09 novembro 2006

A NOITE DO TIO BONNER


No debate, o mediador manda nos candidatos e dá bronca nos convidados

No comando, titio vai da arrogância, na hora do puxão de orelha, à humildade



POR MAURICIO DIAS


Corria morno, na tela da Globo, o último debate da eleição presidencial, entre o presidente Lula e Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, na noite de sexta-feira 27 de outubro, quando o mediador William Bonner encerrou o primeiro bloco e chamou os comerciais.

Em casa, era bem provável que o telespectador já desse os primeiros bocejos diante do quarto e último confronto televisivo entre dois candidatos que, àquela altura, já não tinham mais nada a dizer um para o outro e, muito menos, para o eleitor-telespectador. No estúdio da emissora, no entanto, o clima esquentou nesse intervalo.

Foi William Bonner que, de voz empostada, mostrou aos presentes quem mandava no pedaço. O estúdio plantado no Projac, na zona oeste do Rio de Janeiro. Havia 80 convidados. À direita do apresentador, 40 petistas e, à esquerda, 40 tucanos. As duas torcidas estavam separadas pelos jornalistas que, além dos técnicos e de alguns intrusos, compunham o cenário.

Informado pela técnica de que havia interferência no áudio de um dos candidatos, Bonner, irritado, lembrou do aviso que dera anteriormente, sobre a necessidade de desligar celulares e quaisquer outros aparelhos de comunicação. Mas foi além, e deu vazão a um raivoso pito naqueles que supunha responsáveis pela interferência. Diante de 13 ministros de Estado, três governadores eleitos pró-Alckmin e três governadores eleitos pró-Lula, do prefeito da cidade Cesar Maia e de vários parlamentares (o presidente da Câmara e o presidente do PSDB, o senador Tasso Jereissati) Bonner atacou o que pode ter sido um descuido sem dano algum.

O sinal de um pager, ou de outro aparelho, invadiu o áudio de um dos candidatos. Senhores, não é possível existir assunto tão urgente que só possa ser tratado neste momento. Falei antes e vou falar de novo: é preciso que desliguem os aparelhos de comunicação, ordenou.

Aos poucos, com a voz vários tons acima do que recomenda qualquer manual de boas maneiras, disse que não se importava de ser chamado de tio Bonner (como um jornal o apelidou por reações iguais) e encerrou com uma ameaça: "Se isso acontecer de novo, vou chamar os seguranças e retirar do estúdio seja quem for. Não vou querer saber se é autoridade, não me interessa a patente".

Os convidados, que até então ouviam a bronca calados, protestaram. Do lado tucano, ouviram-se ruídos. Maior reação houve do lado dos ministros, que ensaiaram uma vaia para o apresentador. "Isso, senhores, me ridicularizem", reagiu, diante de dois presidenciáveis constrangidos.

Não foi a primeira vez que Lula e Alckmin se sentiram assim naquela noite do tio Bonner. Antes do debate, enquanto os profissionais apontavam as máquinas para os dois candidatos, eles tiveram de encenar uma coreografia para as câmeras. Chamados para sair de trás do cenário e caminhar para o centro do palco, recebiam uma lição de cordialidade: um aperto de mãos, candidatos.

O script exigia que o tucano e o petista se cumprimentassem. O bom-mocismo protocolar provocou um mal-estar mútuo entre os dois. Desmontada a pose, os dois pareciam aliviados.

No início do segundo bloco do debate, Bonner mudou. Não se sabe se alertado por alguém, o apresentador do Jornal Nacional transitou da arrogância para a humildade.

"Senhores, passei esse bloco inteiro me remoendo com a grosseria que fiz. Gostaria que me desculpassem".

Os convidados dividiram-se entre tímidas palmas de apoio e palavrões sussurrados em desabafo.

Fonte: Carta Capital

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