23 setembro 2006

O avanço de Lula e o retrocesso de Alckmin


O discurso do presidente Lula, na abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, reafirmou o rumo independente da política externa brasileira (conduzida pelo ministro Celso Amorim), que se distanciou com firmeza da submissão aos interesses dos países ricos, em especial EUA - a posição mantida nos oito anos de FHC, que o candidato do PSDB-PFL, Geraldo Alckmin, declara-se disposto a retomar.

Conforme ressaltou há poucos dias uma reportagem do "Valor Econômico" sobre as propostas dos dois candidatos, Alckmin pretende dar "maior prioridade na política externa aos países desenvolvidos, reabriria a delicada discussão sobre medidas de salvaguardas no comércio com a Argentina e poderia até fechar algumas da embaixadas abertas recentemente em países africanos".

Segundo o jornal, Alckmin é contra a política externa atual pela "visão equivocada de mundo", e por ser "ideológica e partidária na sua execução, além de politizada nas negociações comerciais". Assim, quer retroceder aos "valores tradicionais" que o Itamaraty defendia. Ou seja, ele prefere o Brasil de volta à insignificância passada na área internacional, desistindo até do assento permanente no Conselho de Segurança.

A vergonha da política de FHC
No retrocesso desejado pelo candidato do PSDB, supõe-se que o Brasil voltaria a se submeter, como fez FHC em 1995, à pressão americana que forçara o Brasil a desistir da Tomson francesa e dar à Raytheon, alta contribuinte da campanha eleitoral do presidente Bill Clinton, o contrato de US$ 1,5 bilhão para a construção do sistema de vigilância da Amazônia (Sivam).

A conduta dos EUA no caso seria citada depois, num livro do professor Jeffrey Garten ("The big ten"), à época subsecretário do Comércio (a cargo do comércio internacional), como padrão a ser imposto pelos EUA em situações parecidas. Partidário de ações agressivas, ele montou uma "sala de guerra" no quinto andar do Departamento do Comércio - onde agentes da CIA somavam-se ao esforço a favor de empresas como a Raytheon.

Mas Alckmin rejeita a firmeza da política externa de Lula no campo comercial, a pretexto de "politização". Ele falou ao "Valor Econômico" em "volta à ênfase no aspecto comercial das negociações internacionais e redução do interesse nas questões políticas". Declarou fora de questão, mesmo assim, um acordo de livre comércio com os EUA e não citou novidades nas discussões com a União Européia - o que não difere da linha atual.

Apesar dos ataques orquestrados contra o ministro Celso Amorim, com ele a diplomacia brasileira deu um salto de qualidade. Aí estão a liderança na criação do G20 para as negociações na OMC e o entendimento do G4, para a ação conjunta com Japão, Alemanha e Índia pela reforma do Conselho de Segurança - desdobramentos significativos (por mais que no momento a oposição dos EUA ainda impeça avanços).

Entre a realidade e a "politização"
A ênfase do discurso de Lula na abertura da assembléia geral foi a necessidade de ação vigorosa e imediata contra a fome e a miséria no mundo. O tema já fora o centro de sua fala em setembro de 2003, na primeira vez que se dirigiu à mesma Assembléia Geral da ONU, por isso procurou ao mesmo tempo expor o que seu governo tem feito - e ainda está fazendo - nesse sentido.

Na verdade, a imagem do presidente brasileiro tornou-se emblemática para a causa. Não se fala nela sem seu nome ser citado. E a própria campanha lançada numa reunião internacional, na sede da ONU, teve Lula como co-presidente, ao lado do presidente francês Jacques Chirac. Nasceu então o "Fundo Lula" - resultante da proposta de taxação da venda de armas e destinação dos recursos ao combate à miséria.

Na certa Alckmin vai chamar isso de "politização". Mas o conservador Chirac faz questão de proclamar admiração por ele. E a mensagem de Lula em conferências e reuniões internacionais tem sido ouvida com emoção e respeito - e não só pela sua biografia eloqüente. "Onde há fome, não há esperança", disse ele ontem. "Fica a desolação e a dor. A fome alimenta a violência e o fanatismo. Um mundo onde as pessoas morrem de fome nunca será seguro".

Lula lembrou que uns 840 milhões de seres humanos - quase um em cada sete no planeta - não têm o suficiente para comer. São necessários mais US$ 50 bilhões a cada ano para se chegar, no prazo, às Metas de Desenvolvimento do Milênio. Ele acha que a comunidade internacional pode fazê-lo. Lembrou as centenas de bilhões investidas na integração dos europeus orientais à União Européia. E citou o custo das guerras.

Entre o pragmatismo e a covardia
Falou ainda, fazendo avaliação por baixo, das centenas de bilhões de dólares gastas "na nova guerra do Golfo" - a guerra de Bush no Iraque, passando por cima da ONU. Alckmin na certa vê isso como "politização". Celso Lafer, ex-ministro (de FHC e Collor) e certamente um dos piores que o Itamaraty teve em toda a sua história, prefere reclamar da "falta de pragmatismo" e "propensão a jogar para a torcida".

No governo FHC, Lafer não jogou para a torcida. Ficou acuado ante a exigência dos EUA para que o brasileiro José Bustani se demitisse da direção da Organização para a Proibição de Armas Nucleares - órgão do sistema da ONU. Bustani respondeu ao ministro que não fora nomeado pelo Itamaraty, do qual estava licenciado; fora eleito pela maioria dos países-membros. Só sairia quando a maioria o desejasse.

Para complementar a demonstração de subserviência, Bustani foi encostado pelo governo FHC ao deixar a Organização. Essa atitude covarde só foi corrigida depois da posse de Lula, que nomeou Bustani para embaixador em Londres, um dos postos mais cobiçados da carreira. O gesto foi mais do que mera decisão burocrática. Era um novo aviso de que com Lula temos, sim, uma política externa independente.

Fonte: Universidade Nomade

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