08 setembro 2006

Uma tal de Ana Prudente


Candidata ao cargo de senadora por São Paulo, Ana Prudente cismou de dar mais destaque a sua candidatura, entrou com pedido de impeachment do Presidente Lula.
Nesta semana andou desesperada pelos corredores da câmara em Brasília exigindo que seu pedido de impeachment fosse lido e levado a sério pelo Presidente da Câmara Aldo Rebelo, agitou com Gabeira, agitou com Pompeu, com Fleury...e mais alguns...voltou indignada para São Paulo. O mais incrivel de tudo é que o seu pedido de impeachment se baseia em fatos narrados pelo livro de Ricardo Kotscho, então vejamos o que tem o autor a dizer sobre sua obra:

A lembrança de cada um

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17.08.2006 | O leitor pode fazer esta experiência. Tente lembrar de algum fato acontecido dez, vinte anos atrás, ou mesmo na semana passada, e consulte seus amigos e parentes, que presenciaram o mesmo episódio, para confrontar a versão de cada um. É bem provável que surgirão versões diferentes da mesma história, lembradas de um jeito diferente, já que a memória não é uma ciência exata e está sempre sujeita aos achaques do tempo.

Tive certeza disso, se é que ainda havia alguma dúvida, quando conversei com velhos companheiros de redação do jornal O Estado de S.Paulo, onde comecei a trabalhar na grande imprensa, ao iniciar a pesquisa para meu livro de memórias recentemente lançado. Durante o jantar na casa de um deles, o veteraníssimo Ludembergue Góes, saiu uma baita discussão e por pouco não saímos no tapa para provar que a nossa versão era a verdadeira, e os outros é que estavam ficando gagás.

A partir desta experiência mal sucedida, desisti de procurar meus contemporâneos das redações da vida e resolvi correr o risco de contar a minha própria versão da história _ quem quiser, que conte outra, a sua. Afinal, depois de passar a vida inteira escrevendo sobre a vida dos outros, agora era a vez de falar da minha própria, e seria de pouca serventia para o livro entrevistar outras pessoas para falar de episódios dos quais fui testemunha.

O dilema que se coloca para um trabalho deste tipo é ao mesmo tempo prosaico e dramático: quando você é jovem, a memória é boa, mas há poucas histórias para contar; quando se fica mais velho, as histórias são muitas, mas a memória já não ajuda. Por isso, o primeiro título que apresentei ao editor _ “Antes que eu me esqueça” _, prontamente rejeitado, já era uma espécie de alerta. Como acontece com os computadores da nossa velha terrinha, talvez fosse mais apropriado um título que falasse em “Vagas Lembranças”.

Embora tenha feito uma consulta prévia a alguns personagens citados em temas mais controversos, confesso que fiquei bastante receoso nos primeiros dias após o lançamento do livro com os inevitáveis “não foi bem assim” que eu iria ouvir. Já passadas três semanas, para minha surpresa, houve um único caso de queixa, que me foi encaminhada pelo Fernando Molica, hoje repórter da TV Globo.

Como já havia combinado antes com meu dileto editor Luiz Schwarcz de fazer as retificações necessárias na edição seguinte, sempre que surgissem versões diferentes ao que escrevi, a primeira será essa referente a um episódio registrado na página 193 do livro. Para quem já comprou um exemplar da primeira edição, solicito considerar o texto abaixo em lugar do que foi publicado no segundo e terceiro parágrafos da citada página.

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Um deles, Fernando Molica, então na Folha de S. Paulo, apressou-se em para passar à redação o comentário de Lula sobre Itamar. Seguiu-se uma discussão entre ele e outros jornalistas que acompanhavam a caravana, enquanto eu tentava lhe explicar que Lula não tivera a intenção de xingar o presidente da República, que aquilo fora apenas força de expressão. Os dois já tinham até um encontro agendado em Brasília, após o término da viagem, em que o candidato entregaria a Itamar o Programa de Segurança Alimentar elaborado ao longo de dois anos por um grupo de mais de oitenta técnicos do Governo Paralelo, sob o comando do agrônomo e fazendeiro José Gomes da Silva, pai do assessor José Graziano.

No texto da matéria, Molica explica o contexto em que o palavrão foi dito, deixando claro que Lula não teve a intenção de ofender o presidente da República, mas nos títulos da chamada de primeira página e na matéria a Folha destacou simplesmente que “Lula xinga Itamar”, fato que mereceu críticas do próprio ombudsman do jornal e mal estar em Brasília. Por isso, Lula ficou preocupado em esclarecer logo o episódio. Queria entregar o mais rápido possível o projeto a Itamar por achar que o povo encontrado ao longo da viagem não poderia esperar o governo seguinte para ver implantado um programa de combate à fome.

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Outro amigo, o Goes do início da coluna, que foi meu chefe no Estadão, descobriu que errei o andar em que ficava a redação do jornal _ era no quinto e não no quarto, como escrevi. A redação da Folha, onde trabalhei depois, é que ficava no quarto andar. Carlinhos Brickmann, colega de várias redações, observou outra mancada em sua coluna no Observatório da Imprensa. George Duque Estrada é o brilhante editor gráfico perseguido pela ditadura a quem me refiro no livro _ e não Osório, que, como se sabe, virou nome de rua depois de compor o Hino Nacional.

Como esses, devem ainda aparecer outros casos de memória traída pelo tempo. À medida em que os for descobrindo, graças à ajuda de amigos com melhor memória do que a minha, vou fazendo as correções. O problema é que livro não é como jornal que você pode corrigir no dia seguinte. Tem que esperar a próxima edição _ e espero que ainda saiam muitas _ para que eu possa corrigir as outras falhas do texto original.

O que me consola é que isso também acontece com os melhores escrevedores da praça. Certa vez, fui ao lançamento do livro de um deles, muito meu amigo, que durante um debate promovido antes dos autógrafos falou com detalhes de um encontro que tivemos em Xapuri na cobertura do julgamento dos assassinos de Chico Mendes. O único problema, confidenciei-lhe depois, é que eu nunca fui a Xapuri na vida. Mas o episódio do encontro já estava registrado no livro.

O amigo deve ter-me confundido com outro careca, nada grave. Ou vai ver que ele gostaria sinceramente de nos termos encontrado lá. Acho que todos nós temos uma memória afetiva em que guardamos algumas lembranças, boas ou ruins, independentemente daquilo que é arquivado pelo cérebro.

Seja como for, prometo não escrever nenhum outro livro de memórias. É sofrido, dá muito trabalho, um monte de amigo fica de fora e, depois que a gente termina de escrever, começa a lembrar todo dia de mil outras histórias que não estão no livro. Para autores já com um certo tempo de estrada, talvez seja melhor escrever apenas sobre o futuro _ quem sabe, com menos chances de errar...

Ricardo Kotscho


Vera

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