07 outubro 2006

Lula – Princípio de realidade em política


Michel Plon (*)


Não sendo « especialista » em Brasil, seu povo, sua história, sua economia e sua política, como por exemplo Alain Rouquié, pode parecer um tanto indecente que um cidadão do “primeiro mundo”, independentemente de seus laços e, mais ainda, de seu amor por esse país, se atreva a externar um julgamento sobre o resultado do primeiro turno da eleição presidencial, isto é, sobre o fato de o Lula ter de enfrentar o segundo turno. Arrisco-me, no entanto, impulsionado pela raiva e pela decepção.
A imprensa brasileira – que em sua grande maioria não disfarça o prazer que lhe deu esse resultado, ou melhor, o prazer que ele dá aos donos da imprensa – e a imprensa francesa enfatizaram a surpresa em relação às pesquisas que previam a vitória de Lula no primeiro turno.
A explicação para esse resultado, visto como derrota, era o último “affaire” envolvendo um grupo de pessoas próximas ao presidente: compra de documentos que comprometeriam um homem político de direita. Mas, supondo-se que isso seja a verdadeira razão desse relativo fracasso – relativo é preciso que se enfatize, pois nenhum presidente francês, nem mesmo De Gaulle foi eleito em primeiro turno – seria preciso tentar verificar em que camadas da população esse escândalo teve um impacto. Tal trabalho será feito certamente, nos próximos dias ou semanas, por especialistas em eleições e pesquisas. Mas os cálculos e as estatísticas não podem substituir a reflexão nem a teoria em matéria política.
Último escândalo ou não, o verme já estava na fruta pelo menos há dois anos: as declarações, as deserções e outras acusações contra Lula não pararam, principalmente vindas daqueles que pertencem ao que chamarei de “classe intelectual”: professores universitários, jornalistas, escritores, pensadores de diversos campos, psicanalistas, entre outros. Alguns deles não pararam de atacar Lula, para a mais completa satisfação da direita. Esses mesmos intelectuais que o atacaram devem constituir uma fração importante do milhão de votos que faltaram ao Presidente.
O que não tivemos de ouvir durante os dois últimos anos desses meios intelectuais: críticas a Lula que se referiam menos aos escândalos – marcas da incultura governamental do PT cujos dirigentes não tinham feito cursos em institutos de Ciência Política – do que ao fato de Lula não ter rompido com o FMI, ter continuado a pagar a dívida externa, etc... Enfim, ele não fez A revolução, não tinha se mostrado digno das figuras carismáticas, tutelares, mas também um pouco anacrônicas de Fidel Castro, do Che ou de alguns outros. Inúmeros especialistas, economistas, cientistas políticos, sociólogos, no entanto mostraram, com provas, que essas reclamações eram irrealistas e mesmo inconsistentes e que Lula, mesmo se não foi um presidente perfeito, melhor para ele, fez um bom trabalho com os meios que tinha, principalmente no tocante à população mais pobre.
A razão mais profunda desse relativo fracasso não está numa justa avaliação dos resultados obtidos ao fim desse primeiro mandato; ela estaria, a meu ver, no fato que aqueles que chamei de “intelectuais” e que tiveram “escrúpulos” de votar em Lula, preferiram se satisfazer dispersando seus votos por candidatos que sabiam não ter nenhuma chance séria. Cedendo ao gozo histérico, faziam até mesmo a mímica de vomitar ao ouvirem apenas a menção do nome de Lula, esquecendo-se ou sem nunca terem querido saber que em matéria de política, mas não somente, ao se querer TUDO rapidamente se obtém NADA. E este “nada”, em matéria de política e para um intelectual que se pensa de esquerda... É a direita, qualquer que seja sua sigla, PSDB ou outro.
Ao agir dessa forma, a classe intelectual brasileira funcionou como um espelho da mesma classe francesa, pôs o que ela chama de moral, probidade ou espírito revolucionário (de salão) em primeiro plano. Espírito revolucionário de salão, pois nada é mais excitante que uma revolução feita ao redor de uma mesa de aperitivo, sabendo-se que para o essencial, a saúde, a educação, a casa ou simplesmente a... sobrevivência não se está arriscando nada.
Claramente o que ocorreu, deliberadamente ou não, conscientemente ou não, a todos os que votaram segundo seus ideais, foi que eles acreditaram, mais ou menos fantasmaticamente, nos seus desejos e os tomaram por realidade. Eles esqueceram ou ignoraram que em alguns casos há uma grande distância entre as utopias políticas e a realidade cotidiana. Em matéria de política, tal atitude conduz, queira-se ou não – para além do voto e do partido mais à esquerda que Lula ou outros – a votar na direita.
Para se convencer disso basta olhar a alegria no domingo à noite do candidato do PSDB, que não esperava tanto: o presente para ele não vinha do céu, mas dos eleitores que abandonaram Lula. A esquerda intelectual francesa, que parece não ter aprendido nada do passado, das eleições de 2002 em particular, está prestes a reeditar essa derrota, a garantir a eleição de Nicolas Sarkozy, cuja política fará a de Madame Thatcher parecer social-democrata!
Amigos intelectuais brasileiros, por favor, parem de sonhar, voltem à terra com aqueles que não a possuem (MST) e que mesmo insatisfeitos com as reformas feitas por Lula não se enganaram em sua grande maioria. No dia 29 de outubro, espero que seja o voto em Lula que vocês marcarão na urna, para que uma experiência política única, a de um Presidente não-diplomado, enraizado em sua classe de origem, uma experiência humana, isto é, cheia de falhas e de erros, mas preocupada sempre em construir, a qualquer custo, uma vida melhor para os mais fracos, possa continuar.

Michel Plon é psicanalista francês, casado com a jornalista brasileira Leneide Duarte Plon

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