22 setembro 2006

Os juízes e a política


Por Mauro Santayana

O ministro Marco Aurélio de Mello, presidente do TSE, manifesta sua opinião política. Como juiz, ele deveria apenas julgar.


Os juízes podem ser polêmicos em seus votos e sentenças. Guiados pela própria consciência e pelas provas que lhes chegam, também cometem terríveis erros judiciais. Conhecemos casos em que inocentes foram condenados à morte ou a vários anos de prisão. Em alguns casos, são inocentados, quando não há mais como devolver-lhes a vida ou os anos passados na masmorra. Nos julgamentos de natureza política – como o da recontagem de votos da Flórida, nas eleições de 2000 – esses erros trazem danos a povos inteiros. Dois juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos, decisivos para a derrota de Gore, estavam moralmente impedidos de votar. Scalia tinha dois filhos trabalhando com Bush, e a mulher de Clarence Thomas estava encarregada de examinar as postulações dos que queriam trabalhar na administração republicana. Se um só deles se declarasse impedido, haveria empate, e a decisão da corte estadual seria mantida. Provavelmente não teríamos Bush na Casa Branca, nem os atentados de 11 de setembro, com as violações de direitos do Patriot Act e a guerra contra o Iraque e o Afeganistão.
Mas sempre houve, entre os juízes, um princípio seguido como tabu: não antecipar decisões, não dar opinião, fora dos autos, sobre assuntos que podem ser objeto de julgamento. O ministro Marco Aurélio de Mello – por quem tenho, pessoalmente, o maior apreço – é tido, mesmo pelos que o criticam, como homem de alto saber jurídico, conhecedor, como poucos, da letra da lei. Mas o presidente do TSE espantou ontem os mais importantes juristas brasileiros com as declarações que prestou a dois dos melhores jornalistas do país, Luiz Orlando Carneiro e Tales Faria, do Jornal do Brasil.
Ao fazê-las, o ministro fica impedido de atuar no processo se o caso chegar ao tribunal – como afirmou o jurista Dalmo Dallari. O ministro manifestou uma convicção, baseada apenas em informações de imprensa, de que o caso do dossiê “é pior do que Watergate”. Como registra a história, Nixon salvou-se de um impeachment renunciando à Presidência da República, exatamente como tentou fazer Collor – que o nomeou. O ministro Marco Aurélio talvez considere os escândalos daquele tempo menos graves do que essa compra e venda de fotografias e discos de computador.
Que se investigue tudo, a partir da origem do dinheiro, como pediu o presidente Lula. Esse é o dever do Ministério Público e da Polícia Federal. Colhidas as provas, aí, sim, elas devem ser encaminhadas à Justiça. As provas podem inocentar os candidatos do PSDB, ou não. Ao TSE, cabe julgar se os fatos prejudicaram o processo eleitoral e agir de acordo com sua competência. Mas, se se comprovar que membros da oposição também participaram do esquema de superfaturamento das ambulâncias, eles deverão ser julgados de acordo com a legislação penal comum – da mesma forma que deverão ser julgados os que se mancomunaram para vender dossiês, falsos ou verdadeiros. Também devem ser punidos os que queimaram provas envolvendo o PSDB no caso do Valerioduto.
Os poderosos costumam perder o controle do verbo. Em Regensburgo, o papa falou demais e está sendo compelido a atos de contrição. O ex-presidente Fernando Henrique, depois de recomendar que se ateasse “fogo ao palheiro”, divulgou carta inoportuna e incita a oposição a desestabilizar o processo eleitoral, constrangendo seus companheiros de partido. Em Brasília, o ministro Marco Aurélio, presidente do TSE, manifesta sua opinião política. Como juiz, ele deveria apenas julgar. Como cidadão, tem o direito de expressá-la, secretamente, daqui a nove dias, em sua seção eleitoral.

Fonte: Jornal o Sul do Dia

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