18 outubro 2006

Vida para as Crianças


Dom Mauro Morelli


Declaração de Voto



Ao longo dos anos de ministério pastoral, mais de trinta na periferia de São Paulo e na Baixada Fluminense, sempre procurei caminhar atento e solidário ao clamor do povo pela vida com dignidade e esperança.

Na Páscoa de 2005, após grave acidente e longa recuperação, o papa João Paulo II dispensou-me das obrigações de bispo diocesano, a meu pedido, para poder dedicar minha vida à defesa e à promoção do direito humano básico ao alimento e à nutrição. Sonho com um mundo em que crianças não sejam concebidas e geradas para viver uns poucos dias (Isaias 65,20).

Ao lado de Betinho, de Bizeh e de dom Luciano, seguindo as pegadas de Josué de Castro, do Padre Cícero e de dom Helder, desde a primeira hora participo da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.

Através da mobilização social e da solidariedade queremos criar a cultura do direito humano básico ao alimento e à nutrição. Cremos que a solidariedade somente é virtude quando a justiça é honrada, por isso buscamos dotar o país de diretrizes e estruturas de segurança alimentar e nutricional sustentável.

A Política de Segurança Alimentar e Nutricional tem o direito como fundamento, a preservação do meio ambiente como determinante, a saúde do povo como objetivo e a nutrição materno infantil como urgência.

Com João Paulo II afirmamos, ainda, que somente através de ação orquestrada entre família, sociedade e governos, pode-se efetivamente garantir a cada habitante de nosso país e do mundo o acesso à alimentação adequada em qualidade e quantidade.

Neste processo ressalto a importância da parceria do Presidente Itamar Franco com o Movimento pela Ética na Política. Com a criação de o Conselho de Segurança Alimentar - CONSEA, a realização da primeira Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em julho de 1994, e outras medidas cuja enumeração este espaço não comporta, bases foram assentadas e diretrizes definidas para o desenvolvimento do Brasil, tendo a segurança alimentar como um de seus eixos.

Com a extinção do CONSEA pelo presidente FHC, o direito à alimentação adequada perde espaço e proeminência na agenda política. A ruptura da parceria entre governo e sociedade retardou o processo de superação dos males da fome.

Posteriormente, o Senador Antônio Carlos Magalhães recoloca o problema da fome na agenda política do Congresso Nacional. Na reta final do atual mandato presidencial, o mesmo senador contribui para a aprovação da Lei 11.346 que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Aliás, uma iniciativa e tarefa inacabada do Governo Lula.

Apesar da presença constante do Senador Suplicy, o Partido dos Trabalhadores, tendo priorizado a busca de solução para o problema da fome no Governo Paralelo, efetivamente não deu respaldo ao Presidente Itamar e ao CONSEA. No Instituto da Cidadania, porém, o combate à fome tornou-se um de seus principais temas.

Com o surgimento do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar, em 1998, desencadeia-se nos Estados nova etapa da luta contra a miséria e os males da fome. O Presidente Itamar Franco, então Governador do Estado de Minas Gerais, em parceria com o Fórum Mineiro de Segurança Alimentar, cria e estrutura o primeiro CONSEA Estadual.

Desde o final de 1998 acompanho cada passo que levou Minas Gerais a ser o Estado pioneiro em Segurança Alimentar e Nutricional, criando comissões regionais, realizando programa de projetos associativos de segurança alimentar e construindo a Lei 15.982/2006 que define as Diretrizes e determina a implantação do Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável.

Com a sabedoria política do Governador Aécio Neves, honrando e dando continuidade e maior abrangência ao legado de Itamar Franco, Minas Gerais avança na abertura de caminhos para a superação da miséria e dos males da fome. Em seu novo mandato, como consta do plano de governo, o processo de regionalização e municipalização deverá se consolidar e novas metas serão atingidas. Assim, Minas Gerais estará contribuindo para a gestação de um novo modelo brasileiro de desenvolvimento.

De não menor importância, relembro o Mutirão lançado pela 40ª. Assembléia Geral da CNBB, em 19 de abril de 2002, como resposta às "Exigências Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome" (Doc. CNBB. 69).

Com a eleição de Lula para a Presidência da República, em 2002, o "combate à fome" ganha espaço e notoriedade mesmo além de nossas fronteiras. Porém, desde a primeira hora ficaram evidentes os limites estruturais do Estado Brasileiro, comprometido com a cidadania de apenas um quarto de sua população, e os equívocos da compreensão e dos encaminhamentos do próprio governo.

Aplaudindo o esforço despendido e o volume de recursos canalizados em programas de combate à fome, observo que sociedade e governos em geral ainda tratam o problema da fome como questão de assistência social e de caridade ou favor! Nenhum direito humano deve ser tratado como uma questão de assistência social, embora em situações de grave risco ou geradas pela negação de um direito sejam necessárias medidas de assistência social.

A concepção das duas candidaturas que, em segundo turno, disputam a Presidência da República, sobre causas e soluções para a exclusão social, a miséria e a fome, pode ser semelhante, mas decididamente não é igual.

São, porém, semelhantes na repetição da eterna cantilena de que o desenvolvimento econômico, pura e simplesmente, será o remédio que haverá de curar nossos males. Em verdade, enquanto o Mercado for o regente e mandatário de nossas vidas haveremos de colher os frutos da voracidade que lhe é peculiar. Alguém acredita que o meio ambiente poderá continuar correspondendo aos desmandos de nosso desperdício? Além dos cortes e outras manipulações dos economistas, não seriam necessárias e urgentes outras mudanças que nos tragam mais saúde e vida? Onde entram os objetivos e as metas do milênio? Alguém mais teria coragem de afirmar que a frugalidade é nossa vocação e destino?! O que nos desfigura é a riqueza e a miséria!

Em 1992 o Movimento pela Ética na Política considerou a concentração de renda e o alimento transformado em moeda como as mais graves expressões de corrupção no país.

O pecado persiste até hoje, sem qualquer indicação de mudança! Ao lado das grandes riquezas que são produzidas, agrava-se a degradação ambiental e cresce a exclusão social gerando miséria e fome. Vivemos numa sociedade abortiva e cada vez mais violenta e cínica. Grande desafio será garantir de fato o direito à reprodução, à gestação, ao nascimento e a uma vida digna e feliz através da justiça social, da educação e da promoção da cidadania.

Causa-me indignação saber que milhões de bois e vacas destinados à exportação sejam tão bem conhecidos e rastreados. Tudo se sabe sobre sua genealogia, gestação e nutrição. Vergonhosamente os governos, nos três níveis da federação, pouco ou quase nada sabem sobre a nutrição e a saúde de seu povo. Basta consultar o banco de dados do SISVAN e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

Desde que o INAN foi extinto nada foi criado em seu lugar. Proponho que, no Ministério da Saúde (não seria da Doença?) ou da Educação, seja criado o Departamento ou a Secretaria Nacional de Alimentação e Nutrição para articular a efetiva implantação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição, com suas sete diretrizes. Fundamental que as estatísticas tenham rosto, nome e endereço em se tratando da vida de nossa gente, especialmente as crianças.

Enquanto alimento for transformado em moeda e lastro da balança comercial, não haverá "Fome Zero" e nem "Nutrição Dez", menos ainda um povo saudável, inteligente, criativo e bem humorado! Aliás, o povo simples e modesto em suas pretensões nada mais deseja do que casa para morar, escola para as crianças e trabalho!

Espero que a política agrária e a política agrícola, tendo a segurança alimentar e nutricional como objetivo, sejam definidas a partir das respostas a estas perguntas: O que plantar? Por que plantar? Como plantar? Para quem plantar? Em geral são os pequenos e médios produtores que abastecem a mesa do povo em qualquer recanto da Terra. Aliás, o Brasil não é problema, mas solução para o problema da fome no mundo.

Na mesma perspectiva e com o mesmo objetivo, a descentralização e o desenvolvimento local podem tornar-se as bases de um país próspero e saudável Igualmente, a preservação do meio ambiente não seja mera concessão, nem a economia solidária considerada uma utopia.

Finalmente, sem erradicar o analfabetismo o Brasil não sai do atoleiro da corrupção e da miséria. O Papa João Paulo II já nos advertia que o analfabeto quase sempre é explorado econômica e politicamente!

Em conclusão, não quero discutir virtudes e pecados dos governantes e de seus auxiliares. Arrogância, mediocridade, mesquinharia, futricas e corrupção normalmente vicejam nos palácios. Recomendaria aos governantes, na escolha de seus colaboradores, que levassem em consideração os conselhos de Jetro a seu genro Moisés (Êxodo 18,21).

Depois de dois anos de árdua e leal cooperação com o Governo Alckmin/ Lembo, como conselheiro e presidente do CONSEA-SP, não coloco esperança alguma na candidatura da coligação Por Um Brasil Decente em relação à defesa e à promoção do direito humano ao alimento e à nutrição, pelo contrário temo retrocesso.

Espero que o Presidente Lula receba mais um mandato e que possa superar as contradições que caracterizam o Estado Brasileiro e afetam seu governo. Não se trata apenas de combater a corrupção, mas cultivar uma proposta ética de desenvolvimento. Impossível servir a dois senhores, o Mercado e o Povo. Voto por uma economia com mercado, justa e solidária. Reine a Ética, governe a Política e submeta-se o Mercado.


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