisa toda

No Brasil, consideradas as eleições de 2006, parece-me, mesmo, que a Internet já afetou a democracia. Mas, no Brasil, afetou-a para melhorá-la.

Ao mesmo tempo, a bem da verdade, reconheço, sim, que esse amelhoramento da democracia brasileira, por ação da blogosfera via a Internet, talvez dependa hoje menos da blogosfera e da Internet do que, de fato, da evidência de que os veículos de comunicação social que se construíram no Brasil, ao longo dos últimos 40, 50 anos – televisão e jornalões –, não são democráticos nem jamais visaram a qualquer melhor democracia.

Estou dizendo que, considerados os veículos de comunicação social muito ruins que se construíram no Brasil ao longo dos últimos 40, 50 anos (jornalões e televisão), praticamente qualquer instrumento que dê voz & palavra aos cidadãos-eleitores para que eles se manifestem com voz própria, ajudará a melhorar nossa democracia.

Estou dizendo também que, no Brasil-2006, a des-informação que a Internet nos tem oferecido (se for esse o caso), está sendo substituída por uma nova informação que a blogosfera lulista está aprendendo a construir; e que essa troca, nesse caso, implica avanço democrático e não implica qualquer perda ‘informacional’.

Estamos aprendendo a nos livrar da ‘informação’ de engambelamento que sempre nos chegou pelos jornalões e pela Rede Globo, ao mesmo tempo em que vamos aprendendo a construir novos discursos para a discussão política social democrática, no Brasil.

Isso parece ser verdade, mesmo que a Internet ainda seja, como ainda é, no Brasil, instrumento quase que exclusivo de comunicação entre os cidadãos eles mesmos, deles pra eles (ou de nós pra nós), e ainda não esteja nem (i) socialmente bem distribuída nem (ii) tenha alcançado, ainda, o status político de instrumento de comunicação social que chegue rapidamente aos ouvidos do poder como, hoje, ainda, só a televisão e os jornalões chegam.

Talvez se deva lembrar – tanto ao poder que esteja por aí, já governante, mas ainda meio sem prestar muita atenção à blogosfera democrática, quanto, afinal, a nós mesmos, da blogosfera lulista, que nos sintamos ainda um pouco ‘desentendidos’, nós mesmos, sobre nossa própria militância político-internética –, uma lição de Marx quando, ainda no século 19, ele impressionava-se (mas não se deixava engambelar por nenhuma ‘sociologia’ oficial ou informação ‘jornalística’), com o significado social da velocidade que as comunicações estavam começando a ganhar, então, com a invenção do... telégrafo:

“A natureza não constrói máquinas, nem locomotivas, nem ferrovias, nem o telegráfo etc. Esses são produtos da indústria humana: material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou da sua atuação na natureza. Essas máquinas são força objetivada do conhecimento social geral. O desenvolvimento das máquinas (capital fixo) revela até que ponto o conhecimento social geral se converteu em força produtiva imediata e, portanto, até que ponto as condições do processo da vida social (...) são produzidas não somente na forma de conhecimento, mas sim como órgãos imediatos da prática social, do processo da vida real.”

Quer dizer: a blogosfera nasceu de dentro da multidão, servindo-se de um instrumento – a grande rede – que, por mais que tenha sido inventado ‘para’ finalidades bélicas, pode bem ter-se revelado mais útil para a sociedade do que, afinal, para seus inventores ‘oficiais’. Mais ou menos como também nasceram de dentro da multidão, mais do que das cabeças ‘personalizadas’ dos respectivos inventores ‘oficiais’, e também são força objetivada do conhecimento social geral, tanto o desenho de perspectiva (no Renascimento), quanto o telégrafo (no século 19) e, de fato, também os tipos móveis de Gutemberg, o astrolábio e, de fato, todas as máquinas.

Com a internet, afinal, então, a blogosfera lulista pode estar, hoje, no Brasil-2006, apenas começando a aprender a construir, nós para nós mesmos, novas competências democráticas também para a comunicação social democrática.

A partir dessas novas competências democráticas, não me parece que seja excesso de otimismo militante esperar que toda a sociedade brasileira talvez consiga, afinal, democratizar toda a mídia-empresa como a conhecemos.

Afinal, se há verdade indiscutível sob o sol do Brasil, em 2006, é que toda a mídia-empresa que conhecemos no Brasil sempre foi insuficiente, como instrumento de democratização da sociedade, sempre, desde que nasceu.

Com a blogosfera lulista, afinal, pode estar acontecendo que, afinal, começa a despertar no Brasil uma ainda não muito bem entendida nova potência da multidão.

Fazê-la potência de democratização e re-democratização da sociedade, da mídia-empresa que temos e da universidade que temos é – ou será, se assim a blogosfera lulista a fizer – tarefa nossa, quer dizer, tarefa exclusiva da própria blogosfera lulista. A luta continua.

Caia Fittipaldi é formada em Lingüística pela USP e especializada em comunicação social e propaganda político-eleitoral. Trabalha com edição na editora Anita Garibaldi, ligada ao PcdoB, e milita na Universidade Nômade, pela internet.

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