15 outubro 2006

Com o acirramento dos conflitos podemos ter o país dividido e o movimento social radicalizado



Essas eleições estão trazendo à baila cenas pitorescas, típicas da “sociedade do espetáculo”, investigada pelo teórico francês, Guy Debord, em meados dos anos 60. Debord dizia que vivemos numa sociedade hegemonicamente midiatizada por imagens, num reino autocrático da autonomia mercantil, que goza um status de irresponsável soberania. O oposicionismo anda cheirando a fascismo. Alimenta o ódio de classe, instiga preconceitos, tenta criar uma situação de desestabilização do governo mas, não dispõe força orgânica suficiente para mobilizar a população. A oposição escarafuncha a vida pessoal do presidente Lula a procura de algo que possa ser o tiro fatal no governo.
A grande imprensa e algumas instituições, como o Tribunal Superior Eleitoral, nessas eleições, estão na berlinda. Nas redações, há um ranger de dentes, um inconformismo em ver um governo sob ataque cerrado, há mais de um ano, se manter ostentando o mais alto índice de apoio popular. A grande imprensa está fora de foco. Tem demonstrado que não está compreendendo a mudança do país. A maior parte do eleitorado ignora os ataques da oposição e da potencialização negativa das informações. A forma preconceituosa como a grande imprensa tem tratado os fatos e o governo, e o privilégio dispensado ao candidato tucano, deixa claro nessa disputa que ela tem lado. Isso se transformou num libelo para os pesquisadores que se dedicam ao estudo do comportamento da imprensa.
Outro aspecto não só do comportamento da grande imprensa, mas de autoridades de instituições como o TSE, e aqui vale lembrar as declarações do presidente Marco Aurélio Mello, é que parecem desconhecer as organizações do movimento social, em destaque o PT. Após a posse do presidente Lula os grandes jornais e grandes redes de TV demitiram experientes profissionais de jornalismo das redações e contrataram para substituí-los pessoas recém-formadas, que pegaram o bonde andando, sem saber de onde vem e nem para onde vai.
Outro dia, no famoso “tapete verde” da Câmara dos Deputados, um local frenético de concentração de políticos, uma jovem jornalista, que cobre política para um importante jornal, perguntou numa roda de conversa quem era esse novo personagem do escândalo, Gregório Fortunato, “eminência parda” do presidente da República. Os mais velhos soltaram uma gargalhada. Um deles explicou à jornalista que Gregório Fortunato era um assessor do ex-presidente Getúlio Vargas e não do presidente Lula.
Essas pessoas não conhecem bem a história do país e muito menos o PT. Talvez não sabem que o PT tem mais de 1 milhão de filiados e controla a maioria dos movimentos organizados do país. O ministro Marco Aurélio Mello, também, não deve ter a dimensão da capacidade de mobilização do PT. Passou dos limites com suas decisões prejudiciais à candidatura do presidente Lula e declarações inadequadas a um magistrado no exercício de tão importante função pública. A partidarização da justiça eleitoral é um perigo. Uma decisão inconseqüente do TSE, sem levar em consideração a decisão das urnas, pode dividir o país de Norte a Sul, acirrar os conflitos e levar o movimento social a uma radicalização da luta política.
Por outro lado a escalada dos conflitos nessas eleições está contribuindo positivamente para unir o PT, que estava dado como liquidado depois da crise política. Segundo pesquisas eleitorais, mesmo vivendo essa situação dramática, o partido deve eleger aproximadamente o mesmo número de deputados para a Câmara Federal e talvez até superar as expectativas. Isso porque a máquina partidária é a maior e mais eficiente do país.
Dependendo do resultado das eleições, o PT terá uma nova tarefa pela frente.
Retomar a organização da população, principalmente das camadas mais pobres que demonstraram convicção em sua opção de apoio ao governo Lula. Esse voto de identificação de classe é um potencial importante para um novo passo no avanço da organização dos de baixo. O presidente Lula, numa de suas sínteses de análise social disse, num de seus discursos, que a classe média não controla mais o voto dos empregados domésticos nem dos porteiros dos edifícios. Isso é uma ruptura em relação à dominação do voto, que historicamene se orientou pela chamada classe de formadores de opinião.
Com o andar da carruagem, mantido o atual governo, é possível que no próximo mandato a oposição, com a colaboração da grande imprensa e do TSE, poderá criar uma situação que justifique um impeachment do presidente Lula. Tudo indica que terá grande maioria no Senado, o suficiente para se instalar uma crise de desdobramentos imprevisíveis. O jogo é pesado, mas o PT não é de recuar e sabe a força que tem, deve recorrer à mobilização da população e o impasse pode ser criado. A crise política, até o momento restrita à Esplanada dos Ministérios, pode se estender às ruas e praças das cidades.
Isso não interessa ao establishment .
O que a oposição parece não ter compreendido é que o projeto de governo do presidente Lula conta com forte apoio, não só das organizações do movimento social, que participam ativamente da política de inclusão social, mas da grande maioria do empresariado duramente atingido pela política econômica dos tucanos ao longo de oito do governo Fernando Henrique Cardoso e que agora se reabilita com a estabilidade e o crescimento econômico. O empresariado entendeu o projeto do governo, que pode ser resumido na construção da infra-estrutura, há mais de duas décadas sem os investimentos adequados, e num conjunto de programas de combate à pobreza, cujo poder de compra dos beneficiados está gerando um mercado interno promissor para o crescimento sustentado da economia. O próximo governo vai aprofundar o projeto de inclusão social, investir mais no desenvolvimento econômico,
reconstruir a infra-estrutura e aumentar a geração de empregos. Todas as denúncias de corrupção estão sendo investigadas pelas instituições responsáveis com o apoio irrestrito do presidente Lula. Seguramente, o governo conquistará mais apoio popular e as chances de um retrocesso serão remotas, para desespero da oposição.
O governo, por sua vez, precisa cuidar de suas fragilidades. Não pode mais incorrer nos erros primários que lhe causaram tantos problemas. Francamente, assessores Chapolim Colorado devem ser barrados no portal dessas eleições.
Amigos, amigos, política à parte. Não é possível mais colocar em risco um projeto construído com tanto sacrifício de pessoas dignas e de sonhos.
O portal está cada vez mais próximo. Resta saber como será a vida depois dessa passagem. Que a ética humanista abra as asas sobre nós e os erros não mais se repitam.


Laurez Cerqueira é jornalista e escritor, autor de “Florestan Fernandes vida e obra” e “Florestan Fernandes – um mestre radical.”

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