02 outubro 2006

Sensacional análise publicada no site do jornalista Luiz Carlos Azenha, "Vi o Mundo"


Danuza Leão desabafa: enfim livre para expressar o ódio de classe

Antes que Geraldo Alckmin conseguisse avançar para o segundo turno das eleições, os analistas tucanos chegaram perto de dizer a frase clássica: o povo brasileiro não sabe votar.

Agora vão dizer que sabe, ainda mais quando vota com a gente para aposentar o Lula.

Gilberto Freyre, descanse em paz, que ainda tem gente que pretende dividir este país em casa grande e senzala.

Nhonhô e sinhá acham que devem escolher os candidatos certos.

Pois eu acho que Fernando Collor e Paulo Maluf conquistaram mandatos legítimos.

Se vão ou não ficar longe da cadeia é outra história.

Depende da futura atuação da Polícia Federal, que andou mexendo em vespeiro, apurando negócios de gente acostumada ao contrabando e à sonegação de impostos.

Nada que não possa ser desfeito, em futuro próximo.

Em outro comentário publicado neste site, afirmei que nossos comentaristas estavam defasados em relação às mudanças que aconteceram no Brasil.

Para desqüalificar uma eventual eleição de Lula em primeiro turno, eles já ensaiavam um coro: a velha história de que o Brasil atrasado, dos grotões, daria outro mandato ao presidente.

Quando eles falam em Brasil atrasado querem dizer, sem dizer, que os paraíbas nunca aprendem.

Em meu comentário, eu dizia que graças à ascensão social da classe C, resultado de doze anos de políticas públicas de transferência de renda e de avanços significativos obtidos durante o governo Lula, os coronéis locais estavam tendo seu poder qüestionado nas franjas.

É importante notar que este poder foi mantido, essencialmente, através de concessões de rádio e tevê obtidas em troca de favores durante os mandatos de José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.

O resultado mais interessante da eleição, até agora, foi sem dúvida a vitória do petista Jacques Wagner para governador da Bahia.

A oligarquia perdeu seu coronel mais simbólico, Antônio Carlos Magalhães.

Roseana Sarney, senhora de engenho do Maranhão, vai ter de enfrentar um inesperado segundo turno.

José Sarney, concorrendo ao Senado pela capitania do Amapá, suou sangue para derrotar uma ex-policial.

São, pois, ótimas notícias, muito mais relevantes do que a eleição de Maluf - aliás, eleito no colégio eleitoral supostamente mais bem informado e sofisticado do Brasil: São Paulo.

Dá para sentir a vibração das asas dos comentaristas tucanos que dominam as redações de emissoras de tevê, jornais e revistas no eixo Rio-São Paulo.

Alguns deles estão felizes porque se sentem à vontade para expressar, em público, o desprezo social pelos do andar de baixo.

Escreveu Danuza Leão na Folha de S. Paulo, no domingo de eleição:

Uma vitória [de Lula] no domingo será um perigo; com as tendências totalitárias do presidente, corremos riscos: do fechamento do Congresso (já se disse tentado) à censura à imprensa.

Depois: E vamos parar com essa história de preconceito. Uma coisa é gente simples, outra coisa é essa gentalha que ocupou - e ainda ocupa - cargos importantes no governo.

E mais adiante: Lula é fraco e se sente inferior diante de pessoas sérias, inteligentes e articuladas, sobretudo quando elas falam português.

Censura à imprensa?

Onde é que ela estava quando a grande mídia brasileira disparou duas semanas de petardos contra Lula, enquanto poupava os candidatos tucanos do mesmo ímpeto investigativo?

Gente simples.

O que é gente simples?

É aquela que abaixa a cabeça e vota de acordo com o que quer o andar de cima?

Alguém aí se lembra do terror feito por um presidente da Fiesp que, diante da possibilidade de vitória de Lula, fez a previsão de que 800 mil empresários se mudariam para Miami?

É onde pertencem. Danuza, mulher de bom gosto, prefere óbviamente Paris.

O terror está de volta, agora em novo sabor: censura e fechamento do Congresso.

Não vivi aquela época, como Danuza viveu, mas acredito que foi este mesmo clima de terror inventado que justificou a intervenção dos militares em 64, em defesa da famíla, da moral e dos bons costumes.

Qual é o português que ela quer ouvir o presidente Lula falar: o de Sarney? o de Collor? o de Antônio Carlos Magalhães?

Ela está pagando escola para a criadagem?

Danuza Leão, mulher inteligente, fez do jeitinho que muita gente gostaria de fazer.

Botou para fora o que estava reprimido, escrachou: pobre no governo dá merda, ainda mais quando cisma em jogar nosso dinheiro de impostos para comprar o voto de outros pobres nordestinos - como Danuza é carioca, deve se referir a eles como paraíbas.

Foram justamente os paraíbas que puseram para correr o coronel ACM, que sobrevivia até hoje graças aos conchavos com o andar de cima ao qual Danuza Leão pertence.

Guilherme Afif Domingos esteve perto de ganhar a vaga de Eduardo Suplicy no Senado.

Muita gente se cansou do estilo sonso do petista.

E Afif está tentando popularizar uma causa impopular: a do corte dos impostos.

Pobre não tem imposto de renda descontado na fonte, nem empresa que paga imposto.

A carga tributária é altíssima no país que tem a maior desigüaldade de renda do planeta.

Como fazer para que a classe média e até mesmo os pobres se convençam de que é preciso cortar impostos?

Com campanhas educativas, bem didáticas.

Dizendo, por exemplo, que 30 por cento do que é pago por um litro de leite é por conta dos impostos.

Se os impostos forem retirados, pagarei trinta por cento a menos no litro de leite?

É a pergunta que não se faz.

Por absoluta coincidência, a capa da revista Veja no fim de semana da eleição botou um elefante em cima do contribuinte.

É o peso dos impostos que, segundo a revista, esmaga a classe média e torna as empresas brasileiros menos competitivas.

Estado mínimo, é o que a turma da Danuza está pedindo.

Ela está à procura de um liberal puro sangue para fazer o trabalho sujo que nenhum político quer fazer no Brasil: o segundo tempo da privataria, corte de impostos e redução dos programas sociais no limite da irresponsabilidade.

Implosão social? Basta construir mais presídios do que escolas.

Um novo choque de capitalismo, à la Ronald Reagan.

Esse filme eu vi, porque morava nos Estados Unidos.

Reaganomics, era como se chamava.

A primeira coisa que Reagan fez, ao assumir, foi enfrentar uma greve de controladores de vôo.

Venceu e dizimou o que restava de sindicalismo organizado.

Cortou impostos alegando que, assim, as empresas poderiam investir mais e gerar mais empregos.

As empresas americanas se reorganizaram no período: demissões em massa, mão de obra disponível, salários mais baixos e corte de benefícios e programas sociais.

Os ricos ficaram mais ricos, os pobres mais pobres.

Na época, entrevistei o economista John Kenneth Galbraith, em Boston.

E ele notou, com absoluta originalidade, a instalação de um ciclo de pobreza em torno das grandes cidades americanas.

Aquele, que o mundo só descobriu quando o Katrina devastou Nova Orleans.

Drogas, violência, mães solteiras, famílias desestruturadas, jovens sem perspectiva, mão de obra para a criminalidade.

A entrevista, feita nos anos 80, descreve o Brasil de hoje, onde querem ressuscitar a Reagonomics.

A opção do eleitor é entre um estado mínimo ou um estado engajado em redistribuir renda e, portanto, combater a violência, a mortalidade infantil, o analfabetismo, a miséria, a falta de saneamento básico.

Um estado que invista em gente.

Que crie um mercado interno, como o que está sendo criado, finalmente, no Nordeste - graças aos programas de transferência de renda dos governos FHC e Lula.

A eleição não será entre políticos limpos ou sujos.

Tem limpos e sujos dos dois lados.

Será sobre duas concepções de Estado.

Quanto a Danuza Leão, é uma pena que ela ainda não tinha se convertido em analista da política brasileira durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Ela poderia, então, ter aplicado a sua argúcia aos irmãos Mendonça de Barros, um dos quais, se eu me lembro bem, agiu nas privatizações no limite da irresponsabilidade.

Então, não estávamos falando de 1,7 milhão de reais em dinheiro vivo usado para tentar comprar um dossiê; falávamos em bilhões de dólares de patrimônio público transferido para o andar de cima.

Aquele foi apenas o começo do estado mínimo.

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