14 novembro 2006

Uma vida melhor pra Lulinha


O voto de confiança da família Silva foi plenamente correspondido: quase quatro anos depois de dar o nome do presidente reeleito ao filho caçula, seu pai, Francisco, conseguiu emprego, comprou eletrodomésticos e passou a botar mais comida na mesa


Paula Sarapu


O pequeno Luiz Inácio Matias da Silva, último bebê nascido no ano de 2002, não ganhou este nome por acaso: era um sinônimo de esperança, na véspera da posse do operário Luiz Inácio Lula da Silva. Como o presidente, a família pobre que também deixou o Nordeste para tentar a vida na cidade grande acreditava que o Brasil poderia ser menos ingrato com seus filhos carentes.


Francisco Canindé da Silva, 32 anos, e Itonia Matias de Lima, 29, voltaram ontem às urnas para renovar a crença numa vida mais justa. Os dois contam que, nesses quase quatro anos, enquanto Lulinha crescia na Favela Camarista Méier, na Zona Norte, passaram a comprar sacos de cinco quilos de arroz por quase R$ 7 a menos do que pagavam antes. O prato vazio, segundo eles, ganhou bifes de alcatra ou contra-filé, com direito a refrigerante no almoço e no jantar. A mãe conta que, quando vê o presidente na televisão, o menino diz: “Ó, o titio”.


Quando Lulinha nasceu, Francisco era um recém-chegado do Rio Grande do Norte e estava desempregado. Em casa, Itonia, grávida, e os três filhos — Fernando, Juvenal e Jaína — passavam fome. O aluguel de R$ 80 cobrado pela pequena quitinete estava atrasado e Itonia vivia nervosa, com crises de bronquite.


“Eu não tinha o que dar de comer para meus filhos. Ficava desesperada. Quis homenagear o Lula porque tinha esperança de que nossa vida melhoraria. Ele é nordestino e era pobre como a gente.
Tudo mudou nesses anos. Temos duas geladeiras cheias, freezer para estocar alimentos, TV, DVD, som e o celular mais moderno da loja”, enumera.


Francisco conseguiu trabalho há três anos e hoje é auxiliar de serviços gerais em um supermercado em Inhaúma, com carteira assinada. Ganha R$ 500 por mês, renda complementada por bicos que faz como pintor e eletricista.


“Acho que Lula não está envolvido nos escândalos, apesar das más companhias no seu partido. Votei nele de novo porque Lula pensa nos carentes. Dia 18 de novembro vou para Aparecida do Norte, pagar promessa por ter conseguido emprego. Vou levar um uniforme meu para oferecer à santa e rezar pelo presidente também”, conta Francisco.
O xará do presidente sabe que tem um nome importante na história do País. Pela pouca idade, ainda não entende qual o papel de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas quer ser, quando crescer, o que o presidente da República representa para seus pais: um super-herói.


Mãe festeja seus quilos a mais

O jornal já amarelado que noticia o nascimento de Lulinha está na gaveta de Itonia. Observando fotos feitas por O DIA, ela comenta com orgulho os quilos a mais. “Era magra por falta de comida!
Hoje visto 42, graças a Deus”.


Com a camisa da seleção brasileira e de mãos dadas com o xará do presidente, Francisco também fica emocionado ao lembrar de um passado difícil, quando os filhos ficavam de barriga vazia e não tinham roupas para vestir.


Entre as imagens, havia uma foto do bebê no colo da mãe, ainda na maternidade. “Esta vai ganhar moldura”, diz o pai coruja, que na ocasião não tinha máquina fotográfica para registrar o nascimento do filho.


Muitas vezes também faltou sabonete e pasta de dente para a higiene da família. Mas, ontem, Itonia e Francisco seguiram de ônibus para a paróquia onde funciona sua Zona Eleitoral, com roupas compradas recentemente. Ela, por exemplo, estava de sandálias de salto e batom. O pequeno Lulinha foi junto, “para dar sorte”.


Hora da bronca: ‘Luiz Inácio!’

Itonia recebe R$ 15 por cada um dos três filhos no Bolsa Família. Eles estudam na Escola Municipal Augusto Frederico Schmidt, no Méier, onde Lulinha será matriculado no ano que vem.
Também fazem catequese e aulas de capoeira e balé na paróquia do bairro. De todos, o caçula, chamado pelos pais de Inácio, é o mais levado. Os irmãos dizem que ele é brigão, embora seja o
mais carinhoso com toda a família.


“Quando faz besteira, chamo ‘Luiz Inácio!’ e ele responde ‘Fala, meu amor’. É esperto, vaidoso e muito inteligente. Todo mundo conhece Inácio aqui na comunidade. Muitos o chamam de Lula, Lulinha, presidente... Esse aqui vai dar trabalho”, vislumbra a mãe.


Itonia e Francisco estudaram apenas até a 6ª série, mas acreditam que os filhos podem chegar até a universidade. Como todos os meninos de sua faixa etária, Fernando e Juvenal querem ser jogadores de futebol. Jaína sonha ser médica. “Eu quero que tenham futuro! E sei que podem chegar lá com aquele projeto Universidade para Todos”, acredita Francisco.


BEBÊ VIRA SÍMBOLO DE ESPERANÇA

O pequeno Luiz Inácio Matias da Silva, hoje com quase 4 anos, chegou ao mundo num momento em que o país respirava esperança, com a eleição de um candidato do povo. A gravidez sofrida, sua mãe, Itonia Matias de Lima, 29 anos, prefere esquecer. A vida era pobre e a gestação de Lulinha, marcada pela falta de comida e saúde, por conta da bronquite que acompanhava a preocupação com o bebê.


Ela sentiu contrações quando se arrumava para a festa de Ano Novo, na casa de amigos da comunidade, que depois se tornaram padrinhos do menino. Foi levada no carro de um vizinho para a maternidade Carmela Dutra, no Méier, onde o bebê nasceu no dia 31 de dezembro, faltando três minutos para a meia-noite.


Francisco acompanhou o parto normal, aos prantos. O nome do bebê ainda não tinha sido escolhido e Luiz Inácio foi sugestão de um médico, prontamente aceita pelo casal, que acreditava que Lula mudaria o Brasil. Com pedaço de rabanada e um gole de champanhe, ela festejou a chegada do filho, a virada do ano e a posse do novo presidente do Brasil. O DIA acompanhou os primeiros 15 dias do brasileirinho. Sábado, a família foi localizada com a mesma esperança no futuro.

“Dar o nome do presidente Lula ao meu filho foi o maior voto de confiança”, disse Itonia.


ENTRE OS SONHOS, UM COMPUTADOR

A casa de quatro anos atrás tinha somente uma cama de solteiro, um colchão de casal e três crianças famintas. Agora, são duas televisões, duas geladeiras, um freezer, ventiladores, aparelhos de DVD e de som e brinquedos. O espaço ainda é muito pequeno: no quarto, dormem o casal e Lulinha. Na sala, Fernando, 12 anos, fica no sofá e Juvenal, 9, e Jaína, 6, dormem juntos em um colchão de solteiro.


Os eletroeletrônicos foram comprados no cartão de crédito de uma amiga e a pequena parcela economizada por mês — de R$ 10 a R$ 30 — servirá para a compra de um terreno na favela. Na lista de sonhos ainda estão um beliche, um computador para as crianças e a volta para Natal, onde o filho mais velho, Felipe, 13 anos, mora com a avó.


“Meus filhos não têm infância aqui porque não deixo nenhum deles na rua. Mas têm amor de pai, coisa que eu não tive morando em um sítio de dois quilômetros de terreno. Quero que sejam felizes, acima de tudo”, diz Francisco.


Itonia, que completou 29 anos no dia do primeiro turno das eleições, sofre com a bronquite.
Apesar da recente aquisição de um nebulizador, o marido gasta com remédios e corridas de táxi ao hospital, quando há crises: “Se pudesse, comprava saúde para minha família. O resto a gente consegue aos poucos, com trabalho”.


GRATIDÃO


Sem fazer nenhum pedido, Itonia decidiu escrever uma carta ao presidente da República, agradecendo “pela vida nova”. Ela conversou um pouco com o marido e disse que botaria no papel o que estava sentindo. Comentou, ainda, que não tinha do que reclamar dos primeiros quatro anos de governo Lula e que espera, em 2010, escrever outra carta.

“Quero ter a oportunidade de dizer ‘obrigada’ novamente, por outras realizações que, tenho certeza, conseguiremos”, afirma.


Francisco também pensou numa maneira especial de agradecer ao presidente.
“Eu quis levar o meu Lula aos comícios que o presidente fez durante a campanha aqui no Rio, mas achei que os seguranças dele poderiam não entender a nossa vontade de chegar tão perto dele”, lembra.


Pouco antes do resultado final da votação, por volta das 20h do dia 29, Francisco ligou para O DIA, comemorando: “Olha o Lula lá de novo!”.

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