09 outubro 2006

Chumbinho de espalho


No debate da Band, o autoritarismo totalitário de Alckmin se revelou, de forma cristalina, na crítica que fez à política externa do governo. Queria, por acaso, o ex-governador, que Lula enviasse força expedicionária à Bolívia, a fim de retomar o controle das instalações da Petrobras?

Mauro Santayana

Em 1989, logo depois da visita a Roma de Lula e de Fernando Collor, perguntei a veterano político italiano, que estivera com os dois, qual fora a sua impressão de um e do outro.

“Bem” – me disse – “ambos me pareceram verdes, se pensamos nos políticos europeus. Mas Lula me pareceu boa matéria prima para se construir um estadista. Collor já está feito em sua vocação. É um cover-boy. Um belo garoto-propaganda de si mesmo.”

Lembrei-me disso, ao assistir ao debate de domingo (8) entre Geraldo Alckmin e Lula, antes mesmo que Marta Suplicy se referisse ao ex-governador de São Paulo como “boneco de plástico”. O Sr. Geraldo Alckmin estava visivelmente contrafeito em agir como se fosse ventríloquo de seus aliados do PFL, ao convocar Lula para a agressividade.

Não era o seu estilo, não era a sua conveniência. Cedera às pressões dos oligarcas do Nordeste que têm, além do desejo de poder, razões mais fortes para detestar Lula: o sertanejo de Pernambuco iniciou o processo de aposentadoria política desses senhores de engenho, para os quais – conforme a forte definição de Antonio Callado – a honra familiar e o banheiro só podem existir na casa grande.

O presidente relutou, insistiu em elevar o debate, mas foi obrigado a responder com ironia às provocações do adversário. Uma coisa ficou clara: o médico se comportou como um valentão de bar – ao chamar Lula de mentiroso – e o metalúrgico se manteve com elegância. Não devolveu a Alckmin os insultos, e se esquivou dos ataques de ordem pessoal. Não tocou em assuntos que embaraçariam o seu oponente, como o caso da Daslu e o caso dos vestidos. Enfim, Lula se manteve como um cavalheiro.

O autoritarismo totalitário de Alckmin se revelou, de forma cristalina, na crítica que fez à política externa do governo. Queria, por acaso, o ex-governador, que Lula enviasse força expedicionária à Bolívia, a fim de retomar, manu militari, o controle das instalações da Petrobras? Se fosse presidente da República, Alckmin declararia guerra a La Paz? Repetiria, contra os índios do Altiplano, o ódio de Pedro II contra o os paraguaios, pelo fato de o ditador Solano López ter ousado insinuar a intenção de casar-se com uma das filhas do imperador? Nesse ponto, a postura do atual presidente foi a mais correta. Tratou de mostrar os êxitos inegáveis da política externa, confirmados pelo saldo dos balanços comerciais e de pagamentos. E respondeu, de forma irretorquível, com o acerto de sua política ao admitir a importação de produtos da China: o saldo comercial é superavitário para o Brasil.

Lula disse a Alckmin que ele não poderia resolver em quatro anos os problemas criados por “eles” em quatro séculos. Alckmin respondeu que o PSDB não existe há 400 anos, e não houve tempo para que Lula retorquisse, esclarecendo que “eles” não são o PSDB, mas todas as oligarquias brasileiras, que vêm dominando o país desde que Tomé de Sousa chegou à Bahia.

É interessante registrar uma curiosidade. Se Alckmin foi eleito vereador aos 19 anos, antes de concluir seu curso de medicina, se foi, em seguida, eleito prefeito e, depois, deputado – quando foi que sua excelência exerceu a medicina em tempo integral, a ponto de dizer a Lula que ele entende de saúde e o presidente, não? Como se sabe, Alckmin é anestesista – especialidade que, em alguns países, é vista apenas como técnica auxiliar na cirurgia.

Lula tem munição na cartucheira para abater elefantes. Por enquanto, pelo que se viu e ouviu, usou só chumbinho de espalho. Mas, nos próximos debates, se o adversário continuar nos ataques rasteiros, o presidente pode acionar a sua bazuca.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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