21 novembro 2006

Se não mudam eles...


Uma mídia mais democrática e plural dependerá de que estejamos sempre em guarda, bem atentos e vigilantes. Dispostos a operar, em nós mesmos, alguma transformação, e, a partir daí, e só a partir daí, mudar os meios - e assim, quem sabe, mudar o mundo.

Se não mudam eles, mudemos nós.

A grande imprensa passa, todos sabemos, por uma crise tamanha, que já vem de alguns anos. Os primeiros sinais dessa crise foram primeiro percebidos pelos que trabalham nas redações – ou seja, pelos próprios jornalistas. Foram eles: seguidos cortes de funcionários nas mais diversas editorias (o tão temido e sempre afiado “facão”), crescente precarização das condições de trabalho (inclusive, com redução de salários, aumento da carga horária etc.), contratação indiscriminada de estagiários em substituição a experientes jornalistas demitidos, redução ou extinção dos núcleos de qualidade (revisão e consultoria em língua portuguesa, por exemplo), das equipes de checagem etc.

Depois, já bem perceptível aos olhares externos (dos leitores e observadores da mídia), tivemos a exacerbação do emprego de procedimentos não muito éticos a orientar/balizar a linha editorial desses veículos. Em seguida, como decorrência dos passos e procedimentos citados anteriormente, observou-se a progressiva perda de qualidade desses jornais e revistas, deu-se, por fim, a perda de credibilidade desses meios.

Na célere esteira da perda de qualidade e credibilidade, veio, claro, a perda de leitores (com a redução da venda em bancas e cancelamentos de assinaturas), a redução da quantidade de anúncios e, por conseguinte, da receita – note que essa redução da quantidade de anúncios fez proliferar a propagação, cada vez maior, de maneira insidiosa até, de anúncios de página inteira ou de duas páginas, em detrimento do conteúdo editorial. Em alguns dos grandes jornais, notadamente aos sábados e domingos, os leitores e assinantes praticamente pagam por um jornal, mas, na verdade, levam para casa um grande encarte publicitário, com uma notícia aqui e outra acolá. O departamento comercial, cada vez mais, engole a redação. Ou seja, engole as notícias, matérias e artigos.

Bom, esse é o quadro já mais ou menos conhecido por todos. Resta-nos então uma questão: o que fazermos, na condição de leitores, diante de um quadro tão desolador? A resposta é simples: buscar nova fonte de informação, em outra “freguesia”. Na linha do: se não mudam eles, mudemos nós.

Devemos, cada vez mais, prestigiar as iniciativas de um jornalismo independente, alternativo. Como já disse em textos anteriores, devemos voltar nossos olhares de leitores a veículos como as revistas Caros Amigos e CartaCapital, a sites que representam iniciativas do tipo cooperativas de jornalistas e/ou estudantes de jornalismo, como o FazendoMédia (de estudantes de comunicação do RJ), o NOVAE e outros, aos blogs de jornalistas e, claro a indispensável, essencial, valorosa Carta Maior. Assim, no médio prazo, transferiremos com a nossa audiência prestígio a esses veículos alternativos, tornando-os também atraentes aos anunciantes e, com isso, tornando-os cada vez mais independentes de verbas públicas e anúncios governamentais. Porém, por enquanto, esses veículos ainda não podem prescindir desses anúncios. E, registre-se, para que se calem os maledicentes, cabe, sim, a um governo democrático estimular ao máximo o dissenso na mídia financiando e patrocinando esses veículos alternativos à grande mídia. Já não bastam os imensos e majoritários recursos destinados pelos governos (municipal, estadual e federal) aos veículos da grande mídia? Porém, quando os recursos públicos servem para saciar a sede por recursos desses veículos, nunca é impróprio ou “imoral” – e o que é pior: nunca é o bastante. Não é mesmo?

Quantos colegas, aqui mesmo da Carta Maior (e disso sou testemunha), isso sem falar nos outros veículos citados, já não trabalharam, por meses a fio, sem receber salário. Só na base do amor à camisa. Só pela causa de trabalhar num veículo mais independente, independente dos interesses das oligarquias e do grande capital. E ainda vem alguns incautos dizer-nos que somos “vendidos” ou “comprados” pela publicidade de empresas do governo e que, por isso, somos “governistas”. Não importando se, sempre que necessário ou cabível, também criticamos o governo e seu partido. Queriam o quê!? Que grande corporações transnacionais patrocinassem a Carta Maior!? Como, se esse é um dos poucos órgãos da nossa imprensa que faz a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores e das minorias, que faz uma divulgação, mais completa e abalizada, de todos os Fóruns Sociais mundo afora, que condena e denuncia peremptoriamente o coronelismo, as oligarquias e o trabalho escravo. Que batalha, enfim, por um outro mundo possível. Na verdade, devemos louvar o Estado que financia esse tipo de iniciativa, esse tipo de mídia.

Porém, também devemos mudar enquanto leitores. Devemos buscar mais e diversificadas fontes de informação. E, mais do que isso, devemos mudar a nossa postura. Devemos também nos qualificar mais enquanto leitores, tornar-nos mais críticos – leitores mais qualificados são essenciais na consolidação de uma mídia mais democrática, plural, pluripartidária e de qualidade. Devemos ler mais, beber em outras/diversas fontes, participar mais dos fóruns de debates, perder o pudor, timidez ou medo de expressar nossa opinião, dar o recado.

Mudemos como, aparentemente, mudou o presidente do Partido dos Trabalhadores, Marco Aurélio Garcia, que demonstrou, em recente entrevista, que não aceitará mais ser pautado pela mídia conservadora, que não mais aceitará suas (dela, grande imprensa) teses eivadas de intrigas, infâmias e maledicências. Garcia – conforme saiu nas manchetes dos “jornalões” –, “demonstrou irritação com a mídia”. Na verdade, ele apenas ousou confrontar a empáfia e petulância de alguns jornalistas de certos veículos que se acham donos da verdade, do mundo e da razão. Oxalá outros dirigentes do PT, e dos demais partidos de esquerda, de agora em diante, tenham uma nova postura diante da arrogância e prepotência da grande imprensa. Não podemos nos deixar pautar pela mídia.

Como disse na minha crônica de duas semanas atrás (leia aqui), já levamos a grande mídia às cordas – na metáfora da luta de boxe. Espero que tenham aprendido a lição. Porém, o preço da consolidação de qualquer conquista é a eterna vigilância. Devemos, pois, manter os olhos bem abertos aos golpes da grande imprensa, eles jamais cessarão. Devemos, da nossa parte, contribuir para uma solidificação dos veículos da imprensa alternativa (como os já citados aqui). Uma mídia mais democrática e plural dependerá de que estejamos sempre em guarda, bem atentos e vigilantes. Dispostos a operar, em nós mesmos, alguma transformação, e, a partir daí, e só a partir daí, mudar os meios - e assim, quem sabe, mudar o mundo.

Lula Miranda

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