06 novembro 2006

O debate necessário


Por: Marcelo Beraba

Embora uma parte das críticas à imprensa sejam tentativas de intimidação, não resta dúvida de que a cobertura das eleições foi falha

O FIM DA ELEIÇÃO presidencial no domingo passado não foi suficiente para fazer baixar o tom das críticas do PT, de membros do governo federal e dos partidos (vencedores e derrotados) à imprensa. As queixas e acusações contra os meios viraram rotina desde o ano passado, quando a Folha publicou as denúncias de corrupção feitas pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson contra o governo federal e sua base aliada no Congresso.
Ao longo da semana passada, a situação ficou mais tensa com as agressões sofridas por jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada, as críticas desferidas por membros qualificados do governo federal e pelo governador reeleito do Paraná, Roberto Requião, e os interrogatórios dos jornalistas da revista "Veja" pela Polícia Federal no inquérito em que foram chamados como testemunhas, mas se sentiram interrogados como réus. Esses fatos provocaram forte reação editorial dos meios.
A minha impressão é de que esta foi a campanha em que a imprensa foi mais duramente questionada. Certamente a internet teve um peso importante porque criou, e não pára de expandir, o novo espaço de circulação e enfrentamento de idéias sobre o papel da mídia e sobre a cobertura específica desta eleição. É um debate que os meios tradicionais têm dificuldades de acolher.
Identifico três aspectos nas críticas agora direcionadas à imprensa. Primeiro, há o questionamento em relação à qualidade das coberturas, o que abrange a precisão das informações, o equilíbrio editorial, os enfoques e os vieses.
Embora uma parte das críticas esteja contaminada pelo ressentimento e outro tanto faça parte da tentativa de intimidar os meios, não tenho dúvida de que foi uma cobertura falha. Houve erros factuais graves e em vários momentos ficou patente, pelos exageros e pela insistência em picuinhas e irrelevâncias, a má vontade com Lula e o seu governo.
Mas os meios fizeram o que tinham de fazer ao divulgar ininterruptamente e com visibilidade as dezenas de denúncias de corrupção, irregularidades e tramas "alopradas". Devem ser criticados, neste capítulo, por não terem ido mais fundo por conta própria, perpetuando a dependência das CPIs (e, portanto, do jogo eleitoral), da Polícia Federal e do Ministério Público.
E devem ser criticados pelo que deixaram de fazer. As administrações tucanas no Estado e na cidade de São Paulo, por exemplo, foram mal cobertas. Evidência desse desinteresse, no caso da Folha, é que a informação sobre o déficit financeiro do Estado só apareceu no finalzinho do primeiro turno e por esforço da colunista Mônica Bergamo -fora, portanto, da cobertura rotineira do jornal.
E os leitores ainda esperam um balanço da política de segurança pública no Estado nos últimos 12 anos para que possam entender como foram possíveis as seguidas explosões de ataques do PCC que paralisaram São Paulo e cidades do interior. Essas falhas podem ser estendidas para outras áreas da administração pública cobertas esporadicamente e sem profundidade.
As críticas relativas à qualidade e ao enfoque das coberturas fizeram aflorar dois outros questionamentos legítimos, mas nem sempre bem direcionados. Primeiro, o papel da imprensa numa sociedade em desenvolvimento e numa democracia em construção. Junto, a discussão sobre a democratização dos meios de comunicação, aí entendidas principalmente a política de concessão de rádios e TVs e a altíssima concentração de audiências e do bolo publicitário, que sustentam o modelo de comunicação construído a partir da década de 1960.
Em relação ao papel da imprensa, um parêntese: há um grave problema quando um intelectual como Marco Aurélio Garcia, chefe da campanha vitoriosa da reeleição e presidente em exercício do PT, assim reage aos repórteres que querem informações sobre o futuro do partido: "Cuidem de suas Redações que nós cuidamos do PT". Engano: interessa à sociedade brasileira e, portanto, à imprensa o que acontece no PT e como será formado o novo ministério.
A discussão sobre o papel da imprensa e sobre a democratização dos meios está contida, mas não será assim por muito tempo. Antes restrita a setores das universidades e a líderes de movimentos sociais, a discussão explodiu, nesta eleição, na internet. A imprensa tradicional erra ao não dar espaço para o debate esclarecedor das idéias e propostas em jogo (mesmo as que considera equivocadas) e a só se manifestar quando se sente agredida. O longo silêncio que se concede faz parecerem histéricos, desproporcionais ou meramente corporativos os gritos que emite quando lhe pisam os pés.

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