29 setembro 2006

Os estatutos da razão


Mauro Santayana

O mais difícil, nas horas graves, é manter a serenidade. Há certos princípios óbvios que sempre têm servido para dar a ordem possível à vida social. Quando esses princípios são violados, as sociedades pagam alto preço, até mesmo em sangue, antes que recuperem o senso político.

Nas últimas horas os ânimos se exacerbam, de um e de outro lado da disputa eleitoral. Se esse descontrole se limitasse aos partidos e candidatos, já seria ruim, mas vem comprometendo as instituições republicanas, que devem ser resguardadas a qualquer preço. Uma coisa são os governos, que devem ser transitórios, e convém que neles se alternem partidos e pessoas; outra coisa são o Estado e suas instituições que, não podendo ser eternas, devem ser duradouras. Em qualquer crise política, é preciso preservar a sociedade nacional, o que só se consegue com as instituições republicanas mantendo sua solidez e sua credibilidade junto à nação.

Uma das mais importantes instituições republicanas, constitucionalmente responsável pela ordem política, é o Poder Judiciário. Já que não podemos construir uma sociedade em que todos entendam as leis da mesma forma, os tribunais se encarregam de interpretá-las e fazê-las cumprir. Mas alguns juízes e membros do Ministério Público parecem contaminados pelo clima de instabilidade suscitado pelos meios de comunicação e pelos discursos desatados de alguns candidatos. Foi assim que, em episódio felizmente superado, o TRE do Rio de Janeiro se esqueceu de que, a partir da República, Igreja e Estado se encontram devidamente separados. É inaceitável que o arcebispo do Rio de Janeiro tenha sido notificado a impedir seus párocos de desaconselharem o voto nesse ou naquele candidato. À Igreja não pode ser vedado o direito de defender sua posição, seja ela qual for. Como se sabe, há confissões religiosas que fazem ostensiva campanha eleitoral e mantêm até mesmo bancadas coesas no Congresso, sem que tenham sido advertidas pelos tribunais eleitorais. Felizmente, o TRE voltou atrás, e a tempo, de sua decisão intempestiva, que viola dois princípios constitucionais elementares: o da liberdade de crença e o da liberdade de expressão do pensamento.

Que se examine, e com o rigor da lei, as infrações eleitorais, cometidas pelos partidos do governo ou da oposição, e se exerçam as medidas coercitivas necessárias, mas sem perder o prumo constitucional. O TRE do Rio em sua decisão parecia favorecer uma candidatura de esquerda, ainda que da oposição. O Ministério Público sofre de amnésia, no caso dos sanguessugas: a imensa maioria das irregularidades foram cometidas no governo anterior, e o maior número de prefeituras envolvidas (128) eram ou são ocupadas por membros do PSDB. O procurador do caso indiciou 33 pessoas, entre os corruptores e os envolvidos durante o atual governo, embora reconheça que tudo começou em 1998, quando o PSDB e o PFL estavam no poder. Felizmente, para a tranqüilidade dos juízes do TSE, descobriu-se que não procedia a suspeita, amplamente noticiada como certa, de que teria havido escuta nos telefones do tribunal.

Qualquer que seja o resultado final das eleições presidenciais, a vontade da maioria dos eleitores deve ser respeitada e as instituições republicanas preservadas. E, por último, o processo tem que ser transparente, não deixando qualquer dúvida sobre a lisura do pleito, sob o risco de ruptura do processo democrático, com suas conseqüências dramáticas.

Estas são as regras republicanas.

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