22 setembro 2006

O "chefe", o esguicho e os peladeiros


Prezado Sr. Ivo Patarra,

É com enorme satisfação que percebemos tua intenção cidadã de celebrar o jornalismo combativo, aquele que jamais se curva às pressões econômicas, às chantagens políticas e ao perfume sedutor dos dólares das campanhas publicitárias. Pelo desejo penitente, tens já provavelmente creditadas mil indulgências para a data do derradeiro Juízo.

De fato, o profissional íntegro será sempre insano a ponto de perseguir a verdade e apostar estoicamente na utópica imparcialidade. Muitos dos mártires que tombaram durante os anos de chumbo aceitaram esse duríssimo desafio.

No entanto, se nos permites a ousadia, lançamos uma modesta série de indagações. A primeira guarda relação com o seguinte trecho de teu patriótico texto, presente na abertua de O Chefe (http://www.escandalodomensalao.com.br):

O escândalo do mensalão confirma, uma vez mais, que a imprensa livre, pluralista e vigilante é imprescindível à democracia e ao Estado de Direito. Nada melhor para a sociedade do que jornalistas determinados, Este livro homenageia dezenas de profissionais de imprensa, aqui citados nominalmente. São repórteres que não se intimidaram, não abaixaram a cabeça aos poderosos da vez, e contribuíram de forma decisiva para desvendar e elucidar o mais extenso e complexo esquema de corrupção governamental da história brasileira, em todos os tempos.

Neste momento, estupidificados pela ingenuidade, rogamos saber a qual imprensa "livre", "pluralista" e "vigilante" aludes. Se não nos trai a consciência, teu texto laudatório refere-se a veículos informativos de empresas do calibre da Editora Abril e do Grupo Folha. Infelizmente, não logramos compreender de que forma tais atributos podem ser associados a essa grande imprensa.

O que temos visto é justamente o contrário. Sobra irresponsabilidade e descompromisso com a verdade. Pessoas são condenadas antes que lhes seja concedido direito a julgamento. Em escala monstruosa, o caso Escola Base se repete no vergonhoso e falho processo inquisitório movido por boa parte desses veículos de comunicação.

Mil exemplos poderiam ser recordados. Que um nos baste. É o caso do lamento difamatório do ladino-banqueiro Daniel Dantas, levianamente ecoado por "Veja". Tais episódios, caro Patarra, atestam a enorme distância entre o serviço de utilidade pública e a instrumentalização criminosa da imprensa. E veja que não se trata de polêmica recente no jornalismo da terra. Em passado remoto, o Sr. Líbero Badaró já debatia o assunto na garoenta (e perigosa) Piratininga.

Também não nos parece característica de uma imprensa responsável seguir obedientemente as orientações do ex-ministro Ricúpero, aquele que parabolicamente admitia "empurrar para debaixo do tapete" o que fosse negativo à propaganda de seu bando.

A imprensa que descobriste "isenta" tem sido morna e carinhosa com os senhores Azeredo, Virgílio e Antero. Noutra mão, apressa-se em destruir sumariamente a reputação de qualquer vermelho que tenha a infelicidade de avançar sobre a faixa de pedestres.

Não alcançamos vários entendimentos, Patarra. Não compreendemos, por exemplo, a razão pela qual essa imprensa movida pelo interesse público resiste a reconhecer qualquer avanço social obtido no governo do operário de nove dedos.

Estranha-nos... Tu, que perambulaste pelo Nordeste para escrever um livro sobre a fome, parece agora se desinteressar do assunto. Se retomasses aquele ardor de outras épocas, certamente serias capaz de perceber a diferença que faz uma cisterna num pequeno sítio no interior da Paraíba. Com teu talento de redator, querido Patarra, serias capaz de descrever o sorriso de uma criança que foi à escola pela primeira vez e que, de quebra, teve a boca apresentada a uma fatia de goiabada.

Com tua permissão, destacamos outro trecho de seu longo trabalho de colagem:

Jornalistas têm a missão de zelar pela transparência das ações do poder constituído e pela boa aplicação do dinheiro público, apontando desvios e demais expedientes que lesem os direitos e os legítimos interesses do povo.

Concordamos, sim, com a asserção. Não pende dúvida. No entanto, cabe outro questionamento. Onde estavam esses mesmos paladinos da imprensa quando o gangsterismo bom-mocista espetou o punhal da privataria no coração do Brasil? Ainda que despojado do altruísmo de Guevara, costumas viajar de motocicleta pelos continentes. Correto? Portanto, é provável que estivesses ausente do País durante esses duros anos de tucanismo. Entretanto, e teus colegas? Também pilotavam sobre duas rodas nesse período?

Torna-se difícil acreditar que as férias coletivas dos teus "coleguinhas" tenham sido tão longas, exceto se inspiradas no autismo de Forrest Gump. Houve a relação esquisita entre a Previ e Ricardo Sérgio de Oliveira. Sabes quem é, não? Houve a Pasta Rosa, o escândalo do Sivam, a dinheiralha "fora da cueca" para comprar a reeleição. Sim, caro Patarra, isso tudo ocorreu aqui em Pindorama. Houve o caso do prédio do TRT... E também a cafajestada do Proer... E o delito grave no caso Marka FonteCindam...

Pois é... Perdeste a oportunidade de escrever excelente livro sobre o CHEFE dessa (triste) orgia toda, devidamente ignorada ou minimizada pelos arautos da notícia nascidos nos berços da "elite branca" à qual faz menção o governador Lembo.

Fica aqui uma sugestão de pauta: que tal fuçar na escrivaninha do impávido engavetador geral? Como bom detetive, serás capaz de descobrir algumas das razões para o retumbante fracasso da administração tucana. Perdia-se tempo demais com acobertamentos... Faltava tempo para o exercício da gestão.

Por fim, Patarra, o estudo da história nos põe encafifados. Que história é essa de "maior escândalo da história do Brasil"? Talvez o bordão tenha apenas função de propaganda... Entendemos... Mas será honesto? Duvidará dessa afirmação quem leu sobre as capitanias hereditárias, sobre a corte de Dom João VI, sobre a política do café-com-leite, sobre o ademarismo, sobre o regime militar e, principalmente, sobre o obscuro reinado de Dom Fernando Henrique Cardoso.

Parece-nos, portanto, que mais uma vez a "reação rancorosa" recorre açodadamente a uma preparação da ruptura. Içamos a um fato fundo da memória para aclarar o conceito. Na década de 70, tínhamos um amigo boleiro na Vila Carrão, na média-periferia paulistana. Certa vez, expulso do prélio por conduta anti-esportiva, resolveu interromper o lúdico evento. Da balconeta de seu sobradinho, assestou contra os atletas seu poderoso esguicho de água fria. Como era inverno, a intervenção realmente logrou êxito. Logo, a rua aquietou-se, vazia, deserta mesmo.

Boa notícia para os maus perdedores? Nem tanto... Passados mais de trinta anos, os peladeiros do Brasil cresceram e perderam o medo...

Walter Falceta Jr

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