25 outubro 2006

Eleições: o que está em jogo?


Por: ALEXANDRE BARBOSA e RICARDO AMORIM


"Resistir à visão ideológica dominante seria um gesto quixotesco, que serviria apenas para suscitar o riso da platéia, quando não o desprezo do seu silêncio.(...) [Mas] como a história ainda não terminou, ninguém pode estar seguro de quem será o último a rir ou a chorar." - Celso Furtado em ´A Construção Interrompida´

Mais uma eleição, políticos falando e tudo parece resumir-se a questões técnicas ou intrigas momentâneas. Aí reside o problema: eleição não é uma desavença conjuntural. Por trás dela, há um sonho: o de sermos uma nação. Enfim, o país está aberto a mudanças e dois projetos só aparentemente iguais disputam o poder. É preciso então chamar a atenção para o que realmente importa. É preciso enfatizar que estes projetos possuem, potencialmente, sentidos opostos em termos de desenvolvimento. O que seremos ou deixaremos de ser no século XXI será jogado nestas eleições.

Como assim? Como todas as demais nações, no último quarto de século, fomos obrigados a engajar-nos na globalização que, por suas transformações, mas principalmente pela nossa ausência de projeto nacional, deixou-nos literalmente a ver navios. A indústria só agora engatinha em alguns setores, tentando levantar-se do desastre dos anos 1990. Ao mesmo tempo, a nossa escandalosa distribuição de renda timidamente apresenta sinais de melhora devido a ações diretas do Estado, mas a desigualdade regional ainda não foi efetivamente combatida.

É essencial ter claro que a globalização não é um processo apolítico e a opção por uma inserção subordinada começou com Collor e se aprofundou com FHC. Ao aderir acriticamente às políticas do Consenso de Washington, com o objetivo expresso de controlar a inflação, o Brasil comprometeu boa parte da indústria nacional, do emprego formal urbano e da classe média, além de precarizar a capacidade de regulação e de prestação de serviços públicos.

O incrível é ver que após 10 anos de abertura, desregulamentações, privatizações e mais sete de elevado superávit primário, a economia brasileira não cresceu, o desemprego continua elevado, a renda do trabalho perdeu participação no PIB e o Estado não recuperou a sua capacidade de investimento. Porém, a sempiterna elite brasileira continua exigindo mais das mesmas reformas. Por quê? Para pagar mais juros?

Ora, é preciso fazer como os países de economia pujante: planejar e implementar uma política industrial, com ênfase no capital nacional, sem desperdiçar outras oportunidades, inclusive com as multinacionais sediadas no Brasil, incentivando o desenvolvimento tecnológico e pressionando por uma nova posição no sistema internacional do trabalho.

Em segundo lugar, é fundamental desmistificar a frágil idéia de empregabilidade, que joga sobre o trabalhador a culpa pelo seu desemprego e pela baixa renda. A história econômica mundial mostra que no mundo capitalista desenvolvido a vitória sobre o desemprego só aconteceu entre os anos de 1950 e 1970. Ali, os países ricos, através do Estado de Bem Estar Social, impuseram o pleno emprego e valores sociais ao mercado. No Brasil, foi o crescimento econômico até 1980 que trouxe elevados níveis de geração de empregos. Mas é preciso enfatizar que isso só ocorreu por conta do planejamento estatal em prol da industrialização do país. E mesmo assim, continuou imenso o batalhão de excluídos da proteção social e da legislação trabalhista.

Assim, quando se abriu o país, a partir de 1990, e a produção nacional semi-estagnou, os jovens melhor formados que seus pais e, agora, com menos direitos, não encontraram vagas no mercado de trabalho. Simplesmente porque o que gera vagas é o crescimento econômico e a ação planejada do Estado. Destarte, as elites falam em reforma da Constituição Cidadã de 1988 e enxugamento da CLT. Ou seja, sem nunca terem incluído, agora querem tirar direitos dos que têm, rebaixando todos à condição de trabalhadores precários.

Em terceiro lugar, ninguém mais defende retomar o desenvolvimento por substituição de importações. Este, por sua própria configuração sócio-econômica e por suas opções políticas, ampliou a concentração de renda e se localizou preferencialmente no Sudeste, agravando as desigualdades regionais. O que fazer então?

Após 10 anos de abertura a economia não cresceu, o desemprego está elevado e a renda do trabalho não tem participação no PIB

O problema é que os grupos que controlam a formação de capital no país são os mesmos que ocupam posições estratégicas próximas ao poder. Mais, desde os anos 1990, reconstruiu-se, sob novas bases, a aliança conservadora entre as elites brasileiras. Esse consenso foi turbinado pelo Plano Real, quando até os donos de indústria se beneficiaram indiretamente com a política econômica: bastava aplicar na esfera financeira os capitais antes ampliados na produção. Isto é, a elite apenas trocou o local de acumulação de riqueza, sustentada agora na colossal dívida pública criada nos anos 1990 e na venda de ativos estatais da ordem de US$ 100 bilhões.

Logo, dado o poder concentrado nas mãos dessa elite - que extravasa os bancos e corretoras, para corroer a densidade crítica das classes médias, da imprensa e demais formadores de opinião - não há como esperar uma fácil remoção dos obstáculos que impedem o desenvolvimento do país.

O presidente Lula apenas tangenciou o desafio a ser enfrentado pela nação. Não conseguiu condicionar os juros e o câmbio às necessidades de transformação do tecido produtivo nacional e o conservadorismo teve muito espaço na sua ânsia de agradar o capital internacional e a elite rentista nacional.

Hoje, um verdadeiro projeto nacional deverá atuar em três frentes complementares: recuperação do papel do Estado, dinamização do mercado interno com redução da desigualdade e fortalecimento da nossa competitividade internacional. Este é o desafio que temos adiante.

Alguns exemplos já estão em andamento: as novas prioridades e o aumento no volume de recursos do BNDES, a ampliação do Pronaf, o Biodiesel, os vários programas de inclusão social, a valorização do salário mínimo, o Bolsa Família, o maior ritmo de expansão do emprego formal, a vitalidade de alguns pólos produtivos regionais no Nordeste e no restante do país, a política externa multipolar e a diversificação regional das exportações brasileiras. Mas tais iniciativas ainda carecem de um eixo articulador: a substantiva elevação do investimento público e privado, início e fim de qualquer processo de crescimento com inclusão social.

Não está claro, neste momento, se o antigo líder operário conseguirá aglutinar em torno de si, num segundo mandato, os setores organizados da sociedade civil e da produção para viabilizar este projeto de transformação nacional. Mas esta é a única opção que nos resta, a ser construída antes e depois das urnas.

Sobre o outro projeto? Trata-se de um filme conhecido e que se reprisado, não terá o verniz elegante do sociólogo, assemelhando-se mais àquele dirigido pelos tecnocratas do nosso passado ditatorial.

Alexandre de Freitas Barbosa é doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da UNICAMP.

Ricardo Amorim é doutorando em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da UNICAMP.

Fonte: Valor Online

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