17 setembro 2006

“A imprensa não elege nem derruba presidente”

Com mais de 40 anos de profissão, exercida sempre de forma intensa, percorrendo o país de ponta a ponta, o repórter Ricardo Kotscho é assumidamente um dos “últimos românticos” do jornalismo impresso. Ganhou quatro prêmios Esso, cobriu os grandes acontecimentos da história brasileira recente, como a febre do ouro em Serra Pelada e a campanha das Diretas Já, sempre escrevendo para os maiores jornais e revistas do país. Autor de livros como “Explode um novo Brasil - Diário da Campanha das Diretas” (Brasiliense) e “A prática da reportagem” (Ática), acaba de lançar “Do Golpe ao Planalto - Uma Vida de Repórter” (Cia. das Letras), resumo de suas andanças e experiências profissionais. No livro, recorda o período em que, cobrindo as greves do ABC Paulista para a revista IstoÉ, conheceu Lula. Nascia aí uma grande amizade, que resistiu firme a grandes solavancos, como a passagem pela Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (em 2003 e 2004). Sobre o relacionamento com Lula, a bagagem acumulada ao longo da carreira e os rumos do jornalismo no Brasil, ele papeou por quase duas horas, no estilo bem-humorado de seu texto, com os jornalistas Fábio Nóvoa, João Vital, Elias Pinto e Gerson Nogueira, na redação do DIÁRIO.

Para começar, você se sente responsável pelo sucesso da dupla sertaneja Chitãozinho & Xororó?
(Risos) Culpado eu não sou, mas dei minha contribuição. Eu sempre descobri alguns personagens antes de eles se tornarem famosos. Eu trabalhava no Jornal do Brasil e como free-lancer também. Me mandaram cobrir uma dupla, que eu não conhecia, que estava fazendo sucesso e iria de ônibus para o Sul do Brasil e eu fui junto. E fiquei impressionado com a quantidade de gente que havia no show em Curitiba e os gritinhos que lembravam a época da Jovem Guarda. Eles estavam fazendo sucesso com uma música chamada “Fio de Cabelo” e em cada lugar que eu ia juntava mais gente. Eu sugeri então ao jornal, que tinha o Caderno B chefiado pelo meu amigo Zuenir Ventura, que fizesse uma matéria a respeito. Ele disse que no Caderno B não iria entrar, que isso era coisa de paulista. Eu dei um golpe nele, pois o sub-editor era o Paulo Ataíde, que trabalha hoje no Greenpeace e que gostava de música sertaneja. Aí combinamos que quando o Zuenir estivesse de folga a gente ia dar uma página sobre o Chitãozinho & Xororó. Aí, três meses depois, foi um estouro tão rápido e aí eu liguei pro Zuenir e disse que tinha uma dupla que era um sucesso e ele ajudou muito para isso (risos).

Depois de ler seu livro, a impressão é de que você é muito mais um jornalista de comportamento do que um jornalista político.
E o livro também não é político, quero deixar claro para que a pessoa não compre pensando que é uma coisa e descubra que é outra. É muito mais um relato de histórias da vida real. Sempre gostei de reportagens desse tipo, como a que fiz sobre o garimpo. Acompanhei a história da Serra Pelada. Procurei descobrir coisas novas que estavam acontecendo no Brasil fora dos gabinetes. Raramente fiz matérias de cunho político. Trabalhar com paletó e gravata não é a minha praia. Trabalhar em campanha, política, foi um processo natural da minha vida, mas não era uma meta. Sempre trabalhei sozinho, com fotógrafo e motorista, como quando estava na Folha e saí na velha Caravan amarela e vim bater em Conceição do Araguaia, por exemplo. Era isso que gostava de fazer.

E esse tipo de jornalismo, do olhar periférico, ainda tem espaço nos dias de hoje?
Ouço essa coisa de que a grande reportagem está morrendo há 30 anos. Participei de um debate há 30 anos e o tema era esse. E não morreu até hoje. O que acontece hoje é que a imprensa está muito diferenciada. Você pega os principais jornais e vê que há muita coluna, mais coluna que na Grécia Antiga, muita coluna social no lugar da reportagem. O repórter se acostumou a fazer matérias em 15 linhas, por telefone, acessando a Internet. O jornalismo impresso vai ter que encontrar um outro caminho. Tento mostrar para os jovens que vale a pena ser jornalista. Os jornais estão investindo em tecnologia para fazer frente uns aos outros e esquecem da matéria-prima.

No livro, você diz que sempre esteve no lugar certo, com as pessoas certas. O avesso disso também é verdadeiro? Quer dizer, quando a crise do governo Lula estourou você já não estava lá...
Claro. É tal o anjo da guarda. Todo jornalista deveria ter um bom anjo da guarda. Tem que ter sorte, como o bom goleiro. Eu não teria estrutura para suportar aquela crise toda. Sempre fui muito emotivo. Foi um negócio muito pesado. Eu não teria saúde para agüentar aquilo, porque no tempo que eu fiquei lá eu já sofri muito e não teve nenhuma grande crise como essa. Primeiro, eu já não queria nem ir, não era meu plano trabalhar no governo em Brasília. Ia ficar um ano para montar a equipe, montar o site da Secretaria de Imprensa que não existia, informatizar, enfim botar outro no meu lugar. Mas fiquei mais um ano e saí no final de 2004. Aí, disseram na imprensa que eu tinha brigado com o presidente ou que estaria decepcionado. Nada disso. No Brasil ninguém entende como alguém deixa o poder por vontade própria. É um país onde ninguém larga o osso.

Um dos motivos de seu sofrimento no governo foi o fato de o presidente não atender aos seus pedidos de falar mais com a imprensa, de dar coletivas regulares?
É, eu fiquei no meio do mar e da pedra. De um lado, o presidente e as pessoas do governo se queixando da imprensa, e muitas vezes com razão. E a imprensa se queixando do governo que não dava entrevistas, também com razão. Até estive com o presidente no último domingo à noite. Fui jantar com ele, vindo para cá e falei sobre isso. Na possibilidade de ser reeleito, ele precisa repensar a relação com a imprensa. Hoje, eu consigo, friamente, entender os dois lados. Por isso, eu digo que ambos têm razão, mas é preciso resolver isso logo.

Se ele for reeleito, você voltaria a trabalhar lá?
Não. Eu sempre estive perto, como voluntário, dou conselhos, mas, voltar não. Não quero.

No ano passado, o jornalista paraense Luiz Maklouf Carvalho lançou o livro “Eu já vi esse filme”, que ganhou o Prêmio Jabuti, com uma série de reportagens criticando o PT. Você conhece o livro?
Ele fez o caminho contrário ao meu. Eu sempre fui ligado ao PT e ele sempre foi um crítico do PT. Mas respeito a visão do Maklouf. O jornalismo é legal por causa disso, por causa das visões diferentes. Apesar da crise, o PT ainda é uma grande referência partidária, com a estrutura que tem, com a inserção nos movimentos sociais. Continuo petista.

E como está o ânimo do presidente?
Ele está mais animado agora do que no começo do governo. Eu gostaria até de saber de onde ele tira essa força. Está com planos, projetos, está animadíssimo com a possibilidade de ter o segundo mandato.

Em reunião com editores, quando secretário de Imprensa, você disse que eles podiam escrever o que quisessem, mas tinham que reconhecer que neste governo não tinha corrupção. Você tornaria a dizer isso?
Eu falei isso na circunstância da época e falei isso em um almoço na Folha, no final de 2003 e início de 2004, e esse era o quadro. Claro que teve crises políticas e denúncias depois. O que eu não concordo é que digam que esse foi o maior esquema de corrupção no Brasil, isso foi um massacre que a mídia fez. Primeiro que não tem como medir isso. Segundo, tenho absoluta convicção, hoje, que nunca um governo combateu tanto a corrupção como este governo. Corrupção sempre teve e continua existindo. Nunca a Polícia Federal prendeu tanta gente, o Ministério Público atuou tanto quanto hoje. E não é só pegando bagrinho não, pela primeira vez se está pegando peixe grande. É um processo de limpeza do país que eu acho positivo. Daqui pra frente vai ser muito bom para o país. A imprensa exagerou nas coisas, o papel da imprensa é noticiar, não pode ocupar o lugar de outras instituições. E houve um momento que a imprensa noticiou, julgou e condenou. Em um regime democrático quem julga é a Justiça. Mas, felizmente, hoje não é a grande imprensa que está fazendo a cabeça do povo, é a cabeça do povo que está mudando o Brasil.

A grande imprensa achou que tinha grande influência e está descobrindo que as coisas não são bem assim?
É um negócio que me preocupa, como profissional e como leitor. Concordo plenamente com esse ponto de vista. Quem levantou isso primeiro foi o Josias de Sousa, da Folha de S. Paulo. Acho que a gente vai ter que refletir sobre isso. Acho que a imprensa hoje não elege nem derruba mais presidente, o que é bom para a democracia. Jornal não é partido político, nem deve ser. O papel da imprensa é contar o que está acontecendo e deixar as pessoas julgarem e escolherem suas opções.

Como assessor de imprensa, qual a sua opinião sobre a cobertura da Presidência?
Eu não gostava de cobertura, que era muito aquele negócio de bastidor, fofoca, o que um ministro falou para o outro. Brinquei com um amigo meu, que reproduzia as reuniões do gabinete do presidente, todos os diálogos. Dizia que ele plantou um anão embaixo da mesa do presidente, para ouvir as conversas e passar tudo para ele. Aí descobriu que o anão era meio surdo e não ouvia as coisas direito e aí não dava mais para trocar o anão (risos). Eu estava ali dentro e via as coisas de um jeito diferente de alguns jornalistas, e aquilo me agoniava. Tinha coisa que eu não via acontecer e saía no jornal. Existe um mundinho em Brasília, uma ilha, que junta jornalistas e políticos, que acham que mandam no Brasil, numa relação de troca de informação.

Em um passado recente, o repórter ia para uma matéria de coração aberto. Hoje, já sai apenas para confirmar uma tese pronta?
Exatamente. Há um preconceito contra o Lula e os jornalistas já vinham das redações procurando exatamente as gafes e isso acaba forçando a barra. Esse negócio de “caçar aspas” é típico. Às vezes, quando eu estava na assessoria, vinha alguém para cima de mim com a história de que “eu fiquei sabendo em off que aconteceu isto...” e eu dizia: “Então guarda para você, que eu não estou sabendo de nada”. Aliás, o antigo prefeito de São Paulo, Prestes Maia, um velhinho que não gostava de dar entrevistas, apesar de ser bom prefeito. Os setoristas da prefeitura todo dia inventavam entrevistas com ele, como se ele tivesse falado. Eles mesmo criavam. Aí, ele chegava no dia seguinte e comentava: “Estamos pensando bem, estamos escrevendo bem, gostei daquela entrevista de ontem...” (risos).

Você que conviveu com o Lula por tanto tempo sabe dizer que livros ele lê?
Agora na presidência, ele não tem tempo. Ou governa ou lê aquela biblioteca do Palácio da Alvorada. Por isso, eu achava que o Fernando Henrique queria ser reeleito para ler aquela biblioteca toda (risos). Eu já brinquei com ele sobre isso. Se fosse ler tudo aquilo de livro, não saía mais de lá. Mas o que ele gosta é de biografias, que eu também gosto. Histórias de gente. Ele é um cara muito agitado e eu sou assim também. Como eu escrevi quinze livros, tem um amigo meu, Humberto Werneck, que sacaneia dizendo que eu sou o único jornalista que já escreveu mais livros do que leu (risos).

Fonte: Diário do Pará

Obs.: Devo um pedido de desculpas a vocês e ao Kotscho, a dias atrás escrevi uma matéria aonde Ana Prudente, pedia o impeachment do Presidente Lula, baseado em algo que ele havia escrito no livro. E julguei precipitadamente. Prometo que irei ler o livro dele, pois agora fiquei curiosa em saber de onde se fundamentou este pedido de impeachment.

Vera

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