18 outubro 2006

Ei jornalistas, é hora de reconhecer a lambança


Argemiro Ferreira

"Lula, de onde é que veio o dinheiro?" - perguntou Elio Gaspari no título da coluna de ontem, em "O Globo", "Folha de S. Paulo", "Zero Hora", "Estado de Minas", "Correio Braziliense", etc. "Qual a origem do dinheiro?" - tinha perguntado na véspera a coluna de Arnaldo Jabor, no mesmo "O Globo" e provavelmente ainda no "Jornal da Globo" (que não costumo ver) e talvez mais meia dúzia de veículos.

Na manchete de segunda-feira, "O Globo" já dizia no subtítulo: "Tucano cobra origem do dinheiro". E a "Folha", na mesma linha, também destacara na chamada de primeira página que Alckmin "quis saber de onde veio o dinheiro sujo para a compra de um dossiê fajuto". O "Estadão", sempre na direita, está ainda mais fixado no dinheiro: "Tucano em tom agressivo cobra do petista explicações sobre corrupção".

Minha pergunta a toda a grande mídia é outra. Que jornalismo é esse que se pratica no Brasil? Observem as três fases da marcha da insensatez golpista contra Lula:

1 - a tentativa fracassada do impeachment, por mais de um ano;

2 - o desespero para inverter a tendência do eleitorado, em parte bem sucedido no primeiro turno;

3 - e afinal - quem sabe? - apoio ao golpe aberto, se o povo, teimoso, ignorar a mídia e insistir na reeleição.
Ainda a fúria da elite branca

O lado insólito de todo esse quadro, capaz de refleti-lo como um espelho claro de nossa "elite branca" (obrigado, governador Lembo, por defini-la tão bem), é a quase unanimidade. Só na crise de agosto de 1954 a mídia foi tão unida no esforço golpista. Mesmo assim, naquele episódio havia dois jornais fora do coro no Rio, então capital federal: a "Ultima Hora" e "O Radical" ousavam defender o presidente Vargas.

Hoje eles estão "todos juntos", num coro afinado que lembra o "Pra Frente, Brasil" de 1970, agora com Geraldo Alckmin no papel que foi do general Garrastazu Médici. E naquele tempo em que apoiaram a ditadura militar foram todos muito bem recompensados, até construíram sedes novas. A novidade agora, no entanto, é a adesão aparentemente voluntária dos jornalistas, aliados às cúpulas empresariais.

Parece sintomática, sob esse ângulo, a repetição quase literal dos títulos das colunas de Jabor e Gaspari - uma no dia 10, a outra no dia 11. Trata-se de algo que no jornalismo de pouco tempo atrás (talvez até os espetáculos circenses de Roberto Jefferson na TV) seria impedido, como falha técnica, por qualquer profissional atento que estivesse de plantão à noite e deparasse com aquela anormalidade no jornal.

O coro promíscuo da grande mídia, tão zelosa na adesão à campanha de seu candidato, não hesita em abraçar até seus bordões e slogans. Isso não costumava acontecer antes. Tampouco ocorreu no passado igual unanimidade de jornalistas e colunistas influentes, alguns menos ostensivos mas outros - como Merval Pereira de "O Globo" - fazendo trabalho mais adequado a comitê eleitoral do que a redação.
"Não é indagação-acusação honesta"

Entendo ser lícito esperar tal coisa de quem serviu à ditadura - como Alexandre Garcia, secretário de Imprensa demitido pelo ditador Figueiredo por falta de decoro. É difícil recuperar a reputação de um jornalista que, como ele, garantiu um dia que o ministro Mário Henrique Simonsen seria mantido no cargo e no dia seguinte, desmentido, posou sorridente na praia para fotos ao lado do ministro sumariamente afastado.

O pior para todos eles é existir uma realidade concreta bem diferente da fantasia que vendem ao País. Desde domingo proclamam em coro, veículos e jornalistas, que o candidato Alckmin ganhou o debate da Band. Como não foi essa a avaliação do eleitorado (as pesquisas mostram crescimento de Lula e queda de Alckmin em todas as faixas), agora inventam teoria singular: o público tem pena de candidato que perde o debate.

É a tese de Fernando Rodrigues, da "Folha", e outros. Mas a "Folha", felizmente, ainda tem a voz isolada de Janio de Freitas, que viu Alckmin como misto do pior de Lacerda e Collor - a agressividade compulsiva de um e a arrogância do outro. Sobre o "de onde veio o dinheiro", definiu: "Não é indagação-acusação honesta. Não há nenhuma sugestão objetiva, nem sugestão, de que Lula tenha algo a ver com o negócio do dossiê".

Com essa exceção, talvez mais uma ou outra, os jornalistas parecem acorrentados a um pacto promíscuo. Por exemplo, sem nada em comum na biografia, Gaspari e Jabor repetem a pergunta que cabe à Polícia Federal fazer às pessoas presas em conexão com o dinheiro. Fazê-la a Lula é só engrossar o bordão do PSDB. Por que insistir nisso?
Caseiro santo, delegado à deriva

Fazer propaganda, claro, é mais fácil. Fariam jornalismo se investigassem o delegado Edmilson Pereira Bruno. Agindo por conta própria (ou a serviço do PSDB), prendeu os petistas acusados de "tentar comprar" o tal dossiê e - depois de afastado do caso, pela maneira não ortodoxa com que agia - voltou às escondidas e passou à imprensa, na véspera da eleição, as fotos do dinheiro, "para destruir Lula".

A única coisa concreta contra Lula obtida pelo tal delegado foi a citação do nome do churrasqueiro do presidente, Freud Godoy - agora atribuída à intimidação dele. "Freud explica" foi a criativa frase adotada pela premiada Miriam Leitão e outros como bordão, dias e dias, até a PF e o Ministério Público isentá-lo de culpa no caso. (O único a pedir desculpas por manchar a reputação alheia foi Gustavo Ioschpe, na "Folha".)

O fracasso do jornalismo da grande mídia - desprezado pelo eleitorado, como provam as últimas pesquisas - resulta da obsessão anti-Lula, que passa por cima dos fatos. Como os que cercam o caseiro Francenildo, causador da demissão de um ministro. Ele continua canonizado na mídia, ninguém (além da "CartaCapital") quer saber do estranho depósito na conta dele ou da chantagem de que seu suposto pai biológico se diz vítima.

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