28 setembro 2006

DEBATE ABERTO

Alguns pontos a poucos dias das urnas

Depois de fazer uma varredura na internet e nos jornais, eu e o meu amigo Saul Leblon chegamos a uma conclusão: os órgãos de imprensa e pessoas físicas têm todo o direito de ser contra uma candidatura. Mas não de, em nome disso, semear o terrorismo.

Flávio Aguiar

Eu e o meu amigo Saul Leblon andamos fazendo umas varreduras pela internet e jornais de leituras sugestivas e desalinhadas de manchetes e comentários variados. Isto não quer dizer que jornalistas ou comentaristas citados concordem com as nossas conclusões ou posições, que são de total responsabilidade nossa. Começamos pelo blog do Emir, aqui mesmo nesta página, pinçando as idéias fundamentais de seu texto:

1) Qualquer que seja o juízo que se tenha do governo Lula – mais ou menos severo nas críticas –, o quadro político está fortemente polarizado entre direita e esquerda. É o eixo central dos enfrentamentos neste processo eleitoral.

2) Caso vença o candidato tucano-pefelista, ninguém, no campo da esquerda, dos movimentos sociais, do campo popular e do pensamento crítico, será poupado da sanha direitista que se apossou da elite brasileira. Inclusive no seu aspecto criminalizador dos movimentos sociais e diretamente repressivo.

3) Não bastassem os apelos a Carlos Lacerda, as comparações com Watergate, o editorial da FSP de domingo passado (“Degradação”) é parecido com o do Correio da Manhã, nas vésperas do golpe de 1964 Foi taxado, corretamente, de lacerdista por Luis Nassif. Querem criar um clima de agosto de 1954, ou março de 1964 – deslegitimando governos e preparando o impeachment, caso a vontade popular se volte contra eles.

4) É a direita unificada, como há muito não se via. Praticamente todo o grande empresariado, a totalidade da grande mídia privada monopolista, todos os partidos da direita – e outros que um dia não foram de direita – aderidos ao bloco tucano-pefelista, unidos na mesma campanha contra a candidatura de Lula.

5) A esquerda tem que mostrar agora que sabe distinguir os campos de enfrentamento, mais além das diferenças que têm. A esquerda que não distingue o campo e os movimentos da direita, não é esquerda. A esquerda tem que demonstrar, diante dessa feroz ofensiva da direita, que sabe colocar em prática uma política de frente única contra o poder do dinheiro, das armas e da palavra – pilares do poder no mundo atual.

6) Trata-se, assim, nesta reta final da campanha, de ganhar os votos suficientes para consolidar a vitória no primeiro turno e abrir os espaços para que a esquerda retome a iniciativa e coloque com força seu objetivo fundamental – um Brasil pós-neoliberal.

Depois percorremos algumas manchetes na internet:

1) Lula seria reeleito já no 1º turno, diz CNT/Sensus (UOL)

2) Peritos não encontram escuta ilegal em linhas do TSE (Terra)

3) Desemprego cai e renda sobe em SP, diz Seade/Dieese (UOL)

Fomos aos jornais, e vejam a pérola que encontramos:

O ex-presidente (FHC) insinuou que poderia haver um golpe de Estado nos próximos anos, caso o presidente Lula seja reeleito. (jornal Valor, 26/09)

Voltamos à internet e entramos no blog do jornalista Franklin Martins, onde deparamos com uma interessante análise do completamente desinteressante (a não ser pela mentalidade que revela) comentário sobre a pesquisa encomendada ao Ibope, a respeito da relação entre pobreza/riqueza, cor da pele, origem regional e uma propalada tolerância com a corrupção.

Diz o conceituado jornalista que esta matéria “é séria candidata ao primeiro lugar da campanha 'Vamos envenenar este país' em curso em muitos jornalões brasileiros. Jogando com números de uma pesquisa do Ibope que não prova nada, a matéria [do Estadão] tenta sustentar a tese de que os nordestinos, os pobres e os negros dão menor valor à questão ética do que os habitantes do 'Sul Maravilha', os ricos e os brancos”.

Franklin não só mostra que os números levantados pelo Ibope não autorizam tais conclusões, como faz um juízo dos mais severos:

“Na realidade, as variações são mínimas, estão dentro da margem de erro da pesquisa e não indicam absolutamente nada. Aliás, se alguma coisa pode se depreender desses números é que, na valoração da questão ética, há um padrão razoavelmente homogêneo nas diferentes regiões do país – e não o contrário.”

Mas há mais. O Estadão avalia também que a pesquisa do Ibope permite estabelecer relação entre cor de pele e rigor moral: “Os que se autodeclaram brancos são mais implacáveis com a ética: 88% não votariam num corrupto; os que se autodeclaram pardos cobram menos e 85% não votariam em indiciados por corrupção; mas os que se autodeclaram pretos são os menos rígidos com a ética: só 82% negam o voto a corruptos”. Queira-se ou não, a idéia que se passa é de que, quanto mais escurinha for a cor da pele, maior será a frouxidão com valores éticos.

Tenha a santa paciência. Está claro que o jornal tinha uma tese. Encomendou a pesquisa para dar-lhe sustentação, digamos, científica. O levantamento, porém, não comprovou o postulado (ou o preconceito). Se houvesse bom senso, arquivava-se o assunto. Mas, como alguém quer provar, sabe-se lá por quê, que o povão não “está nem aí” para a corrupção e que nossa elite tem padrões morais dignos de Catão, a pesquisa rendeu matéria.”

Não pretendíamos tirar conclusões dessas leituras, deixando-as inteiramente para os leitores. Mas duas se impõem.

1) Órgãos de imprensa e pessoas físicas têm todo o direito de ser contra uma candidatura. Mas não de, em nome disso, semear terrorismo, semear e (a)colher preconceitos dos mais odiosos deste país.

2) Apesar da intensidade dessas campanhas grotescas, que cobrem como poluição o nosso céu, existem frestas de inteligência e liberdade nas comunicações, e das mais variadas tendências e colorações, e vale a pena pesquisá-las, reuni-las, e compor janelas de arejamento.


Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior.

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